19.5.06

POBRE PAÍS


Ao contrário do colega de coluna Francisco Trigo de Abreu, não vibro com o futebol. Perante a bola, oscilo entre a indiferença e a abominação. Não me entusiasma a loucura das hordas coloridas que correm para os estádios. Não suporto a maneira como é relatada nas rádios e nas televisões. Desconfio da bondade da maior parte dos dirigentes. Todavia, juro que me esforço por encontrar formas de vida inteligente no vago balbuciar dos principais protagonistas. O sr. Madaíl, por exemplo, o eterno “patrão” do futebol nacional, presumo que já não entusiasme ninguém. Penso até que nem ele próprio está muito convencido daquilo que diz. Limita-se a estar e a ir ficando com o beneplácito de todos. Também a imensa vaidade do sr. Scolari não me provoca tremores incontroláveis como, pelos vistos, à nação inteira. Abrir os telejornais das três televisões generalistas com os ditos cujos por causa dos “eleitos” de Scolari para a Alemanha, é a prova viva do nosso irremediável primitivismo. O país afunda-se mansamente a atira-se poeira para os olhos da populaça sob a forma de jogadores de futebol, devidamente acompanhada pela retórica oca dos respectivos patrões. As próximas semanas destinam-se precisamente a isso. Até o comentador oficial do regime, o meu caro professor Marcelo, distinto companheiro da praia do Guincho, não escapou ao populismo da coisa. Parece que a RTP o vai transformar em “comentador” do Mundial. A patética e vulgar exibição das bandeiras nacionais por tudo quanto é sítio, limita-se a criar estados artificiais de ansiedade colectiva alimentada pelas televisões A “futebolização” da vida pública pode fugazmente alimentar ilusões mas não ajuda a tornar a sociedade portuguesa mais adulta. Os “pobretes mas alegretes” do dr. Salazar foram substituídos pela “alegria” democrática do futebol. A “classe política”, das esquerdas às direitas, preenche colunas nos jornais e participa em mesas redondas nas rádios e nas televisões para apreciar os chutos na bola, cada qual com o seu cachecol de estimação. Com exemplos destes, não admira que o “povo” tenha dificuldade em sair do seu natural estado de necedade. Uns homens a correr atrás de uma bola, aqui ou lá fora, são o sonho possível que alimenta milhares de vidas vazias. De desilusão em desilusão, sempre com a mesma crença idiota na “vitória”. Pobre país.

(publicado no Independente)

7 comentários:

FTA disse...

Obrigado pela simpática referência. No meu blogue já respondi antipaticamente à frente-intelectual-contra-a-futebolização-da-vida-pública.

Saudações deste seu admirador e colega de coluna

FTA disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

... já tinha tido a oportunidade de, pela manhã lêr este "excelente" artigo, no Independente, que retrata "brilhantemente" não só este País, como o “encandeamento” que provoca, tal como diz

«Uns homens a correr atrás de uma bola, aqui ou lá fora, são o sonho possível que alimenta milhares de vidas vazias. De desilusão em desilusão, sempre com a mesma crença idiota na “vitória”.»
... "parabéns"

Anónimo disse...

Julgava que colegas eram as pêgas.....

e-ko disse...

Perfeitamente de acordo, no meu blog vou ao extremo de ter eleito, o futebol, assunto tabu. É assunto que me deixa entre a indiferença e a ira.

Anónimo disse...

A propósito da "patética e vulgar" exibição da bandeira nacional, plenamente de acordo. Talvez alguém (por exemplo, o Dr Marcelo, que foi um dos culpados desta ridícula epidemia durante o Euro 2004) devesse explicar às pessoas que há regras a ser cumpridas no uso da bandeira: içá-la à alvorada (ou, enfim, quando uma pessoa se levanta), arriá-la ao pôr-do-Sol (ou, enfim, quando uma pessoa se deita). E não deixá-la ao frio, ao vento e ao pó, pendurada ad aeternum em varandas, janelas e tabliers de automóveis. Caso contrário, não se demonstra patriotismo, antes ignorância e falta de respeito. E digo isto sem qualquer fervor republicano. Simplesmente, a bandeira é um símbolo nacional e como tal deve ser usado, sem lamechice, sem patrioteirismo, com dignidade. Ou então que não se use.
Frederico Pinheiro de Melo

Anónimo disse...

Homem que não gosta ou não percebe de futebol não é homem, é bicha...