
«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
30.4.06
MÁRTIRES

O HÁBITO DE DIZER MAL

O FRACASSO
"O país que aí está, trabalha, sofre e paga é, como de costume, um fracasso. Parece que, por baixo de uma grotesca marca de "modernidade", nunca saiu de facto da sua condição primitiva. Pobre, corrupto, irresponsável e apático, este Portugal não encontra com certeza razão para a sua própria sobrevivência".Vasco Pulido Valente, in Público, 29.4.06
29.4.06
O TREINADOR
HEMINGWAY
Depois das guerras, da celebridade, da aventura, dos touros, de Cuba, de África, de Paris, das caçadas, do álcool e da depressão, Hemingway estava, como alguém num dos seus contos, "desesperado". Refugiou-se numa casa discreta no Idaho. A mulher apanhou-o várias vezes empunhando uma espingarda para se suicidar, um instrumento com que conviveu bem toda a vida. Para o fim, Hemingway já não convivia sequer com ele próprio. Não conseguia escrever o que, traduzido à letra, correspondia a não conseguir viver. Como Santiago, de O Velho e o Mar, não fora feito para a derrota. Num domingo de manhã, saiu do quarto discretamente enquanto a mulher dormia, desceu as escadas e abriu um armário onde guardava as suas armas. Tirou uma espingarda de dois canos. Meteu-a na boca e premiu o gatilho. "Um homem pode ser destruído, mas não derrotado".O POBREZINHO NA LAPELA
Já existe uma inevitável comissão para tratar do PNAI. O PNAI é o "plano nacional de acção para a inclusão" - pode adicionar-se ao breviário de siglas do governo - a que Cavaco Silva, no âmbito da "cooperação estratégica", aludiu no discurso do 25 de Abril. A comissão já tem uma presidente e será provida com dezasseis (16...) criaturas oriundas das mais diversas entidadas ligadas à "problemática da exclusão social". Por outro lado, fica-se a saber que o próprio PR possui o seu "roteiro para a inclusão" no qual participará a primeira-dama. Ou seja, os indigentes, com ou sem abrigo, os velhinhos, as mulheres humilhadas e as criancinhas abandonadas, todos conhecidos pelo jargão assistencialista de "mais desprotegidos", têm garantido, desde já, um batalhão de técnicos, de burocratas, de comentadores e de políticos, encimados pelo "alto patrocínio" de Belém, para velar por eles. O pior é se o "roteiro", o PNAI e a piedade de circunstância deixam tudo mais ou menos na mesma, depois de produzidos os indispensáveis relatórios e consumadas as "visitas" caritativas e mediáticas aos abismos destas vidas. É que os "excluídos", ao contrário dos que andam à tona, não têm sequer voz para protestar ou reclamar "direitos". Todavia, quem é que não gosta de exibir um pobrezinho na lapela?O CINZENTO DE BRUXELAS
O presidente da Comissão Europeia, o nosso dr. Barroso, promoveu um "seminário" com todos os membros da dita Comissão. Após o falhanço manifesto da "constituição europeia", a Europa burocrática procura novas linhas para se coser. Barroso falou de uma "agenda europeia positiva" e de uma "Europa dos resultados" provavelmente porque tinha de dizer alguma coisa. Muito bem. A questão, porém, não é essa. É antes saber-se se "agenda europeia positiva" e "Europa dos resultados" querem efectivamente dizer dizer alguma coisa. Ou se não são mais duas construções vazias e inconsequentes para uma Europa cada vez mais desencontrada consigo própria e entregue ao cinzento de Bruxelas.28.4.06
OS MANDARINS
