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19.12.10

GENET OU CANTO FÚNEBRE DO AMOR


No suplemento "cultural" do Expresso, em língua brasileira, um cronista recorda os cem anos do nascimento de Jean Genet, a 19 de Dezembro de 1910. O autor de Diário de um ladrão teve uma vida complicada que os seus livros - quase todos autobiográficos, mesmo os versos - retratam cruelmente. Genet não se poupou no "realismo" das metáforas literárias e acabou produzindo das mais poderosas páginas da literatura francesa do século XX. Apesar de "maldito", marginal e "escandaloso", foi publicado pela prestigiada Gallimard/NRF, tendo Jean-Paul Sartre "apadrinhado" a edição das suas obras completas com o monumental e famoso "prefácio", Saint Genet, Comédien et Martyr, das melhores coisas que jamais escreveria até sobre si próprio. Nos anos setenta, dedicou-se a causas que parvamente se chamam agora de "fracturantes", nos EUA, em França e noutros sítios, como os "Panteras Negras" ou a "causa palestiniana" talvez atraído, dizem os que receiam nomeá-la, pela beleza física dos negros e dos árabes. No segundo volume das memórias do escritor espanhol Juan Goytisolo (En los reinos de Taifa) há umas quantas páginas dedicadas a Jean Genet que vale a pena ler, bem como a biografia de Edmund White (Genet, a biography), a única coisa de jeito que deu à estampa. Ao contrário de Rimbaud, Genet, par delicatesse, não "perdeu a vida". Pelo contrário, era um verdadeiro "condenado à morte", título de poesia sua, porventura uma intuição certeira para o que são, de facto, poetas e escritores. Didier Eribon escreveu, a meu ver, o melhor ensaio possível sobre Genet para os dias de hoje (Une morale du minoritaire - variations sur um thème de Jean Genet, de 2001) em que uma hagiografia literata gay - as mais das vezes cretina, analfabeta e maricas - domina, contaminando os chamados estudos universitários de "género" em boa hora desmontados pela insuspeita Camille Paglia. Genet provavelmente tê-los-ia desprezado como eles merecem porque foi sempre da crueldade - afectiva e sexual - que falou e não de uma qualquer pretensa beatitude associada ao "amor", um "sentimento" que não existe a não ser na mariquice desses literatos, independentemente do mais ou menos hetero ou homo que são ou julgam ser. Talvez, aliás, Pompas Fúnebres seja o verdadeiro nome do amor, o Canto dele de Genet.

Foto: Richard Avedon

9.12.10

A REPRESENTAÇÃO FALACIOSA DA VIDA



«Seríamos piores do que somos sem os bons livros que lemos, mais conformistas, menos inquietos e insubmissos e o espírito crítico, motor do progresso, nem sequer existiria. Tal como escrever, ler equivale a protestar contra as insuficiências da vida. Quem procura na ficção aquilo que não possui, afirma, sem necessidade de o afirmar ou sequer de o saber, que a vida tal como é não chega para preencher a nossa sede de absoluto, fundamento da condição humana que deveria ser melhor do que aquilo que é. Inventamos as ficções para podermos viver de alguma forma as muitas vidas que gostaríamos de ter tido quando apenas dispomos de uma (...). A literatura cria uma fraternidade na diversidade humana e elimina as fronteiras que a ignorância, as ideologias, as religiões, os idiomas e a estupidez criam entre homens e mulheres (...). A literatura é uma representação falaciosa da vida que, todavia, nos ajuda a entendê-la melhor, a orientarmo-nos através do labirinto em que nascemos, percorremos e no qual morremos. Ela redime-nos dos reveses e das frustrações que nos inflige a verdadeira vida e, graças a ela, conseguimos decifrar, pelo menos parcialmente, o hieróglifo que costuma ser a existência para a maioria dos seres humanos, principalmente para aqueles de nós que alimentamos mais dúvidas do que certezas e que confessamos a nossa perplexidade perante temas como a transcendência, o destino individual e colectivo, a alma, o sentido ou o sem sentido da história, o que está aquém ou para além do conhecimento racional.»

Vargas Llosa, Estocolmo,
7.12.10

29.7.10

GRANDES ENTREVISTAS






Agora que está na moda apresentar "grandes entrevistas" diárias com a pequenina gente caseira - e quase sempre a mesma gente basbaque, por sinal - atente-se na sagacidade irónica deste extraordinário escritor. Para quem confunde escritores com palermas que se imaginam escritores, a altíssima exigência intelectual de Céline não serve. É, tipicamente, outra coisa.

