2.9.05

O "ENTUSIASMO"...

... de Mário Bettencourt Resendes em relação à recandidatura de Mário Soares: "Por «culpas» próprias e alheias, Soares vai, uma vez mais, fazer o que gosta e o que sabe, como ninguém. E reconheço, sem qualquer dúvida, que o movem os propósitos de sempre. Por isso terá o meu voto. No entanto, se perder para Cavaco, desde já afirmo que não terei insónias..."

LER...

...em O Melhor Anjo, "Generosidades Preliminares", sobre as "ofertas culturais". E, no Blasfémias, sobre "autarcas", "O Regresso à Glória".

"MODERNIZADOS"

Com a pompa dos "grandes momentos", o primeiro-ministro deu posse a mais uma "comissão de sábios" destinada a "reformar" a administração pública, ou, na hipótese mais solene, o Estado. Esta nova fornada de "sábios", como não podia deixar de ser, vem para "prestigiar a administração pública" a qual, uma vez "prestigiada" e "modernizada", "modernizará" automaticamente o país. Eles vão "avaliar" e "auditar" todos os ministérios durante seis meses e, depois, aparentemente decidir o que deve ficar, desaparecer ou "fundir-se". Teixeira dos Santos, pragmaticamente, reduziu a coisa à constituição de mais um "quadro de supranumerários". E de Sócrates brotou a ideia de "caminhar para um balcão único de serviços públicos em todos os concelhos". Esta pequena sessão "harry pottiana" revelou duas ou três evidências. Desde logo que o Estado, por interposto governo - este e os outros que também tiveram a sua "comissãozinha" ou "grupinho de trabalho" - desconfia permanentemente dos organismos de controlo e avaliação de que dispôe, gerais ou sectoriais. Estas organizações - pelos vistos meramente filantrópicas - passam o santo ano a enviar ao governo resmas de relatórios e auditorias que, presumo, ninguém lê. Na primeira oportunidade, escolhe-se uma meia dúzia de bonzos e de académicos "iluminados" e esses, sim, é que vão "reformar" e "modernizar". Com tanta "pulsão" modernizadora que antecedeu a actual, eu estranho que ainda sejamos tão ridiculamente primitivos em praticamente tudo. Depois, e para dourar o exercício, lança-se sempre uma ideia "inovadora". Sócrates lembrou-se do "balcão público" como se podia ter lembrado de outra coisa qualquer. Enfim, e para dar um ar de "agora é que é", o presidente da comissão - alguém que fica na história da "modernização da administração pública", e da Justiça, em particular, por ter mudado, para uma imagem estranhamente "fálica", o logotipo deste ministério há cinco anos atrás... - foi logo avisando "que o grupo de trabalho a que preside não se deixará enredar na fase de audição e recolha de dados" e que "resistirá às pressões de todos os quadrantes". Não é preciso dizer mais nada. Daqui a seis meses, se Deus quiser, estaremos então, e uma vez mais, "modernizados".

1.9.05

LER...

... no Abrupto, "MÁRIO SOARES, JESUS, FINANÇAS E BIBLIOTECAS" e "CORTINA DE FUMO", do Rui Costa Pinto.

O "CENTRO MODERADO"

E foi pelo Francisco que eu reparei nas observações do meu amigo Medeiros Ferreira (MF) acerca do "centro moderado" a que, supostamente, eu e o Paulo Gorjão pertenceríamos. Diz MF que "as suas [nossas] críticas ásperas à candidatura de Mário Soares fazem-[lhe] alguma impressão. Até porque não será Mário Soares a perder o centro. Mas o centro opinativo pode perder-se de Mário Soares." Instado pelo Francisco ("as pessoas do centro» (como o João e o Paulo) (...) não podem perder a oportunidade de perder Mário Soares?"), MF aclarou a sua posição: "há quem pretenda que Mário Soares perdeu, desta vez, o centro, quando me parece que é o centro que pode perder Mário Soares e ficar orfão." De facto, nesta questão de saber "quem perde o quê e para quem", não me parece que o "centro moderado", particularmente aquele que ajudou Sócrates a conquistar uma maioria absoluta que estava "perdida" à "esquerda" (todos os partidos de "esquerda" cresceram em Fevereiro), se reveja por inteiro naquilo a que ontem Soares apelidou de uma "candidatura nacional". Se "o centro pode perder Mário Soares e ficar orfão", como escreve MF, isso quer dizer que o "epicentro" da sua candidatura não é o mesmo de 1985/86, o qual lhe valeu a passagem à 2ª volta e a vitória tangencial. Não me recordo de ter visto ontem no Altis muitos dos que apareceram em Julho de 1985. Aí, Soares que ainda era primeiro-ministro, estava praticamente sozinho. Eu sei porque estava lá e tenho uma "memória de elefante". Agora vi, nas televisões, o PS "profundo", algumas notabilidades do governo, uns representantes "oficiosos" do regime e outros que o querem ser, e a corte "independente" privativa do dr. Soares, incluindo Fernando Rosas. Naquela altura, como já o disse, Soares representava, pela sua história, pela sua determinação e pela sua "coragem serena", a defesa "moderada" dos equilíbrios políticos contra alguma imaturidade ainda latente do "regime". Em 2006, uma terceira candidatura, nos termos em que foi gerada e desenvolvida, não vem "equilibrar" nada. Soares demonstrou ontem o seu real desprezo pelas presentes tensões políticas, económicas e sociais que atingem o país e o mundo, iludindo-as sob o manto diáfano do "optimismo antropológico", e prometendo-nos cinco anos de verdadeira "música no coração". Por mais generoso que seja este "irrealismo", não creio que o "centro moderado" se reveja nele ou que esteja interessado em se "perder" por lá . Eu acho - mas posso estar errado - que quem se "perdeu" definitivamente do "centro moderado", foi M. Soares. E é pena.