Eu votei para existir uma maioria absoluta. Todavia não desejo, antes pelo contrário, o absolutismo maioritário. Ontem à noite, refastelado no sofá, li no Público que a escolha do novo director de informação da Lusa tinha passado pelo gabinete do primeiro-ministro. Neste blogue, quando o dr. Morais Sarmento, no governo de Santana, começou a "pensar" numa "central de informação" ou de "comunicação", desconfiou-se da ideia. Não vi agora ninguém tugir nem mugir (excepção dupla) sobre esta coisa. Pelo contrário, uma "notícia" do Expresso sobre o putativo discurso do PR no 25/4 tem provocado uma fartura de derrames e de contra-derrames por aí afora. O Público, maldosamente, fornecia uma pequena biografia dos "adjuntos" do novo director. Um deles tem uma "vasta experiência" nestas andanças político-comunicacionais e, por mera coincidência, "serviu" em Macau, essa perturbadora sombra que há-de sempre pairar sobre o regime. Tem, pois, razão de ser reproduzir integralmente este post do Jorge Ferreira:Uma notícia do Público dá-nos conta de que o gabinete do Primeiro-Ministro se envolveu directamente na escolha do novo Director da Lusa. Uma notícia destas no tempo de Santana Lopes teria modificado por completo a agenda mediática. Mas esta, passou despercebida face à indiferença geral. Mas há que pôr os nomes às coisas. A notícia é ESCANDALOSA. Ela mostra sobretudo como José Sócrates não está a brincar em serviço e pretende controlar ferreamente a comunicação social. Num país civilizado, a notícia teria provocado demissões, inquéritos e protestos. Cá não. Afinal, ainda bem há pouco tempo um Governo que havia decretado o fim da recessão pretendia gastar uns cêntimos numa central de comunicação. Assim, visto que a recessão continua, sempre se poupam uns dinheirinhos. É usar o que há."
ANO 32
No caminho para o exílio no Brasil, onde viria a suicidar-se, o escritor austríaco Stefan Zweig aportou em Lisboa em 1936. Mais tarde registaria no seu “Diário” que tinha encontrado na nossa capital “o esplendor da miséria”, não obstante a beleza da cidade. Decorriam quatro anos desde a chegada de Salazar à chefia do governo da Ditadura. O Estado Novo dava os primeiros passos espezinhando o que restava da infeliz I República. O regime e sua retórica pretendiam - à semelhança do que o antecedeu e do que se lhe seguiria em 1974 – “servir o país” e não “servir-se” do país, como se acusava a desvairada República de o ter feito. A história posterior é sobejamente conhecida. Agora já levamos trinta e dois anos de democracia e de liberdades. No balanço, temos a Europa graças a Mário Soares, a alteração de estruturas e equipamentos da década de Cavaco e pouco mais. Encheu-se o país de novos-ricos e de novos e de velhos pobres. A “sociedade civil”, salvo raríssimas excepções, permanece inerme e de mão estendida para o Estado. As novas gerações ignoram o que está para trás e estão-se nas tintas para a cidadania. Como escreveu há dias uma politóloga, trinta e dois anos depois, os portugueses estão desmobilizados. As instituições políticas e judiciais, com o Parlamento à cabeça, estão desprestigiadas e exangues. Os partidos são encarados como últimos redutos de inutilidades profissionais. Chega a duvidar-se da capacidade de realização de um governo de maioria absoluta, repleto de boas intenções e de “modernidade”, depois de anos de oportunidades perdidas. No país “real” sobrevive o mesmo “esplendor da miséria” de que falava Zweig, os mais pobres de entre os pobres da Europa. Não conseguimos ser cosmopolitas ou sequer sofisticados. Em suma, falta “qualidade de vida” à democracia portuguesa. Chegámos, assim, ao seu ano 32 em estado de pura esquizofrenia colectiva. Nem tudo é mau. A eleição do primeiro PR não oriundo especificamente da “esquerda” e da “luta anti-fascista” foi um sinal de maturidade e representou o enterro de velhos demónios e de novas fantasias. Cavaco Silva é, pelo menos, um penhor seguro de credibilidade e de rigor. Nesse sentido, a sua ascensão à chefia do Estado foi o melhor acto comemorativo do 25 de Abril em 2006. Para o ano, a democracia atinge a idade de Cristo. Oxalá não acabe como Ele.(publicado no Independente)
Nota: Este artigo foi escrito antes do discurso do PR proferido perante o Parlamento no passado dia 25. Sobre isso, pronunciei-me aqui.