14.7.10

O ÓDIO À IMAGINAÇÃO



O analfabetismo literário traduzido neste post é revelador dos lugares-comuns que vagueiam na cabeça de muito pobre monárquico português. Donatien Alphonse François, mais conhecido por Marquês de Sade, passou a maior parte da vida atrás de grades, vítima da inveja do costume, de inimigos pessoais e de ódios políticos. "Morou" anos a fio na Bastilha, onde, aliás, se encontrava encarcerado (e não "enjaulado" como sugere o subtil autor do post) na data que hoje se comemora em França. Dias antes do "prec" local invadir a prisão, Donatien lançou da janela da Bastilha uns panfletos escritos à mão onde descrevia as degradantes condições a que estava sujeito. Depois dirigiu-se à multidão recorrendo a uma espécie de megafone artesanal. Após ter sido solto, escolheram-no como "presidente" da respectiva "junta de freguesia", dando início a uma campanha anti-religiosa que ajudou a radicalizar a Revolução. Todavia, opôs-se ao "Terror". Quando os seus sogros, responsáveis por muitos dos anos que passou na prisão, foram condenados à morte como contra-revolucionários, Donatien impediu a sua execução. Esta fraqueza custou-lhe, de novo, a liberdade. A jacobinagem mais boçal prendeu-o - era um perigoso "moderado" - e condenou-o à pena máxima. Esperou um ano pela guilhotina. Entretanto acabou libertado com o fim do "Terror" e, daí em diante, viveu na mais horrível das pobrezas. Quando veio Napoleão, Sade não resistiu a escrever uma sátira sobre o corso. Novo azar. Foi condenado a passar o resto da vida num asilo para doentes mentais. D. A. F. de Sade é um grande escritor em qualquer parte ou tempo do mundo. Tout le bonheur des hommes est dans l'imagination, dizia. Tudo o que a maior parte das pessoas, tipicamente, não tem.

TENTATIVA E ERRO


«Getting people right is not what living is all about anyway. It's getting them wrong that is living, getting them wrong and wrong and wrong and then, on careful reconsideration, getting them wrong again. That's how we know we're alive: we're wrong. Maybe the best thing would be to forget being right or wrong about people and just go along for the ride. But if you can do that - well, lucky you.»

Philip Roth, American Pastoral (via Rui Passos Rocha, A Douta Ignorância)

20.6.10

QUEM PODE ADIVINHAR A ETERNIDADE?


«Somos fracos juízes do nosso tempo, sobretudo quando pretendemos adivinhar a eternidade no pedaço de história em que nos coube viver. (...) No início do século XXI, o panorama literário de Portugal é dominado por duas figuras quase intangíveis, tão longe se estende o seu prestígio nacional e internacional. José Saramago e António Lobo Antunes são as incontestadas eminências das nossas letras contemporâneas, os autores mais vendidos, os mais autopsiados pela academia, os mais consagrados pela crítica. Não se vê ninguém que lhes denigra o mérito nem alguém que lhes pise o manto da preponderância.»

José Navarro de Andrade, É tudo gente morta

19.6.10

O QUE VALE...

Um prémio Nobel da literatura? E «o que unirá estes (...) escritores? Leo Tolstoy; Fernando Pessoa; Jorge Luís Borges; [Thomas Mann]; Marguerite Duras; James Joyce; Iris Murdoch; Salman Rushdie; Ian McEwan; Jorge Amado; Rafael Alberti; Mario Vargas Llosa; Andrè Malraux; Marcel Proust; Ezra Pound; Vladimir Nabokov; August Strindberg; Henrik Ibsen; Émile Zola; Mark Twain; Anton Chekhov; Eugène Ionesco. Nenhum deles conseguiu ganhar o Prémio Nobel.»

