No liceu, a minha professora de inglês (e, depois, até ao fim uma amiga com quem aprendi o gozo dos livros e do seu cheiro) punha-nos a traduzir, entre outros, textos de Gualdino Gomes, de Vasco da Gama Fernandes e (imagine-se) do Eça. Aos dezasseis anos a língua (e a literatura) portuguesa chegava-me pela biblioteca e através do bom gosto, ácido e determinado, da D. Maria da Graça que era apenas suposto introduzir-me nos mistérios das trevas de Shakespeare. Foi o Eurico de Barros que, nesta crónica sobre Gualdino, me recordou melhores tempos. Chama-lhe "o erudito chistoso", homem de um Chiado agora irreconhecível e praticamente infrequentável. Foi com a D. Maria da Graça que cheguei igualmente a Manuel Mendes e aos seus "retratos de alguns portugueses", das velhinhas e desaparecidas "Edições António Ramos". Lá vem o Gualdino. Não há mais "Gualdinos". Há isto ou isto. Eles são assim e, se calhar, nós já não podemos ser outra coisa. «Com ele desapareceu uma sombra que era como um símbolo. Fora amigo e companheiro de Cesário Verde, e gostava de contar, como prova do preito que devia à arte e à literatura, que, estando certa noite os dois a tomar genebra num botequim, viram entrar a figurinha magra de Eça de Queiroz, e respeitosamente ambos tiraram o monóculo e o meteram no bolso do colete. E para nossa escarmenta, concluía - «Nós éramos então assim...»
3 comentários:
Não me diga que ainda anda de chapéu de côco e que depois de perder o dia inutilmente no escritório vai beber uns canapés à memória de Júlio Dantas.
O senhor bem a tenta esconder, mas essa capacidade (dom?) para a evocação enternecida - aqui a dois níveis - vem sempre ao de cima . E servida por uma inegualável elegância literária.
Cpmts.
Os dois, Gualdino e Cesário? Cesário de monóculo? Se Cesário usou monóculo eu não compreendi Cesário (nem ele se compreendera).
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