
Os puristas não devem gostar de
Hereafter, de Clint Eastwood (na foto com um dos protagonistas em Londres). Videntes que "falam" com mortos, vivos que procuram falar com mortos não "cola", de facto, à primeira vista com a sobriedade iconoclasta de Eastwood. Mas isso é o que menos importa no filme. Na realidade,
Hereafter pode perfeitamente ser encarado como uma espécie de ensaio acerca da literatura. Não apenas pela obsessiva presença de Charles Dickens - dito pela extraordinária voz de Derek Jacobi, ao vivo e no silêncio dos quartos em gravação ouvida a título de
Lexotan - mas porque as personagens passam o tempo a interrogar, a interrogar-se e a interrogar a morte que é aquilo de que a literatura, se for feita de alguma coisa, é feita. Às tantas, o rapazinho da foto pergunta ao vidente/Matt Damon se, depois de tantas "sessões", ele já sabe o que é que está no "lado de lá". "Ainda não", respondeu o incrédulo vidente a fazer lembrar a Alice de Carroll. É neste "ainda não" que a literatura "vive" a sua morte - «dying around us every day» (Dickens,
Bleak House).