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19.7.11

AULAS DE POESIA


Duas.

29.6.11

FALAR DE COISAS VEROSÍMEIS


«Falamos de coisas verosímeis. Apenas do real. Há intervalos curtos de silêncio. Penso na sua poesia ultimamente tão lapidada, tão expurgada do que não é essencial. Gosto da intensidade com que faz existir o invisível.»

Lourdes Féria, With Bubbles

6.3.10

DEPOIS DO NEVOEIRO


Há na Cecílio de Sousa, em Lisboa, no nº 11, uma livraria de poesia. Maioritariamente de poesia. Chama-se Poesia Incompleta. Coisas difíceis de encontrar podem estar - ou vir a estar - lá. Há muitos anos, aquele nº 11 era um extraordinário e acolhedor restaurante alentejano onde, nos meus melhores tempos, tantas vezes jantei em tão, à altura, boas companhias. As pessoas tipicamente não são como as palavras na poesia. Às tantas não adianta regressar a elas "outra vez e outra vez e outra vez". Pessoas, e os lugares onde elas costumavam estar (e nós com elas, felizes, com a tola certeza de que aquilo era sem fim) deixaram de lá estar. O livro da foto exclui toda a poesia anterior do seu autor - lê-se numa nota final - salvo a que ali ficou. Joaquim Manuel Magalhães decidiu não mais regressar a tantos e tantos versos dos mais marcantes da poesia portuguesa contemporânea. Como leitor deles há mais de vinte e cinco anos, só posso lamentar. Por isso, a Um Toldo Vermelho terei de voltar, um dia, como nestas linhas de Eugénio de Andrade, depois do nevoeiro:


Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.

14.1.10

UM POEMA


Páramo

Na varanda sem paz eu vejo o mar
mas já não vejo junto desses olhos
que viam o mar amordaçar-me.
A varanda, todavia, ainda traz
na ondulação, nas maresias
a ilusão de um silêncio
em que tu pretendias: aqui,
nesta lei tão dura, senti
que nada mais terei do que ser de ti.
A varanda continua a sua conjura,
eu continuo o desgaste do mar
só que noutra jura a tua vida dura
e até o mar te deixou de esperar.

O vário vento que vem e que voa
sobre argolas com vasos de gerânios
que tombam vagarosos e rosas
sobre ruas ruidosas de Lisboa
toca ao de leve no copo por que bebo
esquecido e sozinho ali
onde dantes vinhas com o maior apego
ouvir ao fim da tarde eu olhar para ti.

Ao alto dessas ruas que Lisboa já não tem
havia um andar quase arruinado
com o estilhaço, a cólera, o fermento
de quem se resignava também
a que não valesse a pena nada.
No vagar desse desmoronamento
essa ruína foi tua e foi minha,
o seu reboco de cal, a pele refém,
a cisterna petrificada.
Amávamo-nos entre eléctricos que passavam
do nascer do dia até ao nascer do dia.

Não há nada que se peça que nos seja dado
mesmo quando gritamos alto por perdão.
Merecemos tudo o que ficou fragmentado
no pensamento que não sabe inebriar-se
quando os sentidos perderam o condão.

Essas ruas de Lisboa que findaram
como findaram os dedos que prenderam
o bordão de ternura
que tantos outros nos cortaram.

Tal qual o prédio caímos
e apenas o pó
desenha entre o que nem persigo
um resto que sabe que está só
porque nenhuma solidão vem ter consigo.



Joaquim Manuel Magalhães, Alta Noite em Alta Fraga
Lisboa, Relógio d'Água, 2001


28.9.09

LAMINAGEM


(...)
Um país; tornou-se um assassino.
Viverei os poucos verões até morrer
com este mundo de agressão em cerco.
Eu queria outro país, outro lugar
e tenho este infortúnio de leis amarrotadas
que não cumprem nem o violento nem o clandestino.
Um país de acasos,
um parque de campismo selvagem, um cimento apodrecido,
a música de sem abrigos nas estações de metro
enquanto não chegam comboios avariados
às plataformas de arte depredada,
um esboroamento sanguinário.
Até a linguagem me ergueu
me sabe a sarro e a arrabalde.

Não fossem as obrigações que nos garrotam
nos fazem monstros com a lassidão de herbívoros
talvez pudesse ter o interior abandonado
e chegasse a faca do sol e me cortasse
noutra penúria mais serena.

Ainda que me digam que não olhe,
eu vejo. Ainda que me digam faz ginástica
e a depressão desaparece, nada me resolve.
Os ruídos sobem de qualquer lugar,
sintetizadores, martelos, desabamentos
uma percussão alheia a qualquer justiça.
Nenhuma janela que não fale
da construção administrativa dos piores instintos.
Todo o lixo do humano feito sebo
em qualquer lugar. Ainda que me digam
que vivemos em democracia eu digo
que não sei. Nem direitos nem deveres.
Um sem remédio ancestral.

