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24.4.11

O 25 DE ABRIL, A HISTÓRIA E OS SUB-37


As novas e as novíssimas gerações, sobretudo as da net e do telemóvel, não se "formaram" lendo, por exemplo, António José Saraiva ou Jorge de Sena, ambos autores portugueses para o século XXI já que viveram o XX, na parte que lhes coube, exilados fora e dentro do seu país. Não. As novas e as novíssimas gerações sub-37 cresceram a ler (os que sabem ler) gente que não sabe escrever, ler ou pensar. Cresceram, esses sub-37, com duas ou três tristes luminárias na cabeça porque elas lhes são impingidas, em casa, através da televisão. Ainda há pouco, o afilhado do Prof. Marcello Caetano debitava - rindo-se porque este é dos que ri - como se fosse o primeiro e último anti-fascista ao cimo da terra. Os sub-37 cresceram com uma parafernália de farsantes que, por definição e natureza deles, são tidos por democratas. Serão? No tempo em que os jornais publicavam textos polémicos e a coisa ainda não estava entregue à redacção única e à criminologia política acanalhada e analfabeta, em ambiente concierge, António José Saraiva escreveu no Diário de Notícias, em 1979, um artigo intitulado "O 25 de Abril e a História". Encontram-no no livro Os Filhos de Saturno, da Bertrand. É a pensar na geração sub-37 que aqui o reproduzo, sublinhando o que me pareceu de sublinhar em 2011. O resto é consigo, leitor. Nem "25 de Abril sempre" nem nunca.


«Se alguém quisesse acusar os portugueses de cobardes, destituídos de dignidade ou de qualquer forma de brio, de inconscientes e de rufias, encontraria um bom argumento nos acontecimentos desencadeados pelo 25 de Abril. Na perspectiva de então havia dois problemas principais a resolver com urgência. Eram eles a descolonização e a liquidação do antigo regime. Quanto à descolonização havia trunfos para a realizar em boa ordem e com a vantagem para ambas as partes: o Exército Português não fora batido em campo de batalha; não havia ódio generalizado das populações nativas contra os colonos; os chefes dos movimentos de guerrilha eram em grande parte homens de cultura portuguesa; havia uma doutrina, a exposta no livro Portugal e o Futuro do general Spínola, que tivera a aceitação nacional e poderia servir de ponto de partida para uma base maleável de negociações. As possibilidades eram ou um acordo entre as duas partes, ou, no caso de este não se concretizar, uma retirada em boa ordem, isto é, escalonada e honrosa. Todavia, o acordo não se realizou e retirada não houve mas sim uma debandada em pânico, um salve-se-quem-puder. Os militares portugueses, sem nenhum motivo para isso, fugiram como pardais, largando armas e calçado, abandonando os portugueses e africanos que confiavam neles. Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer Quibir. Pelo que agora se conhece, este comportamento inesquecível e inqualificável deve-se a duas causas:

Uma foi que o PCP, infiltrado no Exército, não estava interessado num acordo nem numa retirada em ordem, mas num colapso imediato que fizesse cair esta parte da África na zona soviética. O essencial era não dar tempo de resposta às potências ocidentais. De facto, o que aconteceu nas antigas colónias portuguesas insere-se na estratégia africana da URSS, como os acontecimentos subsequentes vieram mostrar;

Outra causa foi a desintegração da hierarquia militar a que a insurreição dos capitães deu início e que o MFA explorou ao máximo, quer por cálculo partidário, quer por demagogia, para recrutar adeptos no interior das Forças Armadas. Era natural que os capitães quisessem voltar depressa para casa. Os agentes do MFA exploraram e deram cobertura ideológica a esse instinto das tripas, justificaram honrosamente a cobardia que se lhe seguiu.

