
Li num blogue de um nostálgico da Rua da Sofia que o governo não tem o "respaldo dos intelectuais". Para a criatura, o imprimatur tremido ou nulo de determinadas eminências do PSD é uma fraqueza lamentável que se traduz, precisamente, na ausência do dito "respaldo". Esta tese assenta num equívoco antigo. Para não irmos mais longe, começou com a emergência do "camponês de Boliqueime" - o "tipo" ou o "gajo" na versão socialista, laica, republicana e ternurenta do dr. Soares - que nunca passou no "crivo" de algumas "elites" do regime, quase todas invariavelmente filhas espúrias da "extremo-esquerdice" que atacou muito filho da média e grande burguesias a partir, sobretudo, dos anos 60. A sobranceria esquerdina propriamente dita teve o seu apogeu naquele inesquecível friso de perninhas a dar a dar, sentadas no muro da cidade universitária de Lisboa em 1962, do qual brotou, por exemplo, o sempre extraordinário Jorge Sampaio. Sá Carneiro, aliás, foi logo desprezado em 1975, no congresso de Aveiro, pelos mesmos que, pelo caminho, se aliaram ao PS ou ficaram pelo então PPD a ressumar ser de "esquerda" ou de "esperanças" velhas ou novas, acabando todos por se diluir na mesma e uma amálgama mediática. De facto, o regime, graças às televisões, deu visibilidade a esta vastíssima parafernália de "intelectuais", reais ou fraudulentos. E eles passaram a ditar as regras da "selecção natural" e a passar "atestados". Salvo raras excepções, quando alguns desses "intelectuais" foram a votos, o desastre surpreendeu-os invariavelmente. Em trinta e muitos anos de regime, tivemos - e temos - "intelectuais" para todos os gostos e feitios. Tal como temos políticos que ganharam eleições apesar de muitos desses "intelectuais" os fadarem à desgraça e à humilhação. Foi assim com Sá Carneiro em 75 e 79, com Soares em 75, 83 e 86, com Eanes em 80, com Cavaco anos a fio, com Sócrates em 2009 ou com Passos em Junho último. As elites deste regime são uma coisa que passa pelos rodapés das televisões e pouco mais. Como "respaldo", chega e sobra.