27.4.06
A "ÉTICA REPUBLICANA"
EVERYMAN

LER OS OUTROS
O texto de Fernanda Câncio, escrito em 1993 para a Grande Reportagem, sobre o "Holocaust Memorial Museum" de Washington."Foi um filósofo alemão - evidentemente alemão - Theodor W. Adorno, que o disse: após Auschwitz, não é mais possível. Pensar. Lembrar, sem dúvida. E escrever. Lamentar os mortos, chorar os vivos. E esquecer. Ergue-se contra isso a dor. Um museu. Mas a verdade decretada é que se esquece. Sempre. É esse o ofício da memória: fazer crer que é possível. Pensar, viver . E não ter visto tudo, nunca."
O "DEBATE"
MAIS NINGUÉM?
Em relação à permanência de Bénard da Costa na Cinemateca Portuguesa até à sua gloriosa mumificação, já disse aqui o que pensava. Também pensava nessa altura que a ministra da Cultura tinha tomado uma decisão política sobre isso. Eis que agora se dá o dito por não dito e Isabel Pires de Lima, com a indispensável anuência de Sócrates, dispôe-se aparentemente a prolongar a "licença especial" que permite a Bénard - aos setenta anos e com uma missão pública impecavelmente cumprida mas porventura exaurida- continuar à frente da Cinemateca. Criticava-se o Estado Novo por convolar em vitalícia a maior parte dos cargos de alta direcção da administração pública. A democracia, pelos vistos, também gosta de ter as suas jarras de estimação. Entretanto foi posta a correr uma inevitável "petição online" em prol de Bénard e, indirectamente, contra Pires de Lima. As capelinhas e o amiguismo mexeram-se depressa. Prado Coelho já as tinha excitado. Parece que está a surtir efeito. A ministra naturalmente tremeu. São sempre os mesmos para o mesmo, dos sete aos setenta e sete anos. Não haverá mais ninguém?Adenda: Sobre o mesmo tema, João Morgado Fernandes.
UM RUDIMENTAR MODELO (actualizado)
Adenda: Paulo Pinto Mascarenhas esclareceu que a revista a que aludo é a Atlântico, no seu número de Maio, já à venda. Mais uma razão para eu gostar da Atlântico. É livre. E, de facto, o meu pedido de desculpas ao Paulo pelo lapso.
26.4.06
O LIMITE
PAÍS DO EUFEMISMO
Ao ler levemente os comentários, as notícias e a blogosfera mais dada ao "respeitinho", tudo acerca do pós 25 de Abril de 2006 - por sinal nada político -, lembrei-me, não sei bem porquê, do "País Relativo" do O'Neill. Também gosto do Ruy Belo, como o presidente da República, mas não exactamente daquele Ruy citado. Parece-me que O' Neill vem mais a propósito do que se palrou ontem no Parlamento e do que se vai seguir, se é que se vai seguir alguma coisa. Trinta e dois anos depois continuamos como o poeta nos descreveu nos anos sessenta, "país engravatado todo o ano/e a assoar-se na gravata por engano."País por conhecer, por escrever, por ler...
a versejar tão chique e tão pudico,
enquanto a língua portuguesa se vai rindo,
galhofeira, comigo.
País que me pede livros andejantes
com o dedo, hirto, a correr as estantes.
País engravatado todo o ano
e a assoar-se na gravata por engano.
País onde qualquer palerma diz,
a afastar do busílis o nariz:
-Não, não é para mim este país!
mas quem é que bàquestica sem lavar
o sovaco que lhe dá o ar?
Entrecheiram-se, hostis, os mil narizes
que há neste país.
País do cibinho mastigado
devagarinho.
País amador do rapapé,
do meter butes e do parlapié,
que se espaneja, cobertas as miúdas,
e as desleixa quando já ventrudas.
O incrível país da minha tia,
trémulo de bondade e de aletria.
Moroso país da surda cólera,
de repente que se quer feliz.
País tunante que diz que passa a vida
a meter entre parêntesis a cedilha.
no país da alcateia,
tão exterior a si mesma
que não é senão a fome
com que este país a come.
pergunta mesureiro: - Como vai a vida?
a importância e o papelão,
inaugurando esguichos no engonço
do gesto e do chavão.
lhes agradeça a fontanária ideia!