Um bando de lebres espantadas recebeu o nome respeitável de «revolucionários». E nisso foram ajudados por homens políticos altamente responsáveis, que lançaram palavras de ordem de capitulação e desmobilização num momento em que era indispensável manter a coesão e o moral do Exército para que a retirada em ordem ou o acordo fossem possíveis. A operação militar mais difícil é a retirada; exige em grau elevadíssimo o moral da tropa. Neste caso a tropa foi atraiçoada pelo seu próprio comando e por um certo número de políticos inconscientes ou fanáticos e em qualquer caso destituídos de sentimento nacional. Não é ao soldadinho que se deve imputar esta fuga vergonhosa, mas aos que desorganizaram conscientemente a cadeia de comando, aos que lançaram palavras de ordem que nas circunstâncias do momento eram puramente criminosas. Isto quanto à descolonização, que na realidade não houve. O outro problema era o da liquidação do regime deposto. Os políticos aceitaram e aplaudiram a insurreição dos capitães, que vinha derrubar um governo que, segundo eles, era um pântano de corrupção e que se mantinha graças ao terror policial: impunha-se, portanto, fazer o seu julgamento, determinar as responsabilidades, discriminar entre o são e o podre, para que a nação pudesse começar uma vida nova. Julgamento dentro das normas justas, segundo um critério rigoroso e valores definidos. Quanto aos escândalos da corrupção, de que tanto se falava, o julgamento simplesmente não foi feito. O povo português ficou sem saber se as acusações que se faziam nos comícios e nos jornais correspondiam a factos ou eram simplesmente atoardas. O princípio da corrupção não foi responsavelmente denunciado, nem na consciência pública se instituiu o seu repúdio. Não admira por isso que alguns homens políticos se sentissem encorajados a seguir pelo mesmo caminho, como se a corrupção impune tivesse tido a consagração oficial. Em qualquer caso já hoje não é possível fazer a condenação dos escândalos do antigo regime, porque outras talvez piores os vieram desculpar. Quanto ao terror policial, estabeleceu-se uma confusão total. Durante longos meses esperou-se uma lei que permitisse levar a tribunal a PIDE-DGS. Ela chegou, enfim, quando uma parte dos eventuais acusados tinha desaparecido e estabelecia um número surpreendentemente longo de atenuantes, que se aplicavam praticamente a todos os casos. A maior parte dos julgados saiu em liberdade. O público não chegou a saber, claramente, as responsabilidades que cabiam a cada um. Nem os acusadores ficaram livres da suspeita de conluio com os acusados, antes e depois do 25 de Abril. Havia, também, um malefício imputado ao antigo regime, que era o dos crimes de guerra, cometidos nas operações militares do Ultramar. Sobre isto lançou-se um véu de esquecimento. As Forças Armadas Portuguesas foram alvo de suspeitas que ninguém quis esclarecer e que, por isso, se transformaram em pensamentos recalcados. Em resumo, não se fez a liquidação do antigo regíme, como não se fez a descolonização. Uns homens substituíram outros, quando os homens não substituíram os mesmos; a um regime monopartidário substituiu-se um regímen pluripartidário. Mas não se estabeleceu uma fronteira entre o passado e o presente. Os nossos homens públicos contentaram-se com uma figura de retórica: «a longa noite fascista». Com estes começos e fundamentos, falta ao regime que nasceu do 25 de Abril um mínimo de credibilidade moral. A cobardia, a traição, a irresponsabilidade, a confusão, foram as taras que presidiram ao seu parto e, com esses fundamentos, nada é possível edificar. O actual estado de coisas, em Portugal, nasceu podre nas suas raízes. Herdou todos os podres da anterior; mais a vergonha da deserção. E com este começo tudo foi possível depois, como num exército em debandada: vieram as passagens administrativas, sob a capa de democratização do ensino; vieram «saneamentos» oportunistas e iníquos, a substituir o julgamento das responsabilidades; vieram os bandos militares, resultado da traição do comando, no campo das operações; vieram os contrabandistas e os falsificadores de moeda em lugares de confiança política ou administrativa; veio o compadrio quase declarado, nos partidos e no Governo; veio o controlo da Imprensa e da Radiotelevisão pelo Governo e pelos partidos, depois de se ter declarado a abolição da censura; veio a impossibilidade de se distinguir o interesse geral dos interesses dos grupos de pressão, chamados partidos, a impossibilidade de esclarecer um critério que joeirasse os patriotas e os oportunistas, a verdade e a mentira; veio o considerar-se o endividamento como um meio honesto de viver. Os cravos do 25 de Abril, que muitos, candidamente, tomaram por símbolo de uma Primavera, fanaram-se sobre um monte de esterco. Ao contrário das esperanças de alguns, não se começou vida nova, mas rasgou-se um véu que encobria uma realidade insuportável. Para começar, escreveu-se na nossa História uma página ignominiosa de cobardia e irresponsabilidade, página que, se não for resgatada, anula, por si só todo o heroísmo e altura moral que possa ter havido noutros momentos da nossa História e que nos classifica como um bando de rufias indignos do nome de Nação. Está escrita e não pode ser arrancada do livro. É preciso lê-la com lágrimas de raiva e tirar dela as conclusões, por mais que nos custe. Começa por aí o nosso resgate. Portugal está hipotecado por esse débito moral, enquanto não demonstrar que não é aquilo que o 25 de Abril revelou. As nossas dificuldades presentes, que vão agravar-se no futuro próximo, merecemo-las, moralmente. Mas elas são uma prova e uma oportunidade. Se formos capazes do sacrifício necessário para as superar, então poderemos considerar-nos desipotecados e dignos do nome de povo livre e de Nação independente.»

António José Saraiva, Os Filhos de Saturno

5.9.09

CONTRA AS ABSTRACÇÕES

«Herculano foi, talvez, até hoje, o nosso melhor pensador político, pelo menos o que pensou com mais força e empenho. Lê-lo é sempre estimulante. E sobretudo foi um homem que não se rendeu ao chamado "processo histórico" (a expressão não se usava no seu tempo, mas a ideia existia), que avançou no sentido da industralização, da centralização, do conformismo, da carneirização conhecida pelo nome de "democracia". Considerou igualmente detestável a tirania do número e a do chefe. Odiou visceralmente o Estado. Nunca aceitou o dinheiro como promotor da actividade humana, mas apenas como seu modesto auxiliar. E sonhou as pequenas comunidades autogovernadas, ao serviço de pessoas e não de abstracções.»

