8.11.03

INDIA SONG

1.

Chanson,
Toi qui ne veux rien dire
Toi qui me parles d'elle
Et toi qui me dis tout
Ô, toi,
Que nous dansions ensemble
Toi qui me parlais d'elle
D'elle qui te chantait
Toi qui me parlais d'elle
De son nom oublié
De son corps, de mon corps
De cet amour là
De cet amour mort
Chanson,
De ma terre lointaine
Toi qui parleras d'elle
Maintenant disparue
Toi qui me parles d'elle
De son corps effacé
De ses nuits, de nos nuits
De ce désir là
De ce désir mort
Chanson,
Toi qui ne veux rien dire
Toi qui me parles d'elle
Et toi qui me dit tout
Et toi qui me dit tout


2.

O regresso do Vice-Cônsul

por Eduardo Prado Coelho

Ele, o vice-cônsul, é Michael Lonsdale. Ela, a mulher em torno da qual os homens vivem, Delphine Seyrig: uma extrema lentidão no andar, uma sensualidade quase invisível, feita de reserva e de uma indefinível fadiga, uma voz anoitecida, entorpecida, venenosa e metálica. A música, uma daquelas que ficam na memória sonora do cinema, é de Carlos d'Alessio. O baile na embaixada é uma festa ritualizada de velas, espelhos, passos de dança, conversas ciciadas. O calor é asfixiante. A mansão roda demoradamente em redor de segredos sem fim. Há uma mendiga que ronda a casa e grita a miséria do mundo. Há um "court" de ténis e uma bicicleta encostada ao gradeamento. Há madrugadas na praia onde os corpos desaparecem na imensidão do mar.

Que filme é este? É um filme de Marguerite Duras. Ou melhor, é o filme de Marguerite Duras, aquele para onde tudo converge e donde tudo irradia. É a cena primitiva: o fascínio do feminino na sua verticalidade solar, a vertigem como espaço de pulsões informuláveis, o sentimento de exclusão e o mais longo grito da história do amor, a circularidade obsessiva da música que faz de cada lugar a emergência de um eterno retorno . O filme chama-se "India Song": não começa nunca, recomeça sempre como um momento denso e enigmático na história do cinema, algo que oscila entre o filme da literatura e a literatura de quem viu todos os filmes e e se lançou numa maneira diferente de trabalhar e inventar as imagens. Mais tarde, com aquela dificuldade que Duras sempre teve para se libertar das cenas alucinatórias em que encenava a sua intensidade de viver, ela retomou o filme na sua forma mais estranha. Filmou uma moradia em ruínas como o cenário da história de que ficaram apenas os sons da música e dos diálogos. E nesta forma de criar invisibilidade avançou um pouco mais na dimensão hierática e espectral destas personagens: o tempo passa, as fendas irrompem ao longo das paredes, a erva prolifera e, no entanto, as vozes são sempre as mesmas vozes a dizerem vezes sem conta a paixão do vice-cônsul. Todo o cinema de Duras opera uma ruptura com a representação quotidiana e institui um território irrepreensível de puro desejo. Ninguém caminha para chegar a um lugar porque todos os lugares são os lugares do amor - amor do outro, amor da vida, amor da beleza do mundo. O que o vice-cônsul irá proclamar com a inconveniência dos seu berros desesperados é que a paixão ultrapassa todos os códigos das histórias e aceita a degradação como forma de se intensificar até ao absoluto: "As histórias de amor é com outros que as vive, nós não precisamos disso." É este "não precisamos" (aliás, assimétrico) que dá a medida de um delírio - e a força inultrapassável de uma alucinação.


C'est tout...é tudo.

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