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9.2.07

DEDICADO ÀS MULHERES -3


"Na realidade, era eu quem me sentia abandonada. Com um filho na barriga. Foi em Julho de 1940. Comparado com a ruína, o armistício, o desmoronamento do país, o acontecimento era insignificante. Mas como diz Henri Michaux, "aquele que tem um pico no olho não quer saber do futuro da marinha britânica". Era uma estaca que eu tinha no meu olho. Dias estranhos sob um sol insolente. Além disso, também sofria pela França. Sofria com tudo. Com o meu corpo, onde crescia um corpo estranho que me causava horror. Com a minha cabeça, onde me condenava pela minha irreflexão, eu que me considerava invulnerável. Com o meu orgulho: pois iria ser mãe solteira, como se diz agora; seria alvo de reprovação... Demasiado jovem para conhecer o desejo por uma criança - e a criança era eu -, sobretudo nessas circunstâncias, só uma ideia me veio à cabeça: livrar-me dela. Mas já a ordem moral apontava um dedo, todas as fileiras do aborto estavam barradas. Para reconforto, tive de passar pela lição de moral de um grande médico de Clermont quando, solteira e sem recursos, lhe supliquei ajuda... A crer nele, o meu mau comportamento era responsável pelos infortúnios que se abatiam sobre a França. Tentei de tudo, os piores truques caseiros, as agulhas para tricotar, a água com sabão e o resto - em vão. E quando esse pobre girino violeta surgiu entre as minhas pernas odiei-o, um ódio ingénuo. Que Deus proteja as crianças cuja mãe chora o seu nascimento. Elas sabem disso e ficam marcadas para sempre. Alain sabia-o por intuição certa e nunca me perdoou esta rejeição primitiva. Passámos vinte e cinco anos a magoar-nos um ao outro. No início, não o amei. Depois, amei-o demais, protegi-o demasiado. Fiz tudo errado. Uma má mãe (...) Enterrar o próprio filho é uma experiência desumana. São os vossos filhos que têm de fechar os vossos olhos. De todas as experiências da minha vida, que foi fértil, foi aquela de onde emergi com mais sofrimento, moendo e remoendo a minha culpa."

Françoise Giroud, Artur ou a Felicidade de Viver, Edit. Inquérito, 2000

8.2.07

DEDICADO ÀS MULHERES -2


Não possuo o instinto da maternidade - impossível - nem o da paternidade: não quero, não gosto. Jamais serei pai ou avô. Irrita-me o "criancismo" da mesma maneira que gosto de crianças desde que não me apareçam à frente nos restaurantes. Incomodou-me a manipulação das ditas nesta "campanha" porque estão em causa vidas por vir ou por não vir, e não crianças, justamente as que berram e esperneiam nos restaurantes. Françoise Giroud teve três filhos. O primeiro não foi, como se costuma dizer, "desejado". É sobre essa dor inicial e, depois, final com a morte de Alain aos vinte e cinco anos que Giroud escreve nas primeiras páginas de Artur ou a Felicidade de Viver. Era a França de Julho de 1940, em plena guerra. Françoise Giroud foi, em todos os sentidos, um ser humano exemplar que, por acaso genético, saiu mulher. Feminista sem ser sexista, Giroud acedeu a lugares no jornalismo e na política à conta de um combate de toda uma vida justamente por ser um ser humano superior. Atentai, pois, nas palavras insuspeitas desta mulher de oitenta anos, oh hiper-emancipadas de pacotilha sempre à beira de uma ataque de nervos e sempre dispostas a surpreender misoginia em qualquer canto. Estou farto de desdentadas mentais, venham elas de onde vierem, usem elas Chanel 5 ou cheirem mal do sovaco, morem num condomínio fechado ou numa barraca.

DEDICADO ÀS MULHERES -1


Esta "campanha alegre" que agora termina teve de tudo. Jantaradas, comícios, troca de mimos, cartazes berrantes e aberrantes, histéricos, doidas e doidos, meia dúzia de sensatos, Marcelo Rebelo de Sousa e um padre Pinto muito coradinho, ambos atípicos. Como há muita gente a pensar e a berrar que o "assunto" é um exclusivo da mulher, lembrei-me de ir às páginas de um livrinho que li vai para seis anos - Artur ou a Felicidade de Viver - de Françoise Giroud, traduzido na colecção "Entre Mulheres", da Editorial Inquérito. Os "jovens" e certas "intelectuais"- que diabo é um "jovem"ou uma "intelectual"? o que é que define um "jovem" ou uma "intelectual"? - ignoram certamente quem foi Giroud e, infelizmente, muitas mulheres hiper-emancipadas que se julgam subtis e "esclarecidas", também. Antes desta "campanha" começar, já tinha dito o que pensava do famoso arquétipo feminino-feminista que essas hiper-emancipadas exibem como um troféu decadente. Não me impressionam nada as Maria Belo desta vida que continuam exactamente em 2007 como eram em 1960. Já Françoise Giroud me merece outra consideração. Aos oitenta anos escreveu aquele precioso livro de memórias que se lê de um fôlego e que começa pela morte abrupta do filho Alain - teve ainda outro filho e uma filha- soterrado por uma avalancha numa estância de esqui em Savoie, apenas com vinte e cinco anos. Como é que Giroud olha retroactivamente para esses tempos difíceis em que se achou "mãe solteira", em Julho de 1940, com vinte e poucos anos?