Falhou, por manifesta falta de comparência dos leitores (com uma honrosa excepção), a minha "ideia" de celebrar Foucault. O que me leva a perguntar se vale a pena comemorar Foucault, vinte e cinco anos após a sua morte. Maurice Blanchot chamava-lhe «um homem em perigo» e um «solitário». Perigo, enquanto homem Michel Foucault, o "amigo que (anos mais tarde) não me (a Hervé Guibert) salvou a vida". Perigo enquanto filósofo ocupado com o "cuidado de si", a única verdadeira preocupação da filosofia: cura sui ou epimeleïa heautou. Com os "discursos verdadeiros" e "racionais", os logoï : «são eles que nos permitem enfrentar o real.» Homens assim estão permanentemente na sombra da vida e da morte, iluminando-as. Não são, pela natureza deles e pela nossa, comemoráveis. Os cerca de doze anos de cursos (a "história dos sistemas de pensamento") no Collège de France constituem o Foucault essencial. A primeira lição, proferida a 2 de Dezembro de 1970, já introduz o "solitário homem em perigo". Foucault disse aí aos seus alunos que gostaria de se «insinuar subrepticiamente no discurso» que ia proferir naquele dia «e nos que deverei pronunciar aqui talvez durante dez anos.» Foram mais dois. A doença não lhe permitiu muito mais. Depois de escritos alguns dos mais tortuosos (porque geniais) parágrafos da sua (nossa?) filosofia, Foucault largava tudo para entrar perigosamente na "noite do mundo". O Outro, afinal, era um simples outro qualquer, a vida e morte juntas num só enunciado. «O que constitui o valor particular da meditação sobre a morte não é somente que ela antecipa aquilo que a opinião, em geral, representa como a maior das desgraças. Não é somente por permitir que nos convençamos que a morte não é um mal. É que ela oferece a possibilidade de lançar, digamos, por antecipação, um olhar retrospectivo sobre a própria vida.»
10 comentários:
Não desfazendo os méritos de Foucault, morreu o Michael Jackson.
Experimente lançar novamente o desafio que lançou sobre Foucault, mas desta vez sobre Michael Jackson. Prevejo bastante mais sucesso desta vez.
Da-se...
dois paneleiros
Pela "elevação" dos comentários não é de estranhar nada.
Michael Jackson foi muito mais importante para o correr do Mundo do que Michel Foucault. Ou do que Miguel Sousa Tavares, ou do que Miguel Portas, para falar de quatro Miguéis.
Foucault é um dos génios mais notáveis do pensamento ocidental no século XX, com um papel determinante nas ciÊncias sociais, logo na interpretação deste mundo em que vivemos. Nesse âmbito, e a seu lado, poderia emparelhá-lo com mais dois franceses: Claude Lévi-Strauss (por acaso nascido na Bélgica) e Pierre Bourdieu.
O seu comportamento provocatório e a sua adopção como guru pela "nação homossexual" não lhe consentiram a merecida projecção, de acordo com a sua gigantesca qualidade intelectual.
Por outro lado, a Academia portuguesa ainda vacila entre a herança do obscurantismo salazarista e os delírios marxistas de Maio de 68. O espírito livre e inovador de Foucault choca com todos os modelos de manipulação da verdade e de constrangimentos sociais, por isso é - antes de mais - um profeta da LIBERDADE.
Nunca li nada de Foucault (excepto breves citaçãoes em artigos vários; não "contam").
Dessa poucas citações considerei de especial interesse as considerações que fazia, na linha de Orwell w Kafka, acerca perda de privacidade/liberdade dos cidadãoes.
A última frase que o João cita dele sobre a morte é também especialmente bonita (e verdadeira).
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