O filme The Brave One, de Neil Jordan, com Jodie Foster, cujo título em português é de uma imbecilidade atroz, é seguramente uma das boas surpresas deste ano. Foster/Erica tem um programa de rádio sobre os sons de Nova Iorque. E tem um namorado com quem está prestas a casar e, uma noite, vai passear o cão com ele a, presumo, Central Park, algures num recanto mais obscuro do parque. São atacados por aquela violência gratuita e assassina que até já ocorre aqui, no Camões, ao Chiado. Ela fica em coma e ele morre. Erica quer comprar uma arma, sem saber como disparar um tiro, mas a burocracia e os regulamentos levam-na a uma transacção mais rápida. A "9 mm" está pronta a vingar a catequese global do "não há rapazes maus". Foster, ao mesmo tempo que grava os murmúrios da "cidade que nunca dorme", castiga de morte matada os anónimos que lhe tiraram para sempre o sono. O detective que investiga as vítimas da vítima "chega lá" mas permite a impunidade da "vingadora" no momento em que elimina a canalha que matou o namorado. Erica começa por não perceber que está a mudar, em mudança - é isso que a puta da vida nos faz - e por fim aceita a "outra" que nunca deixou de ser a mesma. Se fosse comigo, preferia usar um silenciador porque a morte, mesmo a tiro, deve ser silenciosa. Pamuk /Erika/Foster, sobre Istanbul (ou sobre Nova Iorque ou Lisboa): "like the city, I belong to the living dead, I am a corps that still breathes, a wretch condemned to walk streets and pavements that can only remind me of my filth and my defeat". Genial.
9 comentários:
O sistema sempre se encarregou de traduzir para "A Estranha em Mim". Pois, pois...
Se Lisboa tivesse conservado os minaretes, ainda se pareceria mais com a Istambul de Pamuk. Conserva os eléctricos velhinhos, a carreira do 28 conhece mesmo, até, um intrigante sucesso: é aí que os turistas e outros incautos se deixam incessantemente aliviar por um exército de carteiristas - de estimação, naquele trajecto - que actua impunemente. Pode ser que apareça por lá uma vingadora "tipo" Foster, impecável no seu Prada ou, mais lusitana e politicamente correcto falando, Armani ... Era porreiro, pá.
Este comentário talvez não tenha nada a ver com o artigo ... ou talvez tenha ...
Ouvi, de manhã, numa estação de rádio, um programa sobre os assuntos mais "importantes" (segundo o editor) da semana ; um deles, foi a referência do presidente da república (esta república pouco pública) sobre a pobreza que varre o país. Dizia o alto dignatário : "envergonho-me ... um pouco" (sic).
Uma "figura", com a importância de um presidente de TODOS OS PORTUGUESES, deveria ter MUITA, MESMO MUITA VERGONHA !
Foi, também, com o voto dos indigentes, que o senhor Cavaco Silva foi eleito ... talvez com "esperança" de que o pobre fosse um dia menos pobre !
Desiludir os ricos, pouco lhes deve importar ... partem para outra ; desiludir os pobres, que não têm outra saída é, no mínimo, um grande "pecado" !
Na verdade, também eu me sinto muito semelhantemente a essa Erica da vida porque há formas diversas de nos destruirem com violência gratuita, quer ela nos mate e mate que amamos, quer ela nos estropie as esperanças, a ingenuidade, a crença na bondade essencial das pessoas, tudo na grande manta de injustiça de que se tem tecido a lustrosa Vida Portuguesa.
Ainda não vi,mas vai ser o próximo.Adoro cinema no Outono e no Inverno.Quando saímos da sala a noite fria e chuvosa prolonga a magia!
os indigentes não têm direito a voto.
É um filme perturbante.
Beijos
Estava a ver o filme e a lembrar-me da sua posta.Aquela sensação dorida de liberdade conquistada,de quem já perdeu tudo, e está disposto a atravessar a linha.A última!
Enterrar o passado,tornando-se igual a quem nos fez mal.Sem remorços!É como começar tudo de novo!
Quem não quer começar tudo de novo?
O comentário ao filme está muito bom!
Vi o filme ontem é muito envolvente e é inevitável a sensação de vestir a pele de Erica.
O passado que tanto nos aprisiona é sempre o mais difícil de deixar ir, embora seja o começa por onde ninguém começa!
Um abraço,
Susana
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