Karen Blixen começa o seu Out of Africa com a famosa frase "eu tive uma fazenda em África...". Eu, pelo contrário, tive um modesto "Tzero" em Cascais durante oito anos. Tinha uma bela vista para o mar e uma estante fabulosa. Por lá passou muita gente, pelos mais diversos motivos. Houve jantares, leituras de poesia à varanda, risos, luares esplendorosos sobre o mar, gelados buscados à pressa no Santini para sobremesa, camas feitas e desfeitas para nunca mais, soturnos momentos, breves alegrias. Tudo se passou num tempo em que eu era vivo. Para o fim, o pequeno apartamento com vista transformou-se numa mera arrecadação de livros que eu visitava esporadicamente. E Cascais, graças ao furor assassino do betão, transformara-se comigo. No dia em que o fechei, não devo ter demorado mais de meia-hora na operação. Não olhei para trás. Agora apenas passo por Cascais a caminho do Guincho ou quando me apetece um gelado e uma volta pela Galileu. À medida que envelhecemos, perdemos mundos e pessoas e os mundos e as pessoas perdem-se de nós. Raramente fica alguma coisa. Esta lengalenga vem a propósito deste texto do Eduardo Pitta. "Sim, ainda há gente bonita, e com um punch mais difícil de encontrar em Lisboa. Mas o resto é uma desolação. A decadência urbana, o comércio pindérico, as ruas desertas de pessoas, a marina deserta, o monólito do Estoril Sol agora com as varandas pintadas de cores diferentes umas das outras, um manto de poeira cobrindo passeios e montras, e carros, carros por todo o lado (um terço são jipes topo de gama), filas intermináveis de carros bloqueando todos os caminhos. É isto, o progresso?"
9 comentários:
Lisboa - Ontem fui ao teatro - Palco Oriental - Beato. As ruas desertas. Um manto de poeira cobrindo as fachadas das casas. Passeios encardidos de sujidade. Lixo. Lisboa, a capital, está decadente. No bairro onde moro, Portela, temos uma presidente da junta incansável. O bairro está asseado e muito muito ajardinado. Uma mulher para Presidente da Camara de Lisboa, precisa-se! Só elas para se enojarem com a javardice!
Adorei este seu post.
"(...) camas feitas e desfeitas para nunca mais, soturnos momentos, breves alegrias.
Tudo se passou num tempo em que eu era vivo."
"À medida que envelhecemos, perdemos mundos e pessoas e os mundos e as pessoas perdem-se de nós."
... verdadeiro indelével :-)
"Raramente fica alguma coisa."
Olhe que não é bem assim... ;-)
Houve uma altura em que vivia parte do Verão na Parede, concelho de Cascais. Era, por isso, frequentador assíduo da vila que Judas tratou de destruir.
Agora, sempre que tenho de lá ir, pergunto-me como é possível que esse crime de destruição continue impune.
Não se poderá fazer implodir o horrível mamarracho que descaracterizou a entrada de Cascais?
"À medida que envelhecemos, perdemos mundos e pessoas e os mundos e as pessoas perdem-se de nós."
Lindíssimo, embora deprimente, este trecho. O melhor deste domingo!
Este blogger está cada vez mais apurado...
Chamar vulgares aos gelados da Santini é uma tremenda injustiça.
E, mesmo com os crimes urbanos cometidos, onde é que se vive melhor que em Cascais?
Nota: Em boa verdade este comentário deveria ser feito ao Eduardo Pitta mas ele não aceita comentários. Peço desculpa!
... pelo MAR
... pela “magnifíca perspectiva da ilustração”
... pelos “tons”
... pelo “bom gosto”
obrigada
... E, eu a pensar que num dos banhos no Guincho e/ou no Vau, a dita ”depressão”, por lá tinha ficado.
... Afinal leio
«Tudo se passou num tempo em que eu era vivo»
... e, lembrei-me, de uma passagem, do livro de Francesco Alberoni – “Enamoramento e Amor”
“O estado nascente é uma revolução radical da vida quotidiana, por isso consegue desdobrar-se enquanto tem êxito ao revolucioná-la, isto é, quando a vida pode tomar um outro rumo, novo, desejado e interessante, não há lugar à DEPRESSÃO.
As energias extraordinárias do estado nascente dão, neste caso, aos enamorados uma força muito grande para enfrentarem o ignoto e o diverso, para superarem juntos as dificuldades"
...
... mas, certamente noutros locais
Que não Cascais
Gente bonita encontrará ...
Um espaço aparecerá
Tambem, com vista para o MAR
E, voltará
Os livros na estante, arrumar
Podendo facilmente, os compulsar
Simpáticos amigos reunir
e, jantares oferecer
Magníficas sobremesas, saborear
ou,
Simplesmente comtemplar
«luares esplendorosos sobre o mar»
Breves ou longas leituras de poesia
Quais, momentos de beleza e harmonia
Carinho e, sintonia
Onde o “soturno” vire alegria
e, as camas fiquem feitas ou desfeitas
Tanto faz
porque,
À medida que envelhecemos
Logo ... logo percebemos
Que muito aprendemos
E,
Que. o deve ficar “fica”
pois...
O que não tem que ficar
Deixará em nós seu registo
e,
Só utilizado quando se justifique
... A vida não pára
Gira, gira velozmente
Há pois que abrir, a porta
E, rapidamente
Para que novos mundos surgam
Porque
Às vezes muito olhamos
À nossa volta procuramos
E, tudo, aquilo que desejamos
Está bem perto de nós
E, nada vimos ...
Conheci este blog por acaso hoje.
Fiquei muito impressionada pela qualidade dos comentários.
A ideia de jantares, estantes, risos e tertúlias relembra outras energias no estar e no ser.
Parabéns.
Voltarei seguramente.
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