11.9.07

O SILÊNCIO DOS LIVROS


Por motivos pessoais, só agora respondo ao repto do Francisco, amigo generoso e um grande coração. Sou incapaz de produzir uma lista, quer de livros que tivessem "mudado" a minha vida, quer de livros que não "tivessem" mudado coisa alguma. O que "muda" a vida é a vida, é o maldito "outro", é o "dangerous corner" de que falava J. B. Priestley. Tive um professor de direito, João de Matos Antunes Varela, que nos recordava permanentemente que a vida era sempre mais rica do que a nossa imaginação, isto a propósito das "hipóteses" idiotas e "práticas" colocadas nos exames de direito. Nunca esperei que a Bíblia, Proust, Joyce, Tolstoi, Dostoievsky, Flaubert, Stendhal, Eça, Roth, Mailer, Highsmith, Vergílio Ferreira, Cardoso Pires, Camilo ou mais umas boas dezenas que podia convocar me "mudassem". Mesmo a filosofia - essa sublime expiação intelectual da nossa morte permanentemente anunciada- nunca nos prepara verdadeiramente para ela. Qualquer combate com os livros é, à partida, um combate perdido. Kafka recordava o silêncio das sereias para nos transmitir a ideia de que qualquer "discurso" pode perfeitamente ser menos "mortal" do que o silêncio. Fujam do silêncio das sereias, recomendava o autor do Castelo. O que "muda" é a nossa relação com o tempo e com o tempo dos livros. Aos dezasseis anos, Pessoa "mudou" a minha visão do mundo. Aos vinte e tal, Joaquim Manuel Magalhães também. O tempo, obreiro incansável do cinismo e do pragmatismo, faz-nos esse enorme favor de travar as ilusões. A vida vivida dentro de um livro ou de um poema não é transponível para isto, o "isto" que é aquilo a que apelidamos de "nossa vida". Felizmente tropecei - e continuo a tropeçar - em muitos livros que, por instantes, imagino definitivos. Agora é que é. Nunca foi. Não consigo verdadeiramente falar do silêncio dos livros. Limito-me a respeitá-lo.

5 comentários:

joshua disse...

São os livros que tantas vezes nos lêem a nós e nos dizem. Gosto de pensar que houve livros que eu mudei com a minha vida.

O que me mudou a mim foi o silêncio-depois.

Há BRAÇO, João!

Anónimo disse...

Mando-te um abraço amigo, Amigo João.
LBC

VANGUARDISTA disse...

Felizmente tudo muda ! .
Nós mudamos com tudo, com os livros, com a vida, com a idade, com as derrotas, com as vitórias …
Em cada livro, filme, quadro, poema há vários livros, filmes, quadros, poemas, consoante o estado do “eu”, que é a soma de todas as mudanças.
Até a nossa percepção, procura, uso e gozo do silêncio muda.

MJB disse...

Concordo com as suas palavras. A vida é feita de tudo. E o que "lemos" nos livros é a medida da nossa sensibilidade, aquilo que a vida nos "preparou" para ver. O que por vezes acontece é que os livros ajudam a trazer para a luz aquilo que já habitava em nós.

Anónimo disse...

Os livros são amigos...amigos que não mudam.

Infelizmente, há escritores que não consigo ler: Durrell, G. Greene, Heminguay, Celine, Artroud - todos, certamente, por culpa minha, por falta de sensibilidade ou por questões psicológicas.

De outros livros gosto tanto, que os li por diversas vezes: Cem anos de Solidão, os Maias, O Despertar dos Mágicos, o Imenso Adeus, O Clube Dumas, Cérebro por Um Milhão de Dólares, Sábado à Tarde e Domingo de Manhã, O Estrangeiro, o Ópio dos Intelectuais, Directa, Um Homem não Chora - seria esta a minha lista dos livros que foram importantes.

Naturalmente que tudo depende do tempo, do espaço, e da emoção do momento - umas vezes a leitura marca-nos mais e em outras menos.

Os textos dos livros são os mesmos, nós é que vamos mudando...mudando com a idade, com a convivência dos outros, com os lugares onde vivemos e com a formatação do nosso feitio.

Às vezes, nas releituras, descobrimos coisas em que não tínhamos reparado particularmente - como quando revemos um velho filme português pela enésima vez: descobrimos sempre algo novo.

À medida que a idade avança, torna-se mais difícil encontrar "grandes" obras, ou coisas muito especiais, que nos toquem - sobretudo no romance. É mais fácil descobrirmos coisas novas nos policiais e nos ensaios politicos.
Por isso agora vou relendo muito.

Digo eu...