SAUDAÇÃO...

A VANGUARDA- 2

Vital Moreira continua imparável na sua "cruzada" primitiva, estilo "Vasco Graça Moura ao contrário", contra Cavaco Silva. Do alto da sua cátedra na província e dando mostras de uma espécie de racismo intelectual que lhe fica bastante mal, o professor espremeu-se e esmerou-se. Cavaco Silva, visto a partir de Coimbra, e por oposição ao "cosmopolitismo, cultura e espírito humanista" de Soares, é, nem mais nem menos, do que um género caseiro do "ogre" a quem "falta dimensão internacional", que tem "estreiteza cultural" e que revela um "espírito economicista". Convém lembrar ao ilustre Mestre que, apesar de todos os ódios de "classe" e de todos os derrames elitistas vomitados para cima de Cavaco desde que ele emergiu na vida pública portuguesa, a criatura "arrancou" duas bem expressivas maiorias absolutas e obteve, num momento de profundo desgaste, quarenta e seis por cento dos votos na disputa com Sampaio, há dez anos. Ou seja, os portugueses nunca se sentiram particularmente incomodados com a "falta" de "qualidades" de Cavaco que tanto perturba Vital e outros epígonos menores do "soarismo", da "esquerda" e do "neoliberalismo". Entre outras coisas - mais substantivas e de menos mau-gosto - será esta arrogância saloiamente convencida que os perderá.

31.8.05

A ENTRONIZAÇÃO

Se descontarmos a parte em que Soares delicadamente lembrou a Sócrates que, em matéria de consolidação orçamental e financeira, o melhor mesmo é ele estar quietinho, a "declaração solene" da recandidatura não passou de um enorme bocejo. Soares percorreu todas as trivialidades e lugares-comuns que qualquer pessoa de boa-fé subscreve quando pensa na parte "ornamental" do PR. Falou do que "aprendeu" nestes últimos dez anos, cortejou os "jovens" e auto-elogiou-se em matéria de idade. A sua "ideia de e para Portugal", como ele gosta de sublinhar, não aquece nem arrefece ninguém. Soares exibiu-se para um país que vive manifestamente uma realidade bem diferente da tranquilidade colorida exibida pelo candidato. Ou então - o que é mais sério para ele - Soares recusa-se a deixar que a realidade entre na sua simpática e divertida cabeça. Em suma, esta entronização doméstica não passou do tal "ponto de chegada" a que aludi ontem. De qualquer forma, e uma vez mais, bem-vindo, Dr. Soares!



Adenda: Valia a pena M. Soares ter escutado o que Miguel Sousa Tavares disse na TVI sobre a sua prestação. Eu, que há vinte anos estive, com gosto e empenho, na cerimónia equivalente no Altis, não reconheci o mesmo protagonista. Mudaram-se efectivamente os tempos e as vontades. Não existem repetições "felizes".

A VANGUARDA

Vital Moreira ainda acredita no papel das "vanguardas". O argumento verdadeiramente reaccionário da "inigualável capacidade de atracção [de Mário Soares] no campo da cultura, das artes, da literatura, da ciência, do trabalho", utilizado para tentar menorizar Cavaco Silva, apenas popular, aos seus olhos, no meio de "empresários e gestores", advém seguramente da leitura atenta que deve ter efectuado, anos a fio, do livrinho de Cunhal, "A superioridade moral dos comunistas". Há (maus) hábitos que nunca se perdem.

LER OS OUTROS

"Por isso vos disse, há anos, e agora repito: basta! Nem política partidária, nem exercício de cargos políticos. Basta!" Mário Soares no "discurso de agradecimento proferido no jantar que lhe ofereceram os seus Amigos [eu também lá estava], por ocasião dos 80 anos, em 7 de Dezembro de 2004", página 10. Bastava?

30.8.05

UMA ALEGRE CHATICE -2

Na sua ditirâmbica mensagem, Manuel Alegre conseguiu dizer três coisas importantes. Primeiro, que a recandidatura de Soares não é saudável para a República. Em segundo lugar, que não apoia uma recandidatura "monárquica". E em terceiro lugar, que não acredita no sucesso dessa recandidatura "anti-republicana". Foi um belo primeiro momento verdadeiramente político do último dos românticos da "política". As bochechas irritadas de Mário Soares descaíram seguramente um pouco. Só por isso valeu a pena.


Adenda: Alegre "confirmou" - como se fosse preciso - o "acordo" de Soares com o PC e o BE para a sua recandidatura "unitária". Jerónimo de Sousa e o "mono" do BE cumprirão metodicamente o "acordo" até ao último instante. Na hora certa, o "salvador" do "regime" - não necessariamente da Pátria - ficará sozinho em palco para esconjurar o diabo. É por estas e por outras que somos muito mais "tropicais" do que nos imaginamos na nossa subtileza "europeia" e "progressista".

LER...

... na Grande Loja, "nem é a primeira vez...".

