13.6.09

VARIAÇÕES OU O SENHOR ANTÓNIO

Agora é da Fátima, lá da Bélgica, passando por Lisboa quando Lisboa era viva.
«Olha uma história:
Eu era a designer da EMI-Valentim de Carvalho e tudo o que era capa de disco passava por mim. Esta história ainda mede 31 cm por 31 cm, o que equivale a dizer que ainda não havia discos mais pequenos que o belo LP dentro da sua capa quadrada. O disco chamava-se «Dar&Receber» e fui eu quem o recebi, ao António, tão bonito. Vinha vestido com as suas cores, o cinto da fivela que era uma ferragem de portão e aquela barba aparada, alegre. Cansado. Magro. A capa estava a imprimir nas oficinas da Costa & Valério e fomos os dois, a pé, da Cruz dos Poiais ali a S. Bento. Um pulinho. O António tinha de parar de cinco em cinco passos e eu parava com ele. Ríamos os dois das coisas pequeninas e das grandes também. As pessoas passavam por nós e cumprimentavam-no: ah, riqueza da sua avó, gritou uma velha de dentro de uma casa escura. Ah, g'anda Variações! gritou o taxista depois de apitar. E mais ríamos até chegarmos ao fresco da casa das grandes máquinas. Impressionante, a esta distância arrepiante, foi o momento em que entrámos nas oficinas e um a um todos os homens das máquinas limparam as mãos às calças, as mãos que apertaram a do senhor António. Um a um. O António não era apenas popular ou cá dos nossos, era o senhor António a quem se reconhecia talento e a quem apertavam a mão em sinal de respeito tal como vi e nunca mais esqueci. Beijinhos ó rangélico João. Só tu para no meio da tua política toda, traulitada neste e naquele, te dares ao cuidado de parar o baile com o António Variações. O senhor António.»

6 comentários:

josé ricardo disse...

pois aqui vai outra história. 1984, poucos meses (semanas?) antes de António Variações falecer. Torre de Moncorvo, cine-teatro. Um grupo de jovens finalistas do 7 ano de escolaridade decide trazer à terra aquele tal de Variações, António de seu nome. Esse?!... Aqui em Moncorvo? Estão malucos? Querem ter prejuízo e não ir a Torremolinos?!... Mas veio. 500 lugares, completamente esgotados. Não tanto pelo artista, mas mais pela escassez de oportunidades culturais que então se vivia nessas terras do interior. Surpresa das surpresas: um êxito. Um grande êxito. Um estrondoso êxito. Lembro-me na altura, sendo eu um desses jovens finalistas que foram a Torremolinos à custa do Variações, lhe ter perguntado se gostou. Ele respondeu-me que queria voltar com uma banda. Não foi a tempo. Mas estou em crer que foi um dos melhores espectáculos que António Variações deu na sua vida. Em Torre de Moncorvo.

joshua disse...

Ele, autêntico, intenso, exótico, e a sua música, inspirada, do Portugal profundo, entranhavam-se-nos na alma então, como agora é bem grato evocá-lo.

vasco disse...

Magnífico texto, o da Fátima. Fico contente por ter tido a oportunidade de ler este texto. Grandeza.

javali disse...

"Beijinhos ó rangélico João. Só tu para no meio da tua política toda, traulitada neste e naquele, te dares ao cuidado de parar o baile com o António Variações. O senhor António."

AHAHAH. Já não lia um bom pedaço de literatura portuguesa há muitos anos.

Anónimo disse...

A grandeza dos comuns - coisa que muitos não conseguem admirar. É nesta espiral de valor que vivemos. Uns numa direcção, outros noutra. Quem governará a sério? Quem saiba lidar com tudo isto. Até ver, nenhum dos presentes tem filosofia para lidar com o que se passa com a nossa realidade, e os que percebem não têm pachorra para a Política, porque já estão para lá dos seus modelos.

douro disse...

Essa Fàtima onde 'mora'? Que vinho bebe? Escreve como se fosse orvalho em cima de pedras. E aqueles pès em Barcelona! Que "Variações"!