27.12.09

LITERATURA, MARTELADAS E ESTADOS DE SER


O Paulo Querido fez um comentário oportuno a este post. Sobretudo porque, ao contrário do que é costume em comentários, o Paulo defende a noção de "conversa" como participação numa conversa mais vasta que são as possibilidades de conhecimento. Vê-se que o Paulo leu o Thomas Kuhn. Todavia, mantenho que deve distinguir-se entretenimento de literatura o que não quer dizer que não possa haver muito do primeiro na segunda. O que sustento é que uma literatura que não passe de entretenimento não é literatura. Porquê? Recorro a uma das mais (para mim) emblemáticas "definições" de literatura que conheço, a de Vladimir Nabokov no posfácio a Lolita. «Quanto a mim, uma obra de ficção só existe se me consegue proporcionar aquilo a que chamo sem rodeios o gozo estético, isto é, uma sensação de estar, de certo modo e algures, ligado a outros estados de ser em que a arte (curiosidade, ternura, generosidade, êxtase) é a norma. Não há muitos livros desses. Tudo o mais é um acervo de lugares-comuns ou aquilo a que alguns chamam "literatura de ideias", a qual não passa muitas vezes de um acervo de lugares-comuns em enormes blocos de gesso, cuidadosamente transmitidos de século para século, até que aparece alguém com um martelo e dá uma boa martelada a Balzac, a Gorki ou a Mann.» Gozo estético e ligação por cima de coisas como presente, passado e futuro a "outros estados de ser" é que permitem falar, por exemplo, em literatura e em sabedoria, um termo recorrente no crítico Harold Bloom para os "autores fortes". Nada disto acontece com aquilo a que apelido de subliteratura que, se lida em demasia, causa obstipações irritantes e danos permanentes. Por mais que eu "leia" (não leio) Rodrigues dos Santos, Sparks, Nora Roberts, Rebelo Pinto ou uma senhora com um nome italiano que é muito "lançada" por cá, etc., etc., não só não me entretenho - para isso busco "policiais" - como nenhum daqueles objectos me permite encontrar com outros estados de ser que usam a mesma linguagem que eu uso mas que, ao contrário do que eu digo ou escrevo, provocam um gozo estético a que, à falta de melhor, chamamos literatura. Os "temas" destes objectos citados constituem uma pífia "literatura de ideias" e um amontoado de lugares-comuns que não resistem nesse confronto com outros estados de ser porque não pressupõem quaisquer estados de ser especiais para serem lidos. Limitam-se a borboletear com as palavras e com aqueles que as compram em blocos de gesso. Nem para a colecção de lepidópteros de Nabokov serviriam. Uma boa martelada nesses blocos de gesso e não se perde, de facto, nada.

11.10.09

REFERÊNCIAS, RESISTÊNCIAS


«We are offered things or truths. What we have lost is persons.» (Iris Murdoch, The Sublime and the beautiful revisited). Murdoch referia-se à literatura. Eu refiro-me a tudo. É essa a vantagem da literatura. Refere-se a tudo. Até breve.

19.9.09

DA FUNDAÇÃO


Há dias, numa recensão de jornal, disse-se que Oscar Wilde "fundou a literatura gay" quando escreveu De Profundis. Li essa nobre "carta" há mais de vinte anos. E fui relê-la, de propósito, por causa do suposto acto "fundador". Com o devido respeito, não existe uma "literatura gay". Existe ou não existe literatura, isto é, o bom ou o mau uso que determinadas pessoas fazem das palavras redundando o bom uso dela em literatura. O Banquete, do inefável Platão, nesse sentido não teria "fundado" menos a "literatura gay" do que a extraordinária carta de Wilde escrita a partir da prisão. Só porque é dirigida ao amante cujo pai "denunciou" (para usar a maravilhosa ideia de "delação" de Mário Crespo) o autor à polícia, "funda" um género? Não funda. Mais. Aquilo a que, ultimamente, em nome dos costumes mundialmente ditos fracturantes se tem vindo a chamar de "literatura gay" é, salvo minúsculas excepções, pura subliteratura. Um bom texto não se define por uma preferência sexual determinada do autor nem esta preferência define necessariamente um bom texto. Bibliotecas inteiras - de prosa, poesia, ensaio, teatro, whatever - estão aí para o demonstrar. De Profundis é um dos melhores escritos de Wilde mas não "funda" coisa alguma. É uma longa meditação sobre a vida, a arte, a religião, os homens, a sociedade, etc, etc. a pretexto de uma situação concreta da existência do autor e do destinatário da carta. Wilde estava a escrever mais para a sua posteridade (mesmo que ela não existisse nunca) do que a Bosie, o pobre pusilânime de serviço que ele amou, com uma carinha laroca e pretensões poéticas. Às tantas, referindo-se a Jesus, Wilde afirma que Cristo «would not hear of life being sacrificed to any system of thought or morals» e que «he pointed out that forms and ceremonies were made for man, not man for forms and ceremonies.» O mesmo se pode dizer da verdadeira literatura. Para quê enfiá-la num armário quando é dele que se está sempre a querer sair?

14.9.09

PONGE


O INSIGNIFICANTE

«O que há de mais atractivo que o azul, a não ser uma nuvem, na dócil claridade?
Por isso prefiro ao silêncio uma teoria qualquer e, mais ainda, a uma página branca um escrito quando passa por insignificante.
É todo exercício meu e meu suspiro higiénico.»

10.9.09

DA POESIA E DOS SEUS ALGOZES


É doloroso ouvir alguém que não faz a mínima ideia do que seja um poema falar de poesia. Doloroso, naturalmente, por causa da poesia. "Gente estúpida sem fim" (Joaquim Manuel Magalhães) é o que está razoavelmente melhor distribuído por aí.

