
Os "intelectuais da tela" não apreciam o filme O Sexo e a Cidade. Preferem, naturalmente, a série. Apesar dos clichés e dos "finais felizes", ambos - o filme e a série - podem ser vistos como a grande metáfora da intimidade dos solteiros, independentemente das "opções" de cada um. São a versão moderna da "branca de neve e os sete anões", em que a "branca de neve" são quatro mulheres - podiam ser quatro homens - e em que os "anões" podem, num ou noutro caso raro, exceder a expectativa. Os solteiros são pessoas dadas a conviver com outros solteiros, ou casados, e que esperam secretamente por um cliché. No filme, só "Samantha", a mais libertina, se desfaz do cliché para entrar, livre, no seus formosos cinquenta anos. As outras nem à maternidade resistiram. Os solteiros são atraídos por pessoas que normalmente conseguem reunir num só ser a divindade e o lixo humanos. Mesmo em meia-hora. E, claro, pessoas para quem o sexo importa. Mesmo quando acontecem coisas como ficar "pendurado" num casamento ("Carrie"), ser avisado, numa escada de avião, à chegada, que daí para diante "não nos conhecemos" (eu), deitar fora uma reserva paga de avião e hotel em Paris por um cancelamento inapelável (eu) ou ocupar sozinho um quarto de hotel, junto à praia e à chuva, previsto para dois (eu), telefones desligados na cara, etc. etc. As protagonistas do filme divertem-se muito mais quando estão juntas de que quando andam com os "respectivos" apêndices. Nem com eles nem, contudo, sem eles. Sempre o mesmo querer e não querer o mesmo. Não acabar no cliché é um desafio melancólico que significa estar fundamentalmente sozinho. Acabar no cliché é a norma a que nem os argumentistas de O Sexo e a Cidade resistiram. Entretanto, venha esse diabo sem cauda - o sexo - que nos salve ou dane.