Corre boleada, pelo azul,
a frota de nuvens do país.
dum ombro que, com razão duvida.
vai transido mas transistorizado.
Cedilhado o cê, país, não te revejas
na cedilha, que a palavra urge.
manda-nos à mãe, à irmã, à tia,
a nós e à tirania,
sem perder tempo nem caligrafia.
que é a vida,
ó país,
que parece comprida!
já perde a paciência à nossa cabeceira.
baú fechado com um aloquete,
que entre dois sudários não contém senão
a triste maçã do coração.
na má vida, país, na boa morte!
País das troncas e delongas ao telefone
com mil cavilhas para cada nome.
tens, tão contrafeito...
Embezerra, país, que bem mereces,
prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.
Desaninhada a perdiz,
não a discutas, país!
Espirra-lhe a morte pra cima
com os dois canos do nariz!
Um país maluco de andorinhas
tesourando as nossas cabecinhas
de enfermiços meninos, roda-viva
em que entrássemos de corpo e alegria!
Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro
e ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.
já o passo a meu filho, cansado de o olhar...
No sumapau seboso da terceira,
contigo viajei, ó país por lavar,
aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,
a conversa pancrácia e o jeito alvar.
entornado de sono, resvalaste para mim.
Mas também me ofereceste a cordial botelha,
empinada que foi, tal e qual clarim!
INDECISÕES
25.4.06
VINTE E CINCO DO QUATRO
É a primeira vez que temos um PR que não veio da "luta anti-fascista", nem pertence à chamada "família socialista". Eanes era atípico, porém um "militar de Abril" e de Novembro. Cavaco, e bem, não perdeu muito tempo com a revisitação da história. Falou para diante e sobre um país esquecido que muito provavelmente não o ouviu. Foi gentil e institucional nos "remoques" propriamente "políticos". No "justicialismo" que reclamou por parte da gestão pública, limitou-se a seguir a vulgata social-democrata. Não foi por acaso que, no final, os olhos da "esquerda moderna", representada por Sócrates, brilhavam. Nem sequer faltou a proposta de um "pacto" ou de uma "união nacional" em torno da ideia, já de si consensual, da "inclusão". Em suma, o regime celebrou-se a si próprio e foi para casa mais descansado depois de ouvir o presidente.VINTE E CINCO DO QUATRO - 2
Filipe Nunes Vicente, in Mar Salgado
VINTE E CINCO DO QUATRO - 3
Helena Matos, in Blasfémias
VINTE E CINCO DO QUATRO - 4
"mais
ainda por cima cheira-me que o dinheiro dos impostos vai ser gasto a indmenizar estes cidadãos exemplares...
não sei não mas sempre se podia criar a DGCDTTMNAUMGDCC.... (direcção geral e central de tentamos tentamos mas não acertamos uma mas gastamos dinheiro cumó caraças)"
In Anarca Constipado
24.4.06
UMA COISA

John: I got one thing, same as you.
House: Really? Apparently, you know me better than I know you.
John: I know that limp. I know the empty ring finger. And that obsessive nature of yours, that’s a big secret. You don’t risk jail and your career just to save somebody who doesn’t want to be saved unless you got something, anything, one thing. The reason normal people got wives and kids and hobbies, whatever. That’s because they don’t got that one thing that hits them that hard and that true. I got music, you got this. The thing you think about all the time, the thing that keeps you south of normal. Yeah, makes us great, makes us the best. All we miss out on is everything else. No woman waiting at home after work with the drink and the kiss, that ain’t gonna happen for us.
House: That’s why God made microwaves.
