23.5.07

O "PESO-PESADO"



A nomeação de António Costa

por Rui Ramos*

Coitados dos políticos - na semana passada quase tivemos pena deles, tantos foram os analistas a demonstrar a solidão dos líderes e a falta de gente dos partidos. Os factos não pareciam autorizar interpretações menos melancólicas.
Perante uma eleição em Lisboa, o PS teve de gastar um ministro de Estado, e depois ir buscar um juiz ao Tribunal Constitucional, eleito há dois meses, para o substituir. O PSD dispôs-se a sacrificar o presidente de outra câmara. O CDS recorreu ao seu líder parlamentar, à frente de uma lista em que foi preciso pôr quase metade do estado-maior do partido.
Todos analisámos este generalizado rapar dos tachos com a conveniente dose de angústia democrática. Mas, enquanto o país se preocupava com a escassez de políticos, os nossos políticos, que não sentem que haja funcionários a mais, também não deram sinais de sentir que há políticos a menos. Basicamente, porque julgam que têm tudo muito bem controlado.
Viu-se pelo modo como, apesar de estar prevista uma eleição para Julho, o Governo tentou nomear um dos seus ministros presidente da Câmara de Lisboa.
Há que admirar a mestria. Tudo foi coreografado para provar que, enquanto os outros iam a votos, António Costa descera do ministério à terra para tomar posse. Perante a encarnação autárquica do verbo governamental, os animadores de serviço ergueram as palmas e juncaram o caminho de flores, entoando cânticos à "aposta fortíssima" e ao "peso-pesado". Vale a pena reflectir sobre esta transfiguração de um simples mortal num ser "fortíssimo" e "pesado".
Está aqui a chave da nossa política. O currículo atesta que Costa já foi nomeado para quase tudo. Mas na única vez em que arriscou uma candidatura pessoal - Loures, em 1993 -, perdeu. De resto, foi sempre eleito em lugar secundário nas listas. Não discuto as virtudes de Costa: admito que tenha todas. O ponto é este: noutras democracias, "pesos-pesados" são políticos com um apelo eleitoral testado - e não alguém cujo talento foi sobretudo reconhecido pelos correligionários. Os nossos políticos julgam-se capazes de atingir a grandeza pelo singelo método de se promoverem uns aos outros, como a nomenklatura da antiga União Soviética.
Para esta política reduzida a um clube de elogio e promoção mútua, é natural que o país não conte - compete-lhe apenas deixar-se impressionar pelo ruído que lhe chega do clube. Não devemos cometer o erro de tomar os nossos políticos por bacocos. O Governo fez um cálculo. Previu que os oligarcas do PSD estariam mais interessados em afundar Marques Mendes do que em reter Lisboa, e que portanto não haveria outro candidato com a folha de serviço de Costa. Entretanto, apagou do quadro o comprometedor PS local, e aproveitou o charme discreto do poder para arrebanhar atracções.
Entre candidatos e mandatários, no circo Costa há de tudo. O eleitor é do PSD? Tem o exemplo de José Miguel Júdice. Desconfia da "malandragem"? Tem Saldanha Sanches. Não gostou de Carrilho? Tem Manuel Salgado. Gostou de Alegre? Tem Ana Sara Brito. Até as directoras da Ciência Viva e do Serviço Jesuíta aos Refugiados vieram na rede. Isto não é uma candidatura: é o regime sujeito a um arrastão. Alguém ficou de fora?
Só havia um problema para consumar a nomeação: os candidatos independentes. As sondagens mostravam Carmona e Roseta com mais intenções de voto, em conjunto, do que o "peso-pesado".
Como de costume, o povo, sempre ignaro e ingrato, ameaçava estragar o passeio. Felizmente, é para prevenir este género de escândalos que existe a burocracia do Estado, com os seus procedimentos e prazos jeitosos. O governo civil removeu assim a dificuldade com um passe mágico do calendário. Estavam as favas a ser contadas, quando, de repente, o sistema deu sinal de anomalia. Geralmente tão fiável, a justiça constitucional abriu brecha na muralha. E foi assim que as eleições de Lisboa, até aí reduzidas a uma oportunidade para o Governo, se tornaram também uma oportunidade para os cidadãos. Por exemplo, para explicarem a estes ministros que a democracia não é uma coisa para ficar calcada debaixo de um qualquer "peso-pesado".
É que há mais em jogo do que uns automóveis mal estacionados. Enquanto o Governo exibia Costa à cidade e ao mundo, soube-se que, numa qualquer direcção regional, um professor tinha sido suspenso por causa de uma piada à custa do primeiro-ministro.
Eis o que está nas mãos dos lisboetas: garantir que, depois de Julho, podem continuar a contar-se anedotas sobre Sócrates na câmara municipal. Porque é preferível lixo nas ruas do que lixo nas almas.

*in Público de hoje. Edit meu e vénia ao autor. Foto Kaos.

12 comentários:

Nuno Castro disse...

Eu por mim, como acho que em Portugal a tarefa de limpar o lixo das almas se tornou impossível, prefiro começar pelo que se vai acumulando nas ruas.
Ao menos começa-se por algum lado, não é?