UM PONTO DE CHEGADA

José Medeiros Ferreira, um dos mais qualificados apoiantes da recandidatura de Soares a um terceiro mandato presidencial, explica-se em relação ao que chama "o novo Mário Soares". Fala da história - a dele, com e contra Soares - e do "percurso" do corajoso fundador do regime democrático. "É um novo Mário Soares que temos pela frente", escreve, confiante, M. Ferreira. Sem querer, o autor pôs o dedo na ferida. Não tenho a certeza que o país aprove tão entusiasticamente e com tanto optimismo este "novo" Soares. Verdadeiramente não é uma "nova ideia para Portugal" - algo construído ao longo dos anos do exílio e das primícias da democracia, algo que mobilizou determinantemente o eleitorado "moderado" e "realista" em 1986 contra a "esquerda" folclórica e ressabiada e a direita "mal resolvida" - que move este "novo" Soares. Soares gosta tanto do social-democrata mal amanhado que é José Sócrates como eu gosto de beterraba. Não suporta a ideia de ver este homem, que ele suspeita ser mais ou menos feito de "plasticina política", a liderar a sua preciosa "esquerda". Não é esse o legado com que sonhou nos últimos anos. E a respeitabilidade que entretanto sedimentou à esquerda da sua própria "esquerda", pesa e muito. Finalmente, existe Cavaco, o inimigo de estimação. A mera admissibilidade de "tolerância" daquele por parte de Sócrates, é impensável para Soares. Manuel Alegre nunca contou nas lúbricas considerações do "fundador". Se há coisa em que Soares não se distingue particularmente é pela "delicadeza" política. A sua bonomia pára instantaneamente à porta dos seus interesses, esteja lá quem estiver. "Não se transformou porém num extremista, antes revelou-se, nestes últimos anos, como alguém capaz de antever o novo a nascer", conclui M. Ferreira. Eu também não aprovo o epíteto de "extremista" que por vezes é insinuado em relação a Soares. Porém, não sei a que "novo a nascer" se refere M. Ferreira. Ao "novo" Soares preferirei sempre o "velho". Porque, neste momento, a sua candidatura representa apenas o último avatar do "regime" e um gesto paternalista de apoio a um partido e a um governo embaraçados. Nada disto perfaz "uma ideia para Portugal", muito menos o ridículo "perigo" da direita. A recandidatura de Soares é apenas um ponto de chegada. Não é manifestamente um ponto de partida e, muito menos, um ponto de partida para "o novo a nascer".

29.8.05

IDEALISTA

"We honor heroes because at one point or another, we all dream of being rescued. Of course, if the right hero doesn’t come along, sometimes we just have to rescue ourselves."

LER...

... este excelente "Detector de Spin", do Paulo Gorjão, sobre o ministro das Finanças. Há dias, mesmo no meio da miséria reinante em matéria financeira, Teixeira dos Santos anunciou uma "equipa técnica" conjunta do seu ministério com o de Mário Lino para "avançar" com os maravilhosos projectos da OTA e do TGV. Ao menos T. dos Santos não esconde ao que vem e por que veio. E já agora, por outras razões, ler igualmente este "mistério" na Grande Loja. Eu não disse que ele anda " bater-se" ao lugar do Vasco Graça Moura do PS, descontados os dotes do tradutor exímio?

UMA ALEGRE CHATICE

Eu acho que ainda conheço menos mal os "bastidores" do "soarismo". Se bem que os meus amigos "soaristas" se tenham prudentemente afastado, eu pressinto-lhes perfeitamente as manhas. Ontem, no Diário de Notícias, Carlos Ventura Martins, actual director-geral das publicações de Jacques Rodrigues e ex-assessor de Soares em Belém, veio "bater" em Manuel Alegre e, de caminho, em Cavaco. É um bom sinal, vindo de quem vem, já que eu leio o seu texto como um produto "colectivo". A "presença" da proto-candidatura de Alegre até, pelo menos, às autárquicas, "chateia" o dr. Soares. Lembra todos os dias à opinião pública as pequenas traições "familiares" e os pequenos equívocos entre "amigos". Até Cavaco aparecer, Soares está vagamente prisioneiro desta doméstica e irritante "pedra no sapato" que ele gostaria de ver rapidamente removida, de preferência, já na quarta-feira de "consagração" universal. E, de facto, não vai ver. Toda a verborreia utilizada pelo meu amigo Ventura Martins é perfeitamente esclarecedora do "pensamento" de Soares sobre o assunto. No mesmo sentido anda Vital Moreira, que também já intuiu a Alegre "chatice". Quanto a Cavaco, já estamos habituados à retórica da soberba "democrática" e da "superioridade moral", política e "cultural" de Soares e dos seus epígonos sobre o "plebeu" Cavaco. Habituados, e, convenhamos, fartos.

28.8.05

COMÉDIA OU TRAGÉDIA?

Foi dado grande destaque ao "apoio" que três esquecíveis criaturas, aparentemente sem nenhuma "afinidade" entre si, deram, sob a forma escrita, à candidatura do dr. Mário Soares a Belém. Carlos Antunes, ex-"brigadista revolucionário" e o mais próximo que se consegue arranjar em português do "terrorista caviar", Fernando Condesso, uma emanação de província do PPD, em tempos um dos seus múltiplos dirigentes e Eurico de Figueiredo, um "heterodoxo" lírico do PS, juntaram umas linhas encomiásticas da aventura soarista e mandaram-nas para a Fundação do próprio. Já aqui escrevi que a última coisa de que Soares precisa, nesta fase da vida, é do patético. Creio que, só por manifesta maldade, é que os jornais enfatizaram este "apoio". Voltamos à velha história da "história" quando ela se repete. Será comédia ou será tragédia?

UM PAÍS DE MERDA....

... "retratado" no El Pais: " as ilusões devastadas de Portugal".

REALISTA

"It's like my grandmother always said. An erect penis doesn't have a conscience."

DESESPERADOS

"Each night before we fall asleep we lie to ourselves in a desperate, desperate hope that, come morning, it will all be true."

27.8.05

A FICÇÃO

É confrangedor, e digo isto para não ser indelicado, ver confirmadas pelo próprio as piores expectativas em relação à "autoridade nacional de combate aos incêndios florestais". De facto, o General Ferreira do Amaral, numa curtíssima entrevista ao Expresso, explica delicadamente a função ornamental da sua "autoridade". "Eu estou aqui para dar apoio moral", para "sensibilizar" e para "motivar", diz candidamente o General. Pelo meio, confessa que não tem nenhuma "estrutura" ou "meios" que ultrapassem um patamar meramente risível. Pelos vistos, o General só serve para "aparecer" e para dar umas pancadinhas nas costas aos comandantes de bombeiros e a estes, correndo, mesmo assim, o risco de se tornar num estorvo. O Estado, cujo crédito anda pelas ruas da amargura nesta matéria, permite e alimenta esta estranha ficção à qual nós apenas assistimos, impotentes e pagantes?