23.4.06
NÃO ACABEM COM ELE

A FESTA DO DR. MEGA
O "crítico" Henrique Silveira tem andado num frenesim na "Festa da Música" do dr. Mega. Este, o venerando dr. Mega, não perde uma oportunidade para aparecer nos telejornais, num daqueles "directos" normalmente a cargo de umas moças que julgam - e se calhar acertam - que estão na defunta feira popular e que perguntam aos incautos se gostam do "barroco" com o mesmo ar de quem pergunta se gostam de tremoços. A "Festa da Música" é uma espécie de circo musical que anualmente se oferece ao "povo" que, por regra, desdenha a música dita erudita. Os jornais e as televisões fazem disto um estardalhaço palonço como se a música dita clássica fosse uma extravagância. É o que dá num país onde não se educam as crianças para o bom gosto, onde não se promove e defende o património e onde não existem tradições cosmopolitas e sofisticadas. Qualquer pinderiquice é uma "festa". Até o "crítico", apesar de "ir a todas", reconhece:Onde é que ele julga que está? Em Bayreuth? Na ópera de Zurique ou no Lincoln Center de Nova Iorque? Habitue-se.
O "DR."
22.4.06
LER OS OUTROS
SE UM VIAJANTE NUMA TARDE DE CHUVA

A VELINHA
"Faz o que eu digo, não faças o que eu faço
Francisco Trigo de Abreu, in Mau Tempo no Canil
TAMBÉM EU
"Festa?
Na televisão à noite, na rádio de manhã, nos jornais por todo o lado. Estou farto da Festa da Música. País erudito uma vez por ano."João Morgado Fernandes, in french kissin'
ÚLTIMA OPORTUNIDADE
A "lei da paridade" - essa humilhação institucional e democrática das senhoras "políticas" feita com a sua anuência - não passou numa primeira votação na AR. O presidente do parlamento, como lhe competia, deu a lei como chumbada. De imediato a "maioria" estremeceu e, graças ao milagre do "quórum dinâmico" - um conceito a reter e de que iremos ouvir falar ao longo da legislatura - que incluiu o Bloco de Esquerda, a lei lá passou numa nova votação. No espaço de apenas uma semana, a maioria absoluta do PS deu sinais preocupantes da sua irresponsabilidade política e institucional. Não que eu defenda a dita lei, bem pelo contrário. O que eu defendo e tenho o direito a exigir, como cidadão que vota e paga impostos, é que os "meus" deputados cumpram os seus deveres mais elementares, independentemente das matérias em causa. Como se isto não bastasse, Manuel Alegre ergueu-se uma vez mais da sua irrelevância para "avisar", numa entrevista, que Cavaco não é o "comandante supremo do regime". Talvez estivesse na hora de Helena Roseta lhe explicar, numa intermitência de lucidez, que ele perdeu as eleições presidenciais e que o seu milhão de votos não vale absolutamente nada. E que, à medida que o tempo passa pelo regime de que Alegre se supôe subtil guardião, Cavaco Silva tenderá a ser cada vez mais uma referência incontornável. Como se disse e repetiu na campanha, o voto presidencial representava, de certo modo, uma última oportunidade. Cavaco pode já começar a explicar isso no discurso do 25 de Abril.21.4.06
EXEMPLARES
No momento em que escrevo, está a decorrer o período dentro do qual os deputados que faltaram à sessão de 12 de Abril último têm de apresentar as suas justificações. Nunca é de mais lembrar que, pelo meio da coisa, alguns desses deputados tinham previamente assinado o “livro de presenças” e que, depois, desapareceram no ar. Um deles foi essa singular figura "ética" e modelo de cidadania varonil que é Manuel Alegre. Lembro que existe na AR uma maioria absoluta de um partido que não pôde funcionar porque parte dos seus deputados se havia sumido. Do seu líder de bancada, o improvável Alberto Martins, não se ouviu um murmúrio. Do lado do PSD, o maior partido da oposição, dois terços dos seus representantes pura e simplesmente desapareceram. O chefe parlamentar passou a responsabilidade do ocorrido para os maioritários ao lado que tinham, segundo ele, a obrigação de garantir o quórum para as votações. Os dos restantes mini-partidos pesam pouco nesta pequena história de opereta, embora tivessem aparecido, do lado do PP, várias versões relativas ao ocaso súbito de deputados seus. Não houve cão nem gato que, muito legitimamente, deixasse de apontar o dedo à representação nacional. O regime, meio envergonhado, soltou as rédeas da moralidade política para fustigar, com moderação, os seus pares. Consta que na próxima terça-feira o Presidente da República também irá dar voz à sua preocupação pelos maus costumes democráticos. Como diria o dr. Salazar, está tudo muito bem assim e não podia ser de outra maneira. De facto, é suposto os deputados representarem o país que os elegeu, mesmo sem saber muito bem em quem é que está, em concreto, a votar. Isso tem como consequência imediata a irrelevância da maior parte dos ditos deputados, uma consequência, aliás, que eles levam muito a peito. A “casa da democracia”, como gostam de a apelidar, tem, afinal, telhados de vidro. Todavia não é nada que nos deva espantar. Em certo sentido, os nossos deputados até são exemplares. Eles são o que nós somos e nós somos o que eles são.(publicado no Independente)