(...)

A alguns vemo-los em qualquer pousio
depois de fecharem as lojas
e nem se sabe o que vemos.
Aos balcões de cafés de azulejo,
com telemóveis pendurados nos cintos
e os cartões de crédito em dente na carteira.
Riem-se e batem nas costas
uns dos outros, entreolham e vigiam
se alguém diverso se aproxima
para largarem uma troça arcaica, e comem
com essa fome dos que não sofreram ainda
inquietações laborais ou crêem que virá
depressa o primeiro emprego.
Ao olhá-los melhor, aos seus afectos
de pessoal especializado em escuras economias
adicionais, vejo-os depois no verão.
Ao deus dará em todos os lugares,
em tendas velhas, em rulotes,
sabe-se lá onde vão cagar. E as mulheres
com os sinais exteriores da aspereza.
E as asas do inverno marítimo
auguram aluimento.

Eu queria que na cabeça parasse
o furor de tudo o que tomba,
a derrota do dia a dia,
mas será sempre o cabide do tempo
quem estende as garras
para nos alhear.
E os e-mail atravessam zonas sem remendo,
choças de tijolo com roupas a secar.

Assim armado o país.
As gentes em catástrofe deslocam-se,
deixam por testemunho o abandono e a inépcia.
Uma a uma, uma paisagem é trucidada.
Inchou a autarquias o país.
Atravessam-no a miséria e algum dinheiro
insolentes.
Um assassino
espreita outro assassino.

Os que destroem agora
podem exigir os torcionários que virão,
pois quem destrói pressente um chefe
e vai servi-lo.
E muitos hão-de sempre ser as vítimas
da liberdade que consente a violência
da violência que não consente a liberdade.
Um assassino o país. Com as suas leis
inúteis, a sua ordem por cumprir.

Só nos resta esperar então morrer?


Joaquim Manuel Magalhães

20.9.09

NÃO SEI

Eu queria outro país, outro lugar
Ainda que me digam
que vivemos em democracia eu digo
que não sei.

Joaquim Manuel Magalhães

2.7.09

«O MUNDO VAI MORRER NESTE POEMA»


Ao rapaz que dorme
surge o corpo do amor.
O que destrói.
Pedras sem adeus.

Sobre o dia do seu coração
cai a tribo do crepúsculo.
Crescem os braseiros,
os sarros, os saques.

Queres que viva e evite a vida?
Ame e evite amar-te?

Os olhos dizem-lhe que não.
O fatigado alarme do corpo
ergue-se noutra chama.

O mundo vai morrer neste poema.


Joaquim Manuel Magalhães, Segredos, Sebes, Aluviões, 1985

Foto: "Peter Getting Out of Nick's Pool", David Hockney

17.3.09

JOAQUIM


Encontrei no "metro" o poeta e professor universitário Joaquim Manuel Magalhães, um conhecimento com cerca de vinte e cinco anos. Se eu tivesse de escolher um poeta português contemporâneo e alguém que soubesse falar de poesia e da sociedade portuguesa tal qual elas são, escolheria sempre o Joaquim. Infelizmente, o suplemento "cultural" do Expresso correu com o Joaquim e com as suas crónicas "Algumas Palavras". Manteve, porém, outros cronistas que, semanalmente, nos brindam com derrames pessoais que ficariam bem num "diário" mas que são dispensáveis num objecto como aquele suplemento. Isto apesar de ganharem prémios. É evidente que o Joaquim é incómodo. Na poesia e na vida. Nunca foi cortesão e não acompanha a mundanidade pequenina em que circulam geralmente os nossos "cromos" ditos "culturais". Fiquei a saber que voltou a "resumir" a sua poesia - o que dela pretende preservar - num livro a sair em breve. Se não o conhecem, aproveitem. É dele a epígrafe deste blogue. «Eu queria outro país, outro lugar/(...) Ainda que me digam/que vivemos em democracia eu digo/que não sei.» Destes já não se fabricam.

10.2.09

GOSTOS


Estive a folhear um calhamaço do "never ending" Vasco Graça Moura intitulado "366 poemas que falam de amor" ou coisa parecida. Fui ao "índice de poetas" e encontrei lá nomes pátrios que nem sequer sabia que existiam, quanto mais que eram "poetas". É claro que a escolha dos poemas é da responsabilidade do também vate Moura. Mas é extraordinário que, por exemplo, lá estejam um tal de Lemos (?), o inevitável Mexia ou a sra. D. Adélia Prado e se exclua - quando a sua poesia não "fala" de outra coisa senão do amor ou, mais exactamente, da sua rasura - Joaquim Manuel Magalhães. Gostos.