A MÃO ESQUERDA DE DEUS- 3

"Venho dar-lhe os parabéns pelo seu post "A Mão Esquerda de Deus - 2". Tenho seguido muito atentamente e com geral concordância aquilo que tem escrito sobre o momento político em Portugal, nomeadamente as presidenciais. (...) Sobretudo porque vem de alguém que, penso, partilhou a gloriosa aventura de apoiar o Dr. Soares em 1985 no tempo dos míseros 8%. Ainda que então muito jovem, lembro com orgulho o esforço então desenvolvido para"normalizar" o regime democrático, superando a tutela militar e derrotando as tendências estalinistas, revanchistas de direita e terceiro-mundistas (...). Trata-se agora, mais uma vez, de tentar voltar a "normalizar" o regime depois destes anos de despautério político (iniciados no consulado guterrista e continuados alegremente nos últimos anos). Primeiro provando que se pode eleger um Presidente não-socialista (o que já assume quase uma limitação dos direitos democráticos - certa gente fala como se esta hipótese fosse um crime lesa-democracia) Em segundo, eleger um Presidente que consiga assegurar parâmetros de acção e estabilidade governativas que incentivem as reformas de que o país precisa e que possa devolver a esperança aos portugueses. No actual cenário, esse Presidente só pode ser o Prof. Cavaco Silva."
(Nuno P.)

26.8.05

O REGRESSO...

LER...

...no Margens de Erro, "Presidenciais".

A MÃO ESQUERDA DE DEUS -2

Quando vi o título - "reunir todas as forças" - julguei que se tratava de mais um post da azougada Ana Gomes. Acontece que, de um homem aparentemente lúcido e academicamente creditado como Vital Moreira, eu francamente não esperava estes três míseros parágrafos. Vê-se que o professor não desperdiçou uma linha do que aprendeu na vulgata da Soeiro Pereira Gomes até aos anos oitenta bem adentro. Na minha santa ignorância, desconhecia que havia uma "revolta à esquerda" e que, por causa desse martírio, urgia evitar "um PR oriundo da direita partidária". E ignorava, como ignoro, que o Palácio de Belém está reservado a uma casta especialmente "democrática", justamente por infantilmente presumir que, em democracia, não existem castas. Mas a minha infindável ignorância ainda não tinha absorvido que "a esquerda alimenta uma visceral desconfiança sobre a capacidade da direita para respeitar as "regras do jogo" na Presidência da República", e que, pasme-se, "um presidente sem escrúpulos constitucionais pode subverter impunemente a ordem constitucional". Estas puerilidades podiam fazer algum sentido em 1980 e, mesmo, com um módico de benevolência, em 1985. Hoje, com o devido respeito, são praticamente simétricas dos dislates de Alberto João Jardim sobre o "sistema". Vital repudia ainda as "teorizações presidencialistas" de uns desconhecidos epígonos "conspícuos de Cavaco Silva" e afiança que é "a estabilidade do regime que pode estar em causa" com a sua candidatura. Eu não sei bem a que "estabilidade" e de que "regime" o professor fala. Imaginará ele, porventura, que, uma vez eleito, M. Soares seria um modelo de subserviência ao PS e ao governo? Ou que o país pode aguentar por muito mais tempo a falsa "estabilidade" que este "regime" desacreditado por, pelo menos, cinco anos de leviandades e incompetências lhe apresenta? Ou que pode sobreviver por muito mais tempo sem pôr em causa a decência do próprio sistema democrático? Infelizmente Mário Soares, ao contrário do que aconteceu da primeira vez - verdadeiramente a única - vem apenas para prolongar a agonia e redimir a "esquerda" de uma eventual humilhação. Porém, o país é muito mais do que isto. A liderança institucional do PR, sem prejuízo do respeito pelas competências específicas de cada órgão de soberania, é um facto inelutável por causa do "estado a que isto chegou.". A sua legitimidade, uma vez eleito, e sobretudo eleito nas presentes circunstâncias, é extraordinária se for bem aproveitada. Eu não quero um PR para "adormecer" ainda mais o "regime" e para "anestesiar" a cidadania com os habituais e consensuais jargões. O próximo PR deve ser um "mobilizador" e possuir uma "pulsão reformadora" derivada da sua autoridade democrática. Deve ser alguém com uma sensibilidade particular para o domínio da "crise", sem tergiversações melancólicas ou "ideológicas". Se assim não acontecer, será o "regime", cuja "estabilidade" Vital vê ameaçada pela candidatura de Cavaco, que "pode subverter impunemente a ordem constitucional" por causa da sua incontornável esquizofrenia e ortodoxia, das quais, paradoxalmente, Soares se apresenta o mais fiel guardião.

25.8.05

"DESCRÉDITO"

Do notável artigo de Maria de Fátima Bonifácio no Público (sem link): "(...) Em má hora Sócrates seguiu o exemplo de Barroso. Já nem me quero referir à "promessa" de criar 150.000 empregos. Esclareceu que não era propriamente uma promessa, mas sim um objectivo. Mas sabia, como não podia deixar de saber, que, aos ouvidos menos atentos da generalidade dos eleitores, a coisa passava por promessa. Mas se neste caso apenas podemos pôr em dúvida a boa-fé, no caso dos impostos podemos ter a certeza da má-fé. Sócrates estava farto de saber que teria de os aumentar; Campos e Cunha referiu logo essa "possibilidade" antes de tomar posse. O apuramento do défice pela comissão Constâncio apenas se destinou, como toda a gente percebeu, a justificar a mentira sobre os impostos conscientemente proferida em campanha; e serviu também para justificar cortes na despesa pública de que ninguém ouvira antes falar. Tal como as fraudes eleitorais no século XIX, estas coisas fazem mossa: cavam o descrédito do governo, diminuem-lhe a autoridade e ferem a legitimidade das medidas de austeridade nunca antes anunciadas: o eleitor tem o direito de se sentir enganado. Em quem irá agora acreditar? Veremos se as próximas presidenciais servem para travar a corrupção do regime."

