10.10.09

MAIS LEITURAS OU OS NOSSÓS ÍDOLOS COM PÉS DE BARRO


Ídolos (SIC).
«O programa apresenta-se como uma forma de “democracia” próxima do povo comum. Ao contrário da política, distante e ocultada, os concursos de “realidade” são apropriados por uma grande audiência como seus, correspondendo aos anseios e permitindo a “pobres” um simulacro de acesso à “alta”, a uma “elite” que consideram sua. Na perspectiva dos concorrentes, um concurso como o Ídolos é uma forma de participação “democrática” na vida pública. Os media dão-lhes mais fórum do que a vida pública lhes dá nos seus espaços tradicionais, como a política. É fácil uma identificação com este género de programas enquanto espaço público alternativo e de “verdadeira” proximidade. Como refere François Jost (Télé-réalité, Ed. Cavalier Bleu, 2009), a “reivindicação de espectáculo” com anónimos é uma “revolta” dos espectadores contra a “alta” que “os privou da palavra”. Esse ponto de vista da audiência maravilhada não se incomoda com a natureza comercial do programa e a construção mediática da realidade. Aceita a “democracia” dos programa do tipo de Ídolos como uma criação industrial-cultural: a selecção dos finalistas não depende do voto “democrático” dos espectadores, mas de um júri com instruções para fabricar “ídolos” segundo o modelo cultural pop anglo-americano; poucos são os concorrentes mostrados — a maioria não chega a ter os seus 15 segundos de fama nos cristais líquidos e tubos catódicos dos LCDs e TVs do país, seja de glória por passar à fase seguinte, seja pela glória da humilhação, como a do “cromo” do Porto que passa nas promoções de Ídolos e fez manchete no 24 Horas; as imagens mostradas pela produção visam fazer um programa tolerável e de entretenimento para o maior número, numa escolha que limita muito a promessa de “transparência” deste tipo de programas, isto é, a promessa de mostrar toda a sua “realidade”. O formato adquirirá a sua função “democrática” plena quando os espectadores puderem votar: nessa altura, serão as “suas” escolhas, diga o júri o que disser. O voto — palavra latina que quer dizer escolha e quer dizer desejo — consagra esta estranha forma de democracia, manipulada como tantas outras: um agregado de idólatras displicentes, os espectadores, rende-se por entretém ao aglomerado de ídolos que as indústrias culturais fabricam.»
Depois vêm as gutas, as grutas, as sorvedouras que enchem as claques político-culturais.
«O governo regional de direita da Madeira é dono de um jornal? Crime terrível. Um secretário de Estado da direita troglodita promove censura a um livro de José Saramago? Crime terrível. Acusemos! De acordo. E se a censura for feita por uma dinâmica mulher de esquerda? A ExperimentaDesign, pressionada por uma multinacional do “imperialismo americano”, censurou na semana passada uma obra artística por incluir um vibrador sexual. Foi censura pura e simples, como referiu a artista, Catarina Pestana. Mas Guta Moura Guedes, a directora da bienal, inventou uma desculpa para tentar esconder o seu acto de censura servil a mando do “imperialismo americano”. Não houve escândalo, não houve artigos inflamados, não houve j’accuses!, não houve abaixo-assinados, não houve comentadores na TV castigando Guta e a bienal. Até a Coca-Cola se safou. Os intelectuais, comentadores e jornalistas do costume mantiveram-se em cúmplice silêncio. É censura de esquerda, é boa, é guta, é cultura. Podemos dormir descansados.»

(Os textos editados são de Eduardo Cintra Torres, no Público de hoje)

4 comentários:

zé sequeira disse...

Caro João

A bandeira, que ontem me acompanhou durante a tarde/noite do fim de campanha, desfralda-se agora - orgulhosa e COM SENTIDO - na minha varanda.

Para hoje e amanhã, o José Hermano Saraiva, algum trabalho (segunda volta-se à luta), a cruzinha no sítio certo e talvez um mergulho.

Bom fim-de-semana.

www.angeloochoa.net disse...

«Sociedade do Espectáculo»
(como lhe chamou Debord, Guy)
e no seu pleno melhor!
É de fugir ...
Mas pra onde ...
Pra esconso onde anulemos nossa vontade prória ...
Talvez um caminho para pasmo aéreo ...
Ou eternidade sem. Que é sempre eternidade com.
Estão insuportáveis a oferecer-nos cada vez mais «pentes pra pentear macacos» ainda que saibam que por cá não tenhamos tais macacos de estimação.
Que monopolizaram eles sim self-espelhando-se os ecrâs onde se revêem contentíssimos de seu(s) símios esgares e póses (estudadíssimas) que resultam cómicas -- e até nem dão pra chorá-los.

Anónimo disse...

Estas culturalidades parolo-esquerdizantes são um sorvedouro de recursos, públicos e privados.

Além de se tornarem, algumas vezes, instrumento de burrificação modernizadora e dinâmica.

Enfim, resistir a esta estupidez em formato institucional e social já nem dá assim tanto trabalho... Já são alguns anos a não acreditar em tudo (quase nada) do que ouço dizer.

PC

Anónimo disse...

boa tarde,

parece que você e o cintra torres não andam informados:
a guta está aqui e ali

www.compromissoportugal.pt/.../cv_Guta_Moura_Guedes.pdf

gutamouraguedes.com

e isto claro, sem (qualquer) desculpas para (qualquer) censura