Este argumento de Pedro Lomba lembra, em caricatura doméstica do regime, Vico. Vico via a história como a sucessão entre três fases essenciais - a teocrática, a aristocrática ou heróica e a democrática - em que à ultima (tipicamente a democrática) se seguia um período caótico por causa da corrupção, voltando tudo, depois, ao momento teocrático por um processo que Vico designava por "ricorso". E assim sucessivamente. Lomba acha que, dissolvidos durante 36 anos entre "históricos", "professores", "discípulos" e "chefes de partido", os portugueses suspiram pela "quinta dinastia do regime" que "deverá ser portadora de outra autoridade". "Alguém - diz Lomba - que, depois dos manobristas partidários, seja representativo e reconhecido, não pelo partido, mas sobretudo pela sociedade." Lomba fala como um marciano que julga que em Portugal existe uma coisa chamada "sociedade civil" da qual brotará, qual cogumelo saudável, a salvação. Engana-se. Visto de trás para diante, o movimento "dinástico" de Lomba verdadeiramente nunca saiu da quarta fase, a dos "chefes de partido". Até Cavaco e Eanes, as personalidades mais visceralmente alérgicas a partidos, tiveram respectivamente de presidir a um e de instituir outro. Bem, no caso de Cavaco, muito mal no caso de Eanes. Soares, Freitas e Sá Carneiro fundaram partidos e todos "cresceram" dos partidos para a nação. Os "discípulos" só se "realizaram" quando tomaram conta dos despojos partidários dos Pais fundadores. E a mais recente abrótia, Passos Coelho, não vê a hora de tomar conta de um apesar de andar (teoricamente) a pastar pela "sociedade" há uns anos depois de devidamente "formado" no pior aparelhismo. Este regime não possui verdadeiros senadores nem elites. Tem apenas gente mais nova ou mais velha fornecida pelas máquinas partidárias, nascessem elas na Alemanha ou numa obscura rua de Lisboa. Por isso, pedir à "sociedade" que imole um dos seus no altar da Pátria equivale a pedir a Mário Soares que se "desrepublicanize" ou a Sócrates que concorra a um emprego. A fase democrática de Vico tem este efeito perverso num regime que começou com cravos. Nenhuma narrativa verosímil se pode escrever a partir de uma revolução folclórica e florista. De Gaulle ressumava uma autoridade indisputável forjada numa guerra a sério. Só isso permitiu que, mais de doze anos depois do fim das hostilidades, a França caísse literalmente a seus pés num "ricorso" irrepetível que juntou teocracia, aristocracia e democracia num lance único. E o partido só veio depois do caos. Ora uma nação de frouxos só pode gerar mais frouxos e "dinastias" de frouxos mais frouxos ainda. Uma sociedade timorata, como a nossa, teme o caos em vez de o desejar. Salazar não se enganava acerca do "viver habitualmente" o que, em "democratês", quer dizer partidos e respectivo pessoal. Essas são as elites, essas são as dinastias e são só elas que são "representativas e reconhecidas" porque não permitem outras. Não há "ricorso" possível.
5 comentários:
Uma figura aclamada pela sociedade civil... Bom, assim de repente, só me lembro da Soraia Chaves.
Temos uma nomenklatura ao estilo ex-societico: Generais, partidos.
... sendo inadmissível
São anos de fatuidades
repletos de insolência
demonstrando acuidades
de tamanha opulência.
As palavras trovadas
em sons descompassados
são sempre enturvadas
por cantos repassados.
Com a democracia reduzida
a minudências esfarrapadas,
a política é conduzida
por soberanias decepadas.
Há uma taxonomia destas feita por Joaquim Aguiar, há uns anos:
Logo depois do 25 de Abril, os pais-fundadores;
depois, foi o tempo dos sucessores;
agora, é o tempo dos funcionários.
Abraço, caro João Gonçalves.
João,
Onde entra o Marcelo? Quando li a crónica do Lomba achei que ele estava a apontar para o Marcelo.
Cump.
Winston
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