«É sempre assim: há crise no mundo, e logo os portugueses se declaram em situação de "oásis". Com os centros comerciais ainda abertos e o Governo entretido com as casas decimais de uma estagnação subitamente lisonjeira, a tribo inteira tem-se juntado à volta dos seus velhos ídolos para gozar a versão ao contrário da fábula da cigarra e da formiga. Onde estão agora as Irlandas aplicadinhas e trabalhadoras que nos diziam para imitarmos? Esses países que andavam no topo de todas as boas tabelas onde nós aparecíamos em baixo - onde estão eles, esses "modelos", essas formigas, que durante tanto tempo nos fizeram sentir cigarras no Inverno? Estamos vingados. Imagino que no Chade ou no Burkina Faso sintam o mesmo. Porque também eles, na crise actual, são "oásis". Mas não são oásis só agora, nos maus tempos. Também já eram oásis antes, nos bons tempos. Como nós. Se a recessão vier, será certamente menor em Portugal do que na Islândia, na Irlanda ou na Espanha, pela simples razão de que a prosperidade também foi. A economia mundial, nos últimos dez anos, cresceu como nunca. Houve países que apanharam o comboio - talvez de mais. Nós não. Por virtude e sabedoria? Não: porque não pudemos. A nossa pobre bolha estourou muito antes da dos outros, em 2001, e só o euro nos poupou um transe argentino. Não temos bancos em colapso. Mas também nunca tivemos bancos capazes de atrair poupanças de outros países. É verdade que um país pequeno não depende apenas de si próprio. É improvável prosperarmos quando todos estão em dificuldades. Mas o grande facto, nesta última década, foi este: empobrecemos relativamente quando tantos outros enriqueciam. Por isso, não se riam dos islandeses: é que eles, com mais razão, podem rir-se de nós.(...) Em 2005, os actuais ministros explicaram-nos que a solução para a nossa "crise" era o "crescimento". O que é que tem crescido em Portugal? Além do desemprego, o Estado. Bem sei que pelo mundo, durante as últimas semanas, muita gente voltou ao altar do Estado. Em Portugal, foi crença que nunca nenhum missionário liberal nos fez perder. Mantemos um dos Estados que, na Europa, mais gastam em relação à riqueza nacional e mais cobram atendendo ao nível de desenvolvimento do país. É talvez um óptimo mecanismo para tentarmos viver à custa uns dos outros, como dizia Frédéric Bastiat. Mas não se deveria ter notado já, se fosse também bom para criar ou ajudar a criar riqueza? A tragédia seria deixarmos o espectáculo da "crise financeira global" distrair-nos da nossa crise local - a crise de um país onde, nos últimos trinta anos, as pretensões reflectidas no "modelo social" aumentaram, mas as taxas médias de crescimento económico diminuíram. O contraste, como alguns já perceberam e todos já começaram a sentir, é insustentável. Há escolha, claro: ou renunciamos aos "direitos", ou temos de deixar de ser este oásis que só consegue acompanhar os outros a descer.»
Rui Ramos, Público
Rui Ramos, Público
3 comentários:
Renunciar a direitos é impossível. O português só sabe renunciar a deveres.
Bravo, Touché ... o curioso no meio desta pobre e vil tristeza, é que os responsáveis por isto, são quase sempre os analistas de hoje ... estranho, muito estranho!!!
Absolutamente de acordo com a opinião do Rui Ramos!
Só é pena que este tipo de discurso não seja repetido por mais gente, há mais anos! Na altura certa! Muito antes da dra. MFL dizer ser fundamental e prioritário o controlo do défice! Por volta da chegada ao (des)governo do engº. Guterres e do engº. Sócrates (parece que o próprio tem dúvidas de que seria de factio ele...)! Até mesmo antes disso!
Quando a dra. MFL se mostrava obstinada com o controlo da despesa pública, a atitude geral (portunamente "interpretada") e claramente verbalizada pelo (nosso?!) PR da altura, Jorge Sampaio, era: "Há mais vida para além do défice!".
O que teria acontecido se o dr. Barroso (coitadinho!) não tivesse "sido obrigado a aceitar" (coitadinho!!) as responsabilidades europeias e a dra. MFL tem continuado como ministra das finanças?
Com um PR "preocupado com a situação social", repetindo que até à náusea "há mais vida para além do défice!" e com a imprensa tão amiga da esquerda como é, desde Abril 1974, a nossa, pergunto, o que teria acontecido?
Uma coisa me parece clara: manifestações do género da dos 100.000 professores seriam frequentes.
Em minha opinião, com ou sem Santana Lopes, o dr. Sampaio "teria conseguido" sempre fazer eleger o PS de Sócrates. Só não se lembraram de uma coisa: de facto o défice tinha que ser controlado!
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