(clique na foto para ler o poema manuscrito de Eugénio de Andrade "retirado" do Ephemera)

23.6.09

COMO VOCÊS O IMAGINAM

Ao Foucault. Não se esqueçam do desafio. Os leitores a sério. Não os farsantes. A vida não é só (ou sobretudo) os videirinhos que enchem os posts do Portugal dos Pequeninos. Blanchot escrevia - dele? de Foucault? de nós? - que «ninguém gosta de se reconhecer, estranho, num espelho onde não distingue o seu duplo, mas aquele que gostaria de ter sido.»

5.6.08

VIDAL, COLHEITA FORA DO MERCADO

Não há cá disto. Só plumas e lantejoulas caprichosas, muitas delas indecisas sobre o que verdadeiramente são. Na cultura, na política, na sociedade "civil", no jornalismo, na vida. I just played the game harder.

1.11.07

E AINDA ANDAM COM ELES AO COLO

«... órgão que tinha Pepetela — sim, o escritor que em 1997 recebeu o Prémio Camões — como «inquiridor principal», muito temido pelo seu «registo particularmente agressivo». A Comissão das Lágrimas era a antecâmara da purga. Além de Pepetela, outros dois escritores angolanos foram seus inquiridores: Luandino Vieira, Prémio Camões em 2006, “distinção” que recusou; e Manuel Rui, que ainda não recebeu o Prémio Camões, mas foi, entre outras coisas, ministro da Informação (dispenso-me de explicar o conteúdo do cargo).»

in Da Literatura

7.7.07

DOS LIVROS - 1



O João Távora - e não apenas ele, dá-me ideia que é uma coisa em forma de "cadeia" - pede-me livros. É tema sério - dos poucos que eu levo a sério - e serve para uma longa conversa a que tenciono dar lastro, na próxima semana, a partir do Vau. Ao contrário de mim, o veraneante Mário Soares, que já lá anda, tenciona regressar a Lisboa no dia 15 ou antes para votar. "É um dever cívico", foi o cliché que ele arrancou quando o abordei no lançamento deste livro e lhe afirmei que me estava nas tintas para o evento municipal. Pois é. Leio a Zita Seabra, por todos os motivos e mais um. Tempero com livros sobre filosofia e história que me permitem continuar, como Hemingway, com "grace under pressure". Para já, dois. Um "Guia de filosofia para pessoas inteligentes", de Roger Scruton (Guerra & Paz), e "As putas do Diabo", de Arnelle Le Bras-Chopard (Círculo de Leitores e Temas & Debates). Todavia, a mala do carro leva outras coisas de que se falará oportunamente. Até, imagine-se, livros de direito. E não perco, claro, a leitura semanal dos fascículos das memórias de José Hermano Saraiva, editadas pelo Sol. Agora tu, Francisco, conta lá o que é que levas para ler no Sal.

3.7.07

O ESTADO DE GLÓRIA


Giorgio Agamben esteve em Serralves. É um excelente exemplo de como pode existir "mais vida" na vida de um licenciado em direito, designadamente, a felicidade de ter sido aluno/ouvinte do derradeiro Martin Heidegger. Quando era para vir, não veio e agora não pude ir ao Porto. Li, no entanto, uma pequena e esquecível entrevista sua no Público. Agamben, nos livros - nos que li - é bastante melhor do que naquelas linhas reducionistas e anti-americanas a que a entrevistadora o conduziu. Talvez outro jornal tivesse podido pegar no homem como devia ser, apesar do registo genericamente "esquerdino". Ignoro. Já quando Sloterdijk passou por lá, em Maio, também não me apercebi de nenhum interesse especial de quem quer que fosse em o ouvir. Voltando aos livros de Agamben, há, na Cotovia, uma coisa sua encantadora - Ideia da Prosa - e outra, traduzida mais recentemente, Profanações, que pode ser visto como um bom "sumário" do pensamento deste italiano original. Pode ser que, entretanto, surja a tradução de Il tempo che resta-un commento alla Lettera ai Romani, o resumo de uma série de seminários do autor em torno das dez primeiras palavras da "Epístola aos Romanos". Da dita entrevista, ficaram-me estas frases, muito a propósito do que por aí se passa e a que só meia dúzia de lunáticos presta a devida atenção. "Uma das coisas mais difíceis que existe é ser contemporâneo. Para estar em contacto com o presente - ou tentar estar - é preciso remover uma série de camadas opacas. É muito mais fácil compreender por que é que temos um primeiro-ministro seguido de uma série de ministros quando vejo a organização dos anjos na burocracia divina. Quer isto dizer que o estado a que chamamos laico tem as suas raízes na teologia. As coisas moveram-se, a ideia de glorificação ficou nas mãos dos media. Mas a função da glória está lá, nos telejornais e nas revistas, quando nomeamos os líderes. Ser nomeado nos media é hoje o estado de glória."