O RESPEITINHO...

... é uma coisa muito bonita, mesmo para os adeptos tardios do "socialismo em liberdade". Seja dentro de um partido, seja dentro de outra coisa qualquer. Não gostaria de ver Vital Moreira, por quem tenho imenso respeito intelectual, transformado no Vasco Graça Moura do PS e do governo.

A MÃO ESQUERDA DE DEUS

De acordo com alguma imprensa, Mário Soares porá termo à farsa da "reflexão" já na próxima semana. Entre aqueles que o ajudaram a alimentá-la encontram-se - segundo o próprio - governadores civis. Como toda a gente sabe, os governadores civis são uma espécie de longa manus do governo nos distritos. No caso de possuírem alguma habilidade e um módico de subtileza política, podem igualmente servir de "cabos" eleitorais. Em suma, a natureza político-partidária da sua nomeação recomenda-os numa campanha eleitoral a disputar com cuidado. Soares não perde tempo com minudências e quer, naturalmente, uma campanha "oficiosa" como candidato do "regime". Daí os jantares e as conversas intimidatórias com as pobres criaturas. E é precisamente aqui que começa a principal diferença de Soares 2005/2006 com Soares 1985/1986. Há vinte anos, a candidatura de Soares tinha o travo da "resistência" moderada à esquerda e à direita "oficiosas", representadas respectivamente no voluntarismo "esclarecido" de Pintasilgo, no ressentimente fraticida de Zenha e na fragilidade "governamentalista" de Freitas do Amaral. Se dependesse dos dois primeiros, Soares não teria saído do Campo Grande. Quando dependeu de Freitas do Amaral e da sua "aposta" em "puxar" Soares contra Zenha para a 2ª volta, Soares ganhou. E ganhou, apesar da maioria "cavaquista" que já nessa altura se começava a desenhar. Hoje Soares parte "colado" à actual maioria partidária de governo, que está longe de corresponder à maioria "eleitoral" que deu a vitória ao PS em Fevereiro. Será também e a seu tempo, o candidato oficial das restantes "esquerdas" para esconjurar o diabo, uma contabilidade mesquinha que até inclui a eventualidade de um "Le Penzito" português para "animar". O que é que de verdadeiramente "novo" têm Soares e os seus provisórios compagnons de route (Jerónimo de Sousa e o do BE) a propôr a um país em crise e às mais jovens gerações? Soares, na realidade, não propôe nada, nem lhe interessa minimamente propôr. Limita-se a impôr a sua veneranda pessoa ao PS e às "esquerdas" em nome de um combate ideológico que dissimuladamente diz não ter lugar. Acontece que, nesse "combate" que é bom que exista, o lugar do "moderado" de 1985/1986 será ocupado por Cavaco Silva. Às vezes a "mão esquerda de Deus" escreve "direito" por linhas tortas. Caberá a Cavaco Silva a meritória tarefa de provar que a democracia não tem donos nem direitos de exclusividade. Que não lhe doa a mão e votos não lhe hão-de faltar.

NO FUNDO

Vale a pena ler este curioso exercício de "administração pública portuguesa comparada". O pretexto é o combate ao fogo, mas podíamos escolher mais. As direcções gerais ou equiparadas estiolam na sua mesquinhez de "capela" ou no gigantismo absurdo da sua burocracia. A tentação da gestão paralela das mesmas coisas, pelas vias mais imaginativas, quando existem organismos pagos pelos contribuintes para os devidos efeitos, é uma constante. Têm-lhe chamado de tudo. Fundações, "grupos de missão", "comissões", "equipas de projecto" e tretas afins. No meio, continuam os serviços públicos que, muitas vezes, prosseguem objectivos sobrepostos ou concorrentes. O que ao Estado falta em racionalidade, sobra à "política" em imaginação. Os políticos, sobretudo os políticos no governo, adoram "estudar". Para isso nomeiam um enxame de criaturas para "estudar" as maiores e inúteis extravagâncias que acabam por não ter qualquer interesse de cidadania. Quando a realidade bate à porta - e Deus sabe como ela pode "bater" da pior das maneiras, como no caso dos incêndios -, vem ao cimo toda esta esquizofrenia "de Estado" que nos paralisa enquanto nação. O episódio das florestas, visto pelo lado do dr. Sampaio e, a seguir, pelo dr. Costa, é apenas um vago sintoma dessa esquizofrenia. Há séculos que não existe em Portugal um pensamento de Estado minimamente coerente. O pouco que resta é desperdiçado nestes ridículos jogos florais e desbaratado por figuras meramente ornamentais, colocadas na linha "hierárquica". Quem julgava que, com Santana, tínhamos batido no fundo, enganou-se. Verdadeiramente já lá estávamos, muito antes da sua emergência. E é lá que melancolicamente continuaremos.

24.8.05

ESPADA NEGRO

Sobre Espada (João Carlos) - alguém que parece ter permanentemente uma "questão mal resolvida" do foro erótico com o falecido Sir Karl Popper e que ainda não percebeu que não queremos que nos "ilumine" como, no passado, "iluminou" em Belém o dr. Soares, com os magníficos resultados que estão à vista -, ler estas breves palavras do "anónimo" dos Bichos Carpinteiros.

A MANIA

Com simplicidade e eloquência, o meu amigo Rogério Alves, em declarações a um jornal, resumiu o essencial: "José Sócrates tem a mania que sabe tudo."

"SOBRE AS PRESIDENCIAIS"

Para ler no Bloguítica.

