SEM GLÓRIA

Ainda me lembro do tempo - não foi assim há tanto - em que Presidentes da República e assessores de Presidentes da República acorriam a Belgais. Quando Maria João Pires intercalava uns refogados e um lavar de loiça com uns acordes que deixavam as eminências em êxtase. Pela "modéstia" temperada com o "génio", naturalmente. Entretanto parece que Belgais vai passar pelo vexame de um arresto de bens por "falta de apoios". Subsídios do ministério da educação (aparentemente os únicos), móveis e instrumentos ficam todos por conta do tribunal. E porquê um tribunal? Porque, segundo a filha da pianista, há «uma acção movida por quatro ex-funcionários, despedidos a meio do ano, e que, de acordo com Joana Pires, discordam das indemnizações que lhes foram pagas. O valor do arresto ronda "os 78 mil euros", acrescentou.» E disse mais. «Despedimos funcionários para não termos que declarar insolvência a meio do ano. Perdemos patrocinadores e donativos e só lhes podíamos pagar o que o Ministério da Educação nos dava. Ficámos sem o resto do dinheiro que recebíamos", fruto da crise financeira, justificou.» A Câmara de Castelo Branco também se está nas tintas para o "projecto Belgais" - não é uma rotunda, um estádio ou uma estátua - e disse à moça que não tinha nada a ver com o assunto. Quando Maria João Pires se declarou «torturada" por Portugal, escrevi que era o Estado que ia a Belgais e não contrário. Há ainda três anos, Belgais era «um "projecto" nobre, sem dúvida, numa terra onde quase nada existe, que tem uma gestão para a qual foi canalizado dinheiro público, cerca de dois milhões de euros.» A seguir, por não lhe darem o que pretendia, Pires deixou de gostar de Portugal. A novela acaba, assim, com Portugal (o oficioso e o oficial que dantes voava para Belgais, para os petiscos e para a música em privado) a deixar de gostar do projecto de Maria João Pires. Sem glória.

Clip: Maria João Pires, Pierre Boulez e a Berliner Philarmoniker tocam Mozart no Mosteiro dos Jerónimos (Maio de 2003)