"NÃO SE ESTÁ BEM EM LADO NENHUM


20.4.06
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"A Rede está a mudar tudo, a criar coisas novas, a realizar outras muito antigas que as tecnologias até agora existentes ainda não permitiam e a dar eficácia a velhos, e muitas vezes maus, hábitos que existiam no mundo exterior e agora passam para o mundo interior da Internet. Alguns casos recentes voltaram de novo a mostrar a Internet sob uma luz pouco amável, bem preconceituosa aliás, porque nada do que lá se faz se deixou de fazer cá fora. [...] A caixa de comentários tornou-se numa espécie de chat, que parasita a notoriedade do blogue, como já acontecera no Espectro com os seus finais 484 comentários, onde as pessoas se encontram numa pequeníssima “aldeia global”, que tomam como sua. O comportamento destas pessoas-em-linha é compulsivo, eles “habitam” nas caixas de comentários que são a sua casa. Deslocam-se de caixa para caixa de comentário, deixando centenas de frases, nos sítios mais díspares, revelando nalguns casos uma disponibilidade quase total para comentar, contracomentar, atacar, responder, mantendo séries enormes que obedecem [...] São, na sua esmagadora maioria, anónimos, mas o sistema de nick names permite o reconhecimento mútuo de blogue para blogue. Estão a meio caminho entre um nome que não desejam revelar e uma identidade pela qual desejam ser identificados. Querem e não querem ser reconhecidos. [...] Trocam entre si sinais de reconhecimento, cumprimentam-se, desejam-se boas férias, e formam minicomunidades que duram o tempo de uma caixa de comentários aberta e activa, o que normalmente dura pouco. Depois migram para outra, sempre numa tempestade de frases, expressando acordos e desacordos, simpatias e antipatias, quase sempre centrados na actividade de dizer mal de tudo e de todos. Imaginam-se como uma espécie de proletariado da Rede, garantes da total liberdade de expressão, igualitários absolutos, que consideram que as suas opiniões representam o “povo”, os “que não têm voz”, os deserdados da opinião, oprimidos pelos conhecidos, pelos célebres, pelos “sempre os mesmos”. São eles que dizem as “verdades”. Mas não há só o reflexo do populismo e da sua visão invejosa e mesquinha da sociedade e do poder, há também uma procura de atenção, uma pulsão psicológica para existir que se revela na parasitação dos blogues alheios. Muitos destes comentadores têm blogues próprios completamente desconhecidos, que tentam publicitar, e encontram nas caixas de comentários dos blogues mais conhecidos uma plataforma que lhes dá uma audiência que não conseguem ter. Não são bem Trolls, sabotadores intencionais, mas têm muitas das suas formas perturbadoras de comportamento. A sua chegada significa quase sempre uma profusão de comentários insultuosos e ofensivos que afastam da discussão todos os que ingenuamente pensam que a podem ter numa caixa de comentários aberta e sem moderação. Quando há um embrião de discussão, rapidamente morto pela chegada dos comentadores compulsivos, ela é quase sempre rudimentar, a preto e branco, fortemente personalizada e moralista: de um lado, os bons, os honestos, os dignos, do outra a ralé moral, os ladrões, os preguiçosos que vivem do trabalho alheio e dos impostos dos comentadores compulsivos, presume-se. O que lá se passa é o Faroeste da Rede: insultos, ataques pessoais, insinuações, injúrias, boatos, citações falsas e truncadas, denúncias, tudo constitui um caldo cultural que, em si, não é novo, porque assenta na tradição nacional de maledicência, tinha e tem assento nas mesas de café, mas a que a Rede dá a impunidade do anonimato e uma dimensão e amplificação universal. O que é que gera esta gente, em que mundo perverso, ácido, infeliz, ressentido, vivem? O mesmo que alimenta a enorme inveja social em que assentam as nossas sociedades desiguais (por todo o lado existe este tipo de comentadores), agravada pela escassez particular da nossa. Essa escassez não é principalmente material, embora também seja o resultado de muitas expectativas frustradas de vida, mas é acima de tudo simbólica. Numa sociedade que produz uma pulsão para a mediatização de tudo, para a espectacularização da identidade, para os “15 minutos de fama” e depois deixa no anonimato e na sombra os proletários da fama e da influência, os génios incompreendidos, os justiceiros anónimos, o “povo” das caixas de comentários, não é de admirar que se esteja em plena luta de classes."