Anónimo disse...

os candidatos, se são pesos pesados (ou plumas caprichosas), como refere o autor, foram pesados pelos criticos opinadores. fica muito bem ao autor criticar os seus pares.

os senhores que se sentam no tribunal constitucional para a próxima vez devem indicar também quem deve ser o próximo presidente, porque seguindo o raciocinio os ditos sentados do tribunal são nomeados pelo governo e partidos(vide rui pereira), e como o autor refere estes querem fazer a coisa sem a 'rua'.

gostava que o comentador especificasse quais as democracias onde os pesos pesados - e já agora que nomeasse alguns pesados; são aquilo que ele diz que são, e porque é que nesses casos acertam no peso e aqui nicles.

com antonio costa estão muitos criticos de outros: venderam-se? o costa consegui corrompê-los? foram-se oferecer? querem ter acesso ao charme discreto do poder?
são atraídos pela gravidade de um peso como o peso do costa; não explica e não se percebe.

estarei cá para ver os cidadãos de lisboa a explicarem a estes ministros (que por acaso foram eles que elegeram) a democracia.
(porque, pasme-se, os ditos cidadãos de lisboa sabem o que é a democracia e por isso tem votado em quem tem votado)

Nuno Castro disse...

Já que considero que a limpeza das almas é tarefa impossível no Portugal actual, fico-me pela limpeza que se vai acumulando nas ruas. Pelo menos nisso espero que a futura Câmara seja melhor, já que demonstrou que nos dois tipos de lixo não tem lições a dar a ninguém.

Pedro Barbosa Pinto disse...

A frase de António José Saraiva na entrada do seu blogue, dava-me uma imagem correcta do que se passava em Portugal aqui há 5 meses atrás mas hoje parece-me já desadequada e até um insulto ao povo cigano.

"Fascistização" ou "Sicilianização mafiosa" do País não começerá a ser mais adequado?

cumprimentos,

Barão da Tróia II disse...

O só prova a miséria em que anda a classe política desta terra. Boa semana.

Anónimo disse...

Eu sinceramente não sei, nem me interessa, qual a ideologia e a opção política de João Gonçalves. Em Democracia, o importante é que qualquer cidadão se possa expressar livremente, quer optando entre propostas, quer apresentando as suas próprias. Por isso não consigo entender o que ele propõe, que regime político, que políticos, que políticas. Seja para o país, seja agora para a câmara, é sempre a chacota, o bota abaixo, os ataques pessoais. Em ideias, propostas é um deserto. Seria honesto, quando não se apresenta alternativa, escolher alguma das apresentadas. Claro isso é para quem não pensa ter oo rei na barriga, nem que não viva em Marte ou noutro paraíso qualquer.
Já agora um contrasenso. Em todas as sondagens o governo e o PS continuam a ter uma maioria absoluta, se a eleição para a câmara de Lisboa for um julgamento do governo, então Antónia Costa, já ganhou.

Anónimo disse...

É preciso ter muito descaramento para esta gente estar a fazer uma "cruzada contra o corporitivismo dos professores e de outros trabalhadores qualificados". Este pessoal não é corporativo. É maf....!
Ana

Paulo Coelho Vaz disse...

É assim mesmo.
A liberdade é bom para a gente dizer mal dos outros.
Mas neste blog só falar quem tiver a aprovação do patrão!
Vamos a ver se este passa para depois eu poder dizer umas verdades

Anónimo disse...

Eu concordo com o primeiro comentador: prefiro que se limpe o lixo das ruas, porque o das almas era um grande problema. Mas pergunto ao João Gonçalves: porquê essa sanha contra António Costa?

joshua disse...

João, o Fernando Charrua não é o único a ser vítima de piadas como poderia ser vítima de opiniões, pelo que se vê.

Eu mesmo já estou há um mês informado de que serei obrigado a ficar desempregado porque uma Junta Médica pressiona porque sim uma docente em atestado médico prolongado para que regresse agora mesmo no último dia, no fim de Maio. E então, depois de nove meses de aulas e sofrimentos variados, lá vou eu papel-gente amarrotado para o caixote do desemprego novamente.

É o meu caso, mas depois de um certo comentarista do meu blogue se ter sentido enjoado pelo que escrevi na Páscoa da Cidadania a respeito do Sr. Sócrates, sei que se trata de um sinal dos tentáculos do Poder que a DREN unhas afiadas põe cá fora: lixar quem pode e, como sou professor provisório, funcionário público sazonal há onze anos, também não terei o direito de me insurgir contra a falha de carácter do Sr. Sócrates, quando ela nos ficou patente.

Pesa um manto de silêncio quando o PS se funde com o Estado e faz estas coisas pela calada: ao Fernando Charrua suspendem e humilham e a outros, como eu, atiram-se para a rua... Haver quem coma e se cale.

Perante estas evidências, não a escondi aos meus amigos nem àqueles que confiaram e confiam em mim, no quanto me sacrifiquei por cada um: já percebem, embora tão pequenos, as manobras do Poder Absolutamente Sorridente!

Causa e efeito! Pulhas de merda!

Anónimo disse...

Sabe o que é Fernanda?
Natália Correia dizia-me em Viena (viagem do PR): sabe SrM, ai de nós, ai do país, quando os intelectuais deixarem de ser incómodos.
Isto é, atentos, críticos, livres e independentes.
capazes de criticar e de reconhecer...mas que temos nós para reconhecer?

Anónimo disse...

Rui Ramos no seu melhor. Portugal no seu pior.