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23.7.11

QUANDO OS ESPIÕES ERAM ADULTOS


«A editora D. Quixote acaba precisamente de reeditar A Toupeira, um livro que tem Smiley como protagonista e a denúncia de um agente duplo ao serviço dos soviéticos como fio condutor. A trama é bem esgalhada mas o que logo sobressai é o retrato das personagens, a começar pela do espião britânico na reforma. Verdadeiro anti-herói, fisicamente decadente, introspectivo e com um casamento falhado (a forma como lida com a infidelidade da mulher é um magnífico traço do seu carácter), Smiley conduz paulatinamente a investigação, toda ela assente em episódios do passado que a memória de agentes lançados ao ostracismo vai desenterrando. História adulta com a Guerra-fria em fundo, A Toupeira recusa qualquer visão maniqueísta do mundo, sobretudo, qualquer visão maniqueísta dos homens. O suspense domina mas o que assombra é a inteligência de le Carré, capaz de nos envolver num enredo de espiões nostálgicos e simultaneamente implacáveis. Além disso, o que pode ser mais romanesco do que a descodificação de um duplo?»

Ana Cristina Leonardo, Meditação na Pastelaria

23.12.08

LER LIVROS


Também tenho uma "prenda" para os meus leitores. Li muita coisa ao longo do ano. De portugueses, suponho que não li nada. De outros, parece-me dispensável o derradeiro Roth, Indignation. Prefiro as imediatas prosas anteriores sobre o envelhecimento e a morte. Li e reli muito Sloterdijk. Nunca o largo, aliás. "Um homem muito procurado", de John Le Carré, "recupera" um bom escritor de um relativamente aborrecido "O canto da missão". Por isso "ofereço" uma recomendação do ano passado e que me parece insubstituível. Há meses, para a Ler, o F.J. Viegas pediu-me para "explicar", em poucas linhas, "por que é que se devia ler As Benevolentes". Apesar da pretensão (é-me indiferente que leiam ou deixem de ler), alinhavei a pequena prosa que se segue a qual, pela primeira vez, "sai" na íntegra. A que foi editada na revista é diferente desta. Nunca me dei ao trabalho de perguntar porquê. Não me interessa. Mas imagino.

JONATHAN LITTELL, O NOVO MESTRE DA SUSPEITA

Correm os derradeiros anos da segunda guerra mundial. O narrador, ex-nazi convicto, olha agora para esse tempo com a melancolia da indiferença, sem remorsos nem pesos na consciência. É um ironista que reflecte sobre os escombros sem um vislumbre de arrependimento. O que foi, foi o que foi porque teve de ser assim, como se um determinismo amoral tivesse arrastado milhares de homens inteligentes para um abismo no qual, sem excessiva repugnância, experimentaram os cheiros e as cores da mais repugnante das mortes. As “memórias” de um antigo oficial nazi são o pretexto para Jonathan Littell “reconstruir” os derradeiros passos do regime de Hitler - para o Leste onde se atafulhou e perdeu –, recortando, vistos a partir do lado “deles” (até agora só tínhamos tido direito às versões romanceadas “correctas” da história, a dos vencedores), os perfis de homens do regime tal como eles existiram ou como o autor os ficcionou. “As Benevolentes” também é um imenso livro de história onde se surpreende a esquizofrénica burocracia do III Reich, algo a que Fest apelidou de improvisação organizada, já a caminho do seu fulgurante crepúsculo. No texto de Littell revela-se como o bem e o mal se misturam nas peripécias de uma vida pessoal e de uma narrativa colectiva sem que isso lhe confira um estatuto de fatalidade dentro da fatalidade que efectivamente foi. Revela-se como a ficção da realidade - a realidade e a ficção que coincidiam no III Reich -
pode ser “ultrapassada” através de um passeio numa paisagem paradisíaca que deixou para trás o cheiro fétido de cadáveres ou o estampido de uma arma disparada contra a nuca anónima. Revela-se como Bach ou Monteverdi sublimavam a violência interior que massacra o adversário indefeso com uma tranquilidade que, devendo assustar o leitor, apenas o sossega umas quantas páginas mais adiante. Littell entendeu bem o que Arendt quis significar com a expressão “banalidade do mal” a propósito do julgamento de Eichmann em Jerusalém. A leitura mais simplista exclamaria: “lê-se e não se acredita”. Ora a “tese” de “As Benevolentes” é justamente a contrária. Lê-se e acredita-se e eu, narrador, acreditava especialmente. Por que é que “As Benevolentes” arrisca ser simultaneamente um dos grandes momentos da literatura contemporânea e uma tragédia clássica? Julgo que, enterrado o fantasma do “novo romance” e, sobretudo, quando se enchem escaparates com novos “romancistas”que nos vêm contar histórias de embalar que, de tão medíocres, acabam por ser pornográficas, Littell – provavelmente impossibilitado de escrever o que quer que seja depois deste “fresco “ monumental - emerge como o novo “mestre da suspeita”. O respeitável oficial das SS que nos explica a sua vida e a tenta perceber, anos volvidos sobre a catástrofe, é, no desalinho dessa “história” cruel, revista, corrigida e aumentada, o Deus sem fé que se esconde no coração do homem vazio de hoje. Crê-se, afinal, um justo nos antípodas da personagem da peça de Camus. Quem, de entre nós, poderá atirar a primeira pedra?

3.11.07

UM LIVRO


Não acabou de sair e o seu autor não precisa espremer-se por todos os cantos para ser, como é, um bom escritor. Aconteceu-me ler o livro agora. É um belo livro contra "nós", "nós que passamos pela vida de olhos baixos".