«Ver Soares a deslocar-se é talvez o que temos de mais próximo com o que terá sido a naturalidade aristocrática com que D. Carlos devia passear em Vila Viçosa. Mas Soares não trouxe para os socialistas portugueses apenas a concepção de que o poder lhes é naturalmente devido, cultivou-lhes o espírito de corte: há um séquito que lhe repete as graças, as conversas com os grandes do mundo, a maravilha dos quadros que lhe ornamentam as casas, a grandiosidade da bilioteca e, não menos importante, reage ao primeiro sinal de crítica àquele que definem como "pai da democracia". Aliás, uma das características mais comuns ao PS português é essa noção enraízada de família. Não por acaso o PS foi durante anos um partido de famílias cujos apelidos em muitos casos remontavam à I República e onde, ao contrário do que sucedia nas outras formações políticas à direita e à esquerda do PS, os filhos, desde a mais tenra infância, se reviam e revêem ideologicamente nos pais. Por isso um dos momentos mais simbólicos das últimas eleições é aquele em que Soares terá passado, segundo a definição da propaganda do PS, o testemunho a Sócrates, lançando o slogan "Sócrates é fixe", adaptação desse outro "Soares é fixe" que fixa o momento em que Soares além de fixe foi também feliz e vencedor. É óbvio que Sócrates não é fixe - coisa que está longe de ser defeito! - e Soares não ignorará que aquele que definiu como seu sucessor não acerta uma única vez quando tenta falar dos livros que diz que leu ou dos filmes que diz que viu. Mas o testemunho que passou de Soares para Sócrates nada tem a ver com os gostos ou com as ideias, mas sim com a concepção do poder como coisa da sua gente. Naturalmente Cavaco não tem um partido assim atrás de si (o que sendo uma notória fraqueza em momentos como o actual foi também o traço que lhe permitiu chegar a Presidente da República) e de alguma forma ele e Guterres foram os únicos que até agora ousaram enfrentar este statu quo: Cavaco porque não se coibiu de ganhar eleições aos socialistas e Guterres porque não fez tudo o que estava ao seu alcance para manter os socialistas no poder, acabando por se demitir. Por isso, do ponto de vista "rosa", Cavaco nunca passará de um gajo e Guterres de um traidor. Quanto a Guterres, só o futuro dirá em que medida o PS lhe perdoará o pecado original de ter deixado o poder. O presente, esse, acontece entre o PS e o gajo. Ou mais institucionalmente falando, entre o Governo e a Presidência da República. Ou, se se preferir dar nomes às coisas, entre Sócrates e Cavaco Silva. Cavaco, que tem o imenso orgulho dos tímidos, aposta sobretudo em que a razão lhe será reconhecida a posteriori, como aconteceu com o Estatuto dos Açores. Resta saber se Cavaco ainda tem tempo, pois na relação com os outros poderes não basta a um Presidente da República denunciar os seus motivos de indignação, como bem perceberia Cavaco Silva se lesse o discurso de renúncia que um Presidente da República, o general Spínola, redigiu nesse mesmo Palácio de Belém num dia 29 de Setembro, não de 2009 mas sim de 1974. É necessário que o Presidente da República, qualquer que ele seja, tenha consciência do seu tempo de acção. Coisa que Soares teve quando percebeu que podia avançar contra o então primeiro-ministro Cavaco Silva e que teve sobretudo Jorge Sampaio naquele arco temporal que vai do momento em que deu posse a Santana Lopes até àquele instante em que o demitiu. Para já Cavaco tem razão no essencial e Sócrates tem o tempo (e a corte) a seu favor.»
11 comentários:
Excelente artigo, este de Helena Matos. Do melhor que se escreveu sobre a questão. Os socialistas acham que são os donos de Portugal e tentam, por todos os meios, esmagar quem se intrometer na sua quinta particular. Jamais esquecerei a grosseria de um tal Brederode quando escreveu, a propósito de Cavaco, então 1º Ministro, que "tiraram o homem de Boliqueime, mas não tiraram Boliqueime do homem". Aqui "homem" equivale a gajo. A sobranceria contra um Homem(maiúscula) que não provém da linha de Cascais ou do clã de Soares, continua, como se vê. São de uma arrogância intolerável.
http://bichinhoalacrefedorento.blogspot.com/
O título do post não é uma citação de Soares, mas de amigo próximo e espelha a ética republicana e laica, que há 200 anos destrói Portugal!
Criolina, precisa-se!
Esse espírito de corte, de que fala a autora do artigo, não é mais do que o espírito da Maçonaria.
Não compreendo, mas talvez seja erro de visão meu, porque se gasta tinta com o mostrengo, autêntico paspalho político instalador do socialismo de merda em Portugal.
Agora é que me apercebo bem do erro cometido por Marcelo Caetano, ao consentir que regressasse a Portugal. Devia ter continuado a saltar de ramo em ramo em África, por ser o seu lugar mais próprio, mais natural.
O título do post fez-me via à memória um tempo antes do 25 de Abril. Um director da Função Publica que dizia:
Para os amigos faz-se tudo para os outros, cumpre-se a lei.
Agora digo eu:
Para os amigos faz-se tudo, para os outros nem a lei se cumpre...
Esta é a realidade...
Também apreciei o texto citado.
Mas começo a dar-me conta de valorizar opiniões quase pelo simples facto de serem contra a corrente dominante. É que estamos num tempo em que tudo se conforta mutuamente; as opiniões que se vão lendo reduzem-se a um único sentido!
E quando alguém diz coisas diferentes do "mainstream" sinto-me aliviado, sinto-me menos isolado...
Mas note-se que o texto da Helena Matos vai para além disto... como é claro!
Renato P M Ribeiro
Se não me engano o "pensamento" em epígrafe é de Salazar ... quanto a D. Carlos I, pagou com o seu sangue e o da sua família os alvores da canalha republicana. A História, de resto, continua ...
Dr. Almeida Santos.
João Gonçalves tem razão: é de Almeida Santos. Ai se o tipo não fosse republicano, socialista e laico (=maçon) tinha tido o MP à perna. Assim sendo foi vitoriado por um pensamento tão digno da fraternidade, igualdade e liberdade...
CORJA!
Gostaria de deixar aqui um desabafo em relação ao Estatuto dos Açores, pois penso que Cavaco nunca teve razão em relação ao mesmo, pelo simples motivo de que se tivesse mandato todos os artigos, que julgasse inconstitucionais, para o Tribunal Constituticional e não tivesse guardado na manga aqueles dois , para serem utilizados posteriormente como arma de arremesso, nunca o problema, alguma vez, se poria, como realmente aconteceu com as decisões do dito Tribunal em relação a todos os outros artigos.
Eu como açoriano já me tinha sentido bastante incomodado com aquela injustificada comunicação ao país...e nesta condição sinto também que nunca fomos bem tratados ao longo dos tempos por este senhor.
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