António José Saraiva, Setembro de 1977

31.5.08

A "MASSA"

Do livro ali ao lado:

«Uma massa em estado dinâmico é lúcida, imaginativa, audaciosa, intuitiva. Uma massa em estado de inércia é estúpida e medrosa. Quando se fala de "massa", é preciso ter isto em conta. Nada mais estúpido que a massa, nada mais clarividente que a massa. Depende do estado em que estiver.»

28.4.07

UM RIGOR TALVEZ EXCESSIVO


"Era essa possivelmente a grande virtude e o grande defeito de Salazar: o rigor talvez excessivo consigo mesmo e com os outros. Quem lê os seus "Discursos e Notas" fica subjugado pela limpidez e concisão do estilo, a mais perfeita e cativante prosa doutrinária que existe em língua portuguesa, atravessada por um ritmo afectivo poderoso. Por esse lado, a prosa de Salazar merece um lugar de relevo na História da Literatura Portuguesa (e só considerações políticas até agora a têm arredado do lugar que lhe compete). É uma prosa que guarda a lucidez da grande prosa do século XVII, e de onde é banida toda a nebulosidade, toda a distracção, toda a frouxidão, tudo o que frequentemente torna obscura ou despropositadamente ofuscante a prosa dos nossos doutrinadores."

António José Saraiva, "O Salazarismo", in Expresso de 22 de Abril de 1989

AS CRUZES DOS NOSSOS MORTOS


O que me interessa é chamar a atenção para o estado de crise moral em que nos encontramos, aquilo a que chamo a "ciganização do país".

António José Saraiva


"Quando se tem vivida uma vida já longa, e, sobre longa, intensa, de trabalhos, de fadigas, de inquietações, até de sonhos, o caminho que percorremos fica ladeado de numerosas cruzes - as cruzes dos nossos mortos. E se essa vida foi sobretudo colaboração íntima, soma de esforços comuns, inteiro dom das qualidades nobres da alma, eles não ficam para trás: continuam caminhando a nosso lado, graves e doces como entes tutelares, purificados pelo sacrifício da vida, despidos da jaça da terra, sublimados na serenidade augusta da morte. Na verdade, há mortos que não morrem: desaparecem no seu invólucro terreno, na sua figuração humana, na fragilidade e nos defeitos e nas limitações da carne; mas o espírito continua a brilhar como as estrelas que se apagaram no céu há cem mil anos, vincam-se mais na terra os sulcos que o seu exemplo abriu e parece até que os seus afectos não deixam de aquecer-nos o coração. Nem de outra forma se compreenderia que a Providência suscitasse tantas vezes almas extraordinárias, cumes de beleza espiritual, e lhes não conceda mais que uma breve aparição, como voo de asa que corta o céu, botão que murcha sem revelar ao sol da manhã a graça e o perfume da rosa. Há mortos que não morrem, e nós que viemos de longe ou de perto, em saudosa peregrinação, somos os que testemunhamos que este não morreu."

Discurso de António de Oliveira Salazar em memória de Duarte Pacheco, Loulé, 15 de Novembro de 1953, in Discursos e Notas Políticas, V.

27.4.07

UM MÍNIMO DE CREDIBILIDADE MORAL

"Os nossos homens públicos contentaram-se com uma figura de retórica: "a longa noite fascista". Com estes começos e fundamentos, falta ao regime que nasceu do 25 de Abril um mínimo de credibilidade moral. A cobardia, a traição, a irresponsabilidade, a confusão , foram as taras que presidiram ao seu parto e, com esses fundamentos, nada é possível edificar. O actual estado de coisas, em Portugal, nasceu podre nas suas raízes. Herdou todos os podres da anterior; mais a vergonha da deserção."

António José Saraiva

15.2.07

O PAÍS DELE

Muitos comentadores excitados vieram aqui travar-se de razões com a história recente. Tudo por causa de Salazar. Pelo meio, naturalmente, apareceram os insultos costumeiros que bani. Dá-me ideia que não leram o que está lá escrito. Leram apenas o que a respectiva predisposição genetico-intelectual lhes permitiu ler. Não sendo manifestamente um democrata, Salazar, em cinquenta anos de vida pública, nunca enriqueceu de um dia para o outro. Pelo contrário. A documentação é de consulta pública. Hoje em dia, quaisquer meses numa sinecura pública dão direito a enriquecimento instantâneo, provavelmente lícito porque "democrático". Salazar perseguiu, mandou prender, exilou, louvou o "safanão dado a tempo", censurou etc., etc.? Claro que sim. No entanto, a mentalidade persecutória e mesquinha das "esquerdas" não os autoriza a ir demasiado longe nesta matéria. Pelo contrário, fui claríssimo sobre a natureza autoritária do regime. De lá para cá, apenas mudou a natureza do autoritarismo e dos pides. Agora é democrático e eles são democratas. De resto, tirando a Europa, alguns costumes básicos de civilização, a oportunidade histórica e o "equipamento social", o país é essencialmente o dele, porém desprovido da "recta intenção" de que falava o insuspeito António José Saraiva. E sem ela, não vamos a lado nenhum.