LER OS OUTROS

Filipe Rodrigues da Silva, no Diário Digital. "Portugal enterrou-se na descrença enquanto se deixava guiar pela fé. Foi-se enganando guiado pela inveja e o egoísmo. Foi fiador do maldizer da sua sorte enquanto continuava à espera de mais um outro D. Sebastião. De um Eusébio. Uma Amália. Um Variações. Ou de um totalista no euromilhões. O Portugal acomodado é tão culpado como o Portugal megalómano. E ambos merecem um valente pontapé no cu."

23.8.05

JÁ...

... está encontrado o primeiro membro da "comissão de honra" da candidatura do dr. Soares a Belém. Tem a vantagem de ter"experiência" neste género de pantomina.

UMA ENTREVISTA

Saltando da Grande Loja para Fora do Tempo e deste para aqui, cheguei a uma curiosa entrevista com Camille Paglia, efectuada recentemente por Robert Birbaum. "É preciso varrer toda esta droga pós-modernista e estruturalista que não produziu nada a não ser postos académicos, promoções e salários de sucesso. Esta ingenuidade da imprensa alternativa a respeito da academia. A ideia de que gente que balbucia trivialidades esquerdistas é de esquerda. Conheci gente dessa na universidade. São apenas materialistas grosseiros, ok?"

A OTA CONTINUA

"Uma comissão criada para avaliar todos os estudos realizados sobre as diferentes localizações para o novo aeroporto - Ota e Rio Frio - acabou por não dar certezas sobre a eventual escolha da localidade do Norte do Tejo. Além de ser criticada a "ausência de projecto" para o aeroporto, nos estudos realizados, a comissão escreveu que a Ota era apenas "a menos desfavorável" das alternativas de localização propostas e que ambas apresentavam "impactes negativos significativos", a saber: "os impactos quanto aos elementos biológicos e ecológicos são considerados "negativos, de elevada magnitude e irreversíveis"; - os 12 milhões de passageiros num aeroporto podem gerar "um tráfego em hora de ponta [na auto-estrada do Norte e outras vias] de cerca 2400 veículos/hora"; - o aeroporto poderá "contrariar as políticas municipais de desenvolvimento no que respeita ao potencial lúdico-recreativo e turístico, de preservação da paisagem rural e qualidade ambiental e de promoção de habitação de qualidade e de estabilização da população dos aglomerados rurais"; - haverá "alteração da qualidade do ar à escala local e regional, verificando-se violação de limites legais imperativos em algumas situações"; - a "geração de níveis de ruído vão ultrapassar os limites legais numa área envolvente ao aeroporto de 30 km2"; - podem surgir "impactes negativos na economia local decorrentes sobretudo das pressões sobre do nível geral de preços, em particular imobiliário, e da repulsão das actividades económicas cuja produtividade não permite acomodar o aumento do custo dos factores produtivos." Continuar a ler aqui, para quem eventualmente se tenha "esquecido" do assunto por causa do momento estival.

LER...

... na Grande Loja, "Incêndios em escalada como nunca se viu". É um retrato "realista" do incêndio em Viana do Castelo, visto por quem por lá terá passado, sem grandes sofismas terminológicos tão em uso.

22.8.05

A "COMISSÃO DE HONRA"...

... da candidatura do dr. Mário Soares já está "em marcha".

NÃO HÁ PACHORRA

O Sr. Presidente da República decidiu aparecer no meio do caos incendiário. Nem ali se desfez dos seus habituais jargões da "unidade nacional" e do "desígnio nacional". Muito bem. Da última vez que nos falou disto, "saiu" da cartola um campeonato de bola - o Euro 2004 - e o dr. Barroso, para Bruxelas. Qualquer destes dois maravilhosos "desígnios" já provaram o que tinham a provar. O combate aos fogos segue o mesmo caminho. Não há pachorra.

21.8.05

NO MEIO DAS CINZAS

Com método e zelo, o país continua a arder. Tal como o Paulo Gorjão, já não posso ouvir falar nessa bizarria dos incêndios "circunscritos" e "por circunscrever". Ou nas detalhadas informações sobre o número de "viaturas" e de bombeiros "no terreno". Ou sequer ver as imagens requentadas da aflição nas televisões. O Estado, nas pessoas do primeiro-ministro e do Chefe do dito, "desceu" ao assunto. Sócrates foi ou vai a Pampilhosa da Serra e Sampaio, como é mais dado a "dossiês" e a reuniões "esclarecedoras", visita o SNBPC. Nada disto é, em si mesmo, relevante. O mal não só já está feito, como continua a fazer-se. O Estado, na sua função preventiva e repressiva, voltou a falhar, porventura de uma maneira mais espectacular e mais humilhante. A sensação geral é de impotência perante a inevitabilidade - o calor, a seca, a ignorância -, perante a fragilidade - os meios - e perante o crime. A sua precária autoridade jaz no meio das cinzas.