Adenda: Afinal, o texto pode ser lido na íntegra no Abrupto onde JPP já o colocou.
A POLÍTICA CANSA
A tentação de faltar ao trabalho político está na moda. Segundo o Público, Manuel Maria Carrilho, por sinal um dos deputados mais faltosos, abandonou o plenário da vereação da Câmara Municipal de Lisboa num momento crucial para votar uma proposta que interessava a umas centenas de trabalhadores do município. A sua ausência provocou o chumbo da dita proposta, graças ao voto de qualidade do presidente, uma vez que Maria José Nogueira Pinto votou ao lado da "esquerda". Carrilho há muito que não escreve nenhum livro ou artigo de filosofia. Os seus últimos tempos, como político, têm sido desastrosos e quase só se safa como "o marido de Bárbara Guimarães". É pena e, para quem o apoiou noutras ocasiões, uma desilusão. Pelos vistos, a política cansa. Pode-se ir embora.19.4.06
A RAZÃO DE RATZINGER
Passa hoje o primeiro ano do pontificado de Bento XVI. Dir-me-ão que falo demais deste Papa. É bem provável. Gosto de pouca gente e desconfio da natureza humana, como Ratzinger. Talvez por isso o convoque a este blogue tantas vezes. Quando Ratzinger foi escolhido, os "comentários" então produzidos raramente ultrapassaram o patamar da vulgaridade, como se pôde ver num documentário apresentado há pouco pela RTP. Reduzir Ratzinger ao papel de "grande inquisidor" ou a líder espiritual ultra-conservador é uma graçola medíocre e uma leviandade intelectual. Este primeiro ano de pontificado revelou um Papa fiel à tradição da Igreja, seguro nos seus fundamentos e, por consequência, tranquilo no seu diálogo com o mundo "moderno". A encíclica "Deus Caritas Est" é, em letra de forma, a tradução desse propósito. Ratzinger vem em nome da reconciliação da Igreja com o seu próprio "mundo" e com o mundo, não tanto na concepção cosmopolita e "globalizadora" de João Paulo II, mas mediante uma bem madura e pensada estratégia de "pequenos passos". Na homilia que antecedeu o conclave que o elegeu como Sumo Pontífice, Ratzinger afirmou que "estamos a avançar para uma ditadura de relativismo que não reconhece nada como certo e que tem como objectivo central o próprio ego e os próprios desejos". Exigiu uma fé "mais madura" e um combate sem tréguas ao "radicalismo individual" que nos faz "ser criança andando ao sabor de ventos das várias correntes e das várias ideologias". A um ano de distância, nunca Ratzinger teve tanta razão. O QUE MERECEMOS
PEP
A CONTINUIDADE FUNESTA
"A insónia remete-nos para fora do espaço dos vivos, para fora da humanidade. Somos excluídos. Afinal, o que é a insónia? Às oito horas da manhã estamos exactamente no mesmo ponto em que estávamos às oito horas da noite. Não há nenhum progresso. Não há mais do que essa imensa noite que ali está. E a vida só é possível através da descontinuidade que o sono proporciona. O desaparecimento do sono cria uma espécie de continuidade funesta."Cioran
BLANCHOT
18.4.06
FACTO, NORMA, VALOR





