28.4.07

AS CRUZES DOS NOSSOS MORTOS


O que me interessa é chamar a atenção para o estado de crise moral em que nos encontramos, aquilo a que chamo a "ciganização do país".

António José Saraiva


"Quando se tem vivida uma vida já longa, e, sobre longa, intensa, de trabalhos, de fadigas, de inquietações, até de sonhos, o caminho que percorremos fica ladeado de numerosas cruzes - as cruzes dos nossos mortos. E se essa vida foi sobretudo colaboração íntima, soma de esforços comuns, inteiro dom das qualidades nobres da alma, eles não ficam para trás: continuam caminhando a nosso lado, graves e doces como entes tutelares, purificados pelo sacrifício da vida, despidos da jaça da terra, sublimados na serenidade augusta da morte. Na verdade, há mortos que não morrem: desaparecem no seu invólucro terreno, na sua figuração humana, na fragilidade e nos defeitos e nas limitações da carne; mas o espírito continua a brilhar como as estrelas que se apagaram no céu há cem mil anos, vincam-se mais na terra os sulcos que o seu exemplo abriu e parece até que os seus afectos não deixam de aquecer-nos o coração. Nem de outra forma se compreenderia que a Providência suscitasse tantas vezes almas extraordinárias, cumes de beleza espiritual, e lhes não conceda mais que uma breve aparição, como voo de asa que corta o céu, botão que murcha sem revelar ao sol da manhã a graça e o perfume da rosa. Há mortos que não morrem, e nós que viemos de longe ou de perto, em saudosa peregrinação, somos os que testemunhamos que este não morreu."

Discurso de António de Oliveira Salazar em memória de Duarte Pacheco, Loulé, 15 de Novembro de 1953, in Discursos e Notas Políticas, V.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois é, bem me lembro de o meu pai dizer que o homem discursava como um rouxinol.