
Cavaco Silva inicia esta tarde, oficialmente, o seu segundo mandato como PR. Fá-lo, à semelhança dos seus antecessores, no parlamento. A legitimidade deste e do PR é a mesma, a eleição por sufrágio directo e universal. Mas é o Presidente quem tem de ir à Assembleia jurar a Constituição diante dos deputados em vez de, por exemplo, tomar posse em Belém depois de o presidente do Tribunal Constitucional ler em voz alta a acta dos resultados das eleições presidenciais e segurar a Constituição colocada por baixo da mão do escolhido. Isto parece um preciosismo. Não é. A revisão constitucional de 83-83 "parlamentizou" o regime e, por tabela, o Presidente quando acabou com a dupla dependência política do governo. O PR deixou de poder demitir o 1º ministro sem esperar pela "palavra" da Assembleia. Durante a última campanha, Cavaco explicou isto perfeitamente com duas frases lapidares. Por um lado, ao afirmar que, no dia a seguir à sua eleição, o governo e a Assembleia eram os mesmos do dia anterior. E, por outro, ao deixar claro que o PR não pode demitir o 1º ministro. Muito se falou acerca do discurso que irá proferir precisamente perante ambos o governo (fisicamente de costas para ele) e a Assembleia (que o contempla e que ele contempla). Confio em Cavaco há demasiado tempo para cometer a leviandade de "palpitar" ou, sequer, para, em estilo "disco pedido", enunciar o que gostaria de ouvir. Na contingência constitucional, a Assembleia "avalia" o governo e o PR, depois, "avalia" a Assembleia. Nem o actual governo nem a Assembleia se recomendam especialmente. O país é, para as duas entidades, um lugar estranho. Para Cavaco, não. Mais do que discursar para a plateia circunstancial, Cavaco fala invariavelmente ao país na qualidade de único órgão de soberania eleito a título singular. Essa é a medida da sua responsabilidade política, da sua seriedade rigorosa e do seu indeclinável realismo, qualidades que o eleitorado lhe reconheceu quando optou, sem hesitações, pela decência contra a insolência alarve. Tudo isto é já, por junto, um discurso.
Foto: Capa do livro editado pela Alêtheia Editores sobre a campanha eleitoral de Cavaco Silva em 2011