O PRESERVATIVO

Por causa de uns artigos de jornal e de uns pequenos jogos florais entre blogues - e, muito provavelmente, para "alimentar" algum "vazio" estival -, voltou a discutir-se a legitimidade do anonimato nesta actividade "blogueira". A Grande Loja e o Terras do Nunca, por exemplo, andaram vagamente embrulhados e o Paulo Gorjão ou o J.Pacheco Pereira não cessam de "teorizar" em abundância sobre o assunto, assumindo galhardamente o papel do "coro" das antigas tragédias. Quando, há sensivelmente dois anos, esta aventura começou, houve logo nessa altura um pequeno "debate" sobre o tema que correu seus termos entre alguns bloguistas mais afoitos. Hoje a coisa é porventura mais animada. Seja porque a blogosfera assumiu "causas" que a trivialidade ou duplicidade de certos media não sabe ou não quer "aproveitar", seja porque a "agenda" de alguma comunicação social anda notoriamente à espreita do que ressuma da blogosfera para, sobre outra "roupagem", lhe dar "letra de forma" sem cuidar dos "direitos autorais". Quer uma situação, quer a outra, são boas para a blogosfera e para o original lance de cidadania menos adormecida que eu presumo que a mova. Quanto ao "anonimato", eu mantenho o que escrevi logo no início do "Portugal dos Pequeninos", a partir de um post do entretanto "falecido" "Guerra e Pás" que aqui recordo. O decurso do tempo e algumas peripécias mais ou menos patéticas por que passei por escrever o que escrevo e como escrevo, reforçam o teor dos "comentários" feitos há dois anos. Desde uma torpe tentativa de censura feita junto de quem tem responsabilidades "hierárquicas" sobre mim, até ao assumido custo de "oportunidades perdidas" por pensar como penso, de tudo um pouco este "cantinho" me tem dado. Porém, há uma coisa que ninguém me pode tirar: a liberdade e o gozo de dizer o que entendo, assinando em baixo. Há, realmente, um "custo de autenticidade" que o anonimato alivia. O que não quer dizer que, por ser "anónimo", não seja menos verdadeiro ou menos interessante. É, apenas, mais seguro, como um preservativo. A Grande Loja está pejada de "anónimos" e nem por isso eu deixei de aceitar em colaborar com ela. Em suma, todo este "debate" só significa uma coisa muito simples. Que isto vale a pena. Com ou sem preservativo.


O ANONIMATO

O Guerra e Pás colocou um post que levanta uma questão interessante, pelo que, com a sua licença virtual, o repito:

"O Nélson de Matos fala de uma questão que eu julgava que nos ia passar ao lado, a do anonimato. Diz ele que não gosta de blogs anónimos, e eu acho que há mais argumentos a favor da sua posição que da minha, que até mantenho um! Mas eu defendo os blogs anónimos.Tentarei explicar-me.Num blog anónimo há liberdades e libertinagens impossíveis num blog assumido – para já a imunidade parlamentar funciona e num país tão litigante ( e sei bem do que falo) e com juizes tão curiosos, nunca se sabe se não malhamos com os costaços na pildra por qualquer coisa escrita in the heat de um moment qualquer. Depois, imagine-se que um dos famosos que por aqui anda embirra com alguém que dá o nome. Num país tão pequeno e tão mesquinho, a falta de fairplay pode significar um emprego, uma carreira universitária (e sei bem do que falo). Mas estes estão longe de ser os argumentos, embora não sejam dispiciendos. O argumento é de natureza literária, ou se quiser, de natureza autoral. Em abstracto que nos interessa a identidade de um criador se a criação nos agrada? Sei que o NM é amigo e admirador (como eu) de Lobo Antunes, mas se não o conhecesse não admiria a sua obra na mesma? Não é ele um admirável escritor? Sabe muito melhor que eu que a esmagadora maioria dos criadores maiores do nosso mundo eram gente abjecta no íntimo dos seus lares. Freud nem ligava à mulher, Jung enganava a dele, dois filhos de Bing Crosby suicidaram-se, etc (não há aqui nenhum salto lógico a partir de Lobo Antunes, obviamente). Há um excesso de protagonismo autoral no mundo lá de fora – a nossa sede de ídolos e a humanização forçada de escritores, músicos, actores, distorce a nossa apreciação sobre eles - quem sabe se eu não gostaria mais de Saramago se não embirrasse com ele? Finalmente, e a questão está longe de estar esgotada, há saberes aqui na blogolândia que são partilha. E por serem partilhados anonimamente, funcionam como a pessoa de que nunca soubemos o nome que chamou a ambulância quando tivemos o acidente, ou, mais comum, que nos indica o caminho na estrada. Há partilha, não há nomes."

Comentários:
1. É pertinente a observação de que, sendo isto a "pequena caixa de fósforos" que conhecemos, em que todos roçamos mais ou menos todos uns pelos outros, a identificação pode ter o efeito perverso de conotar o autor com posições política ou outra "coisamente" incorrectas, que lhe podem causar dissabores, num País onde a inveja e o ressentimento andam quase sempre de mão dada com a falta de sentido de humor e a pura ignorância;
2. Por outro lado, é saudável, visto do lado liberal, democrático e ironista em que me coloco, dar um "nome à coisa", dar o "meu" nome à coisa escrita, sem subterfúgios, não por vontade de exibição gratuita ou de crí­tica dirigida, mas porque assim posso testar - se bem que não esteja aqui para testar o que quer que seja - a maturidade cívica e intelectual dos meus putativos interlocutores, mesmo que eu nunca venha a saber quem eles são;
3. Na perspectiva em que sempre me coloco, nesta "blogomania" podem conviver saberes partilhados com ou sem nomes, em que alguns de entre eles me ajudam a "redescrever" o meu próprio vocabulário e as minhas próprias convicções, sendo que todos representam, de alguma forma, a apoteose da contingência, no sentido que Richard Rorty atribui a estas designações;
4. Finalmente, agrada-me a ideia de poder falar aqui livremente do que me interessa ou interessou: um livro, um discurso, um poema, uma reportagem, uma opinião, uma pessoa, uma situação, para poder dizer, se me apetecer e quando me apetecer, como no magnífico e já longínquo filme de Antonioni, " A identificação de uma mulher", "tu não és a minha norma".

20.8.05

INEXPLICÁVEL

Uma rápida passagem por dois jornais - há sol e vida felizmente para além disto -, o Público e o Diário de Notícias, mostra-me uma espécie de "balanço estival" da actividade do governo e respectiva "perspectiva" para os próximos tempos. Lembrei-me instantaneamente da "teoria da explicação", advogada por Freitas do Amaral na sua já longamente esquecida entrevista de Julho - reparem que o homem, desde esse momento, desapareceu literalmente e ignoro mesmo se ainda é ministro deste governo ou se se sente lá bem - e retomada pelo "pai espiritual" do aparelho (e dessa entrevista), o dr. Soares, numa conversa televisiva desta semana. Quando alguém advoga "explicações" políticas por parte do governo, é geralmente mau sinal. Não se pode "explicar", por exemplo, coisas que não têm aparente explicação. Em princípio, o que é bom é evidente por natureza. Tal como o que é mau, é instintintivamente detectado. "Explicar", no contexto "amaralista", "coelhista" ou "soarista", quer apenas dizer "sejam um pouco mais convincentes e pantomineiros". E, no último caso, é mais "eu depois explico". Os "massagistas" que existem em toda a comunicação social, a rapaziada do frete, costumam fazer o resto. Acontece que as pessoas não são tão parvas como as gostam de pintar. Suspeito, aliás, que, apesar destes esforços "militantes", a percepção geral é razoavelmente má. E isso é terrivelmente inexplicável.

19.8.05

PARTES GAGAS

Ler, no Expresso online, A Versão de Soares, de José António Lima.

MICRO-CAUSAS (actualizado)

O primeiro-ministro vai "aparecer" numa repartição de finanças dita "modelo", em Cascais, para a revelação de pequenos "choques tecnológicos" tributários destinados a "combater" a fraude e a evasão fiscais, dois fenómenos que continuam alarvemente a rir-se de qualquer governo. Por outro lado, vai "anunciar" que o Estado conseguiu a extraordinária proeza - como se não fosse essa a sua estrita obrigação - de ter arrecadado, em Julho, cerca de 700 milhões de euros provenientes de impostos. Até agora, nada de novo. Só lamento que, em vez de escolher a segunda ou terceira maior repartição de finanças do país, Sócrates não aproveite o ensejo para levar os jornalistas até outras, mais modestas, mais surrealistas e com um volume de trabalho significativo, como as de Alvalade, em Lisboa, ou a de Odivelas. Aí, o "choque" continua a ser o mesmo. Há cerca de um ano chamei a atenção para as condições de funcionamento da primeira repartição e, há apenas uns meses, da de Odivelas que só então conheci. Não mudou nada entretanto. Só mudou o governo, já que os propósitos "modernizadores" são exactamente os mesmos, independentemente do executivo. Por isso, republico esses posts, cuja actualidade infelizmente se mantém, na esperança de que, da próxima vez que houver mais "receita" para atirar aos olhos dos mais distraídos e mais "progresso" para oferecer aos mais crédulos, se atente no elementar.


Por razões profissionais, estive numa repartição de finanças de Lisboa. A actual sofisticação terminológica de "serviço de finanças" não mudou em nada a substância do exercício. É vulgar "dizer mal" das "finanças" já que a menção lembra invariavelmente "imposto". Acontece que também é importante, de vez em quando, ver o "outro lado". Este "serviço de finanças" que visitei é o mais "pesado" de Lisboa. Situa-se em Alvalade, numa rua ironicamente chamada "do Centro Cultural". Dizem-me que se trata de um arrendamento de um edifício que pertenceu ao Montepio Geral e que custa cerca de vinte e cinco mil euros mensais aos pagadores de impostos. Visto de fora, até não parece mau. Uma vez lá dentro, percebe-se que aquilo podia ser tudo menos um local de trabalho e um serviço de atendimento ao público. Com três andares, a estrutura tem os tectos rebaixados e falsos - talvez por se pensar que o "contribuinte médio" e o "funcionário público" são mesmo médios de altura - e constitui uma perversa fornalha. Os funcionários explicaram-me que, de inverno, usam roupas de verão porque a temperatura ambiente é naturalmente quente. O ar condicionado é uma metáfora inútil enfiada nas paredes e no chão, dado que não funciona. Os aparelhos colocados junto das janelas mal dão para arrefecer a água que tem que ser consumida aos litros pelos funcionários. O ar é praticamente irrespirável. Pedi para ver o "livro das reclamações". A falta de condições é tão evidente que o "cliente"/contribuinte prefere denunciar as "condições de trabalho" primitivas dos funcionários que os atendem da maneira que podem. Só um "sentido de serviço" arrancado não sei bem a que profundezas das almas daquelas criaturas permite aguentar tamanho opróbrio. Sinceramente, é possível continuar com as bravatas demagógicas da "produtividade", da "melhoria de desempenho" e dos "indicadores" quando não se consegue instalar decentemente umas dezenas de pessoas nos respectivos postos de trabalho? Para quê continuar a acenar aos distraídos e aos ingénuos com a "reforma do Estado" se, numa coisa simples como ter um lugar equilibrado para trabalhar e atender gente, quase se sufoca todo o santo ano, ao ponto dos de fora lamentarem os de dentro? Isto é que é "modernizar a administração pública ao serviço dos cidadãos"? Ou os "cidadãos" que servem na administração pública são menos "cidadãos"? Este episódio da vida material é apenas mais um retrato da mesma miséria e da velha falácia. A única diferença é que agora lhe chamam "tempo novo".


A chamada vida material conduz-nos muitas vezes ao confronto com o absurdo. Em Setembro passado, por motivos profissionais, estive numa das mais deprimentes repartições de finanças de Lisboa, para os lados de Alvalade. Apesar dos esforços que empreendi, dentro das minhas limitadas possibilidades, presumo que os funcionários e os contribuintes continuam a ter que frequentar o mesmo local e nas mesmas condições de há nove meses. Desta vez calhou-me a repartição de Odivelas, uma "cidade afavelada" nos arredores de Lisboa. O dito "serviço público" encontra-se escondido num beco sem saída e com uma entrada que mais parece uma traseira de um armazém. Aliás, explicaram-me, ali esteve acomodada... uma fábrica de "pickles". Como se pode constatar, é, sem dúvida, o edifício mais adequado para pessoas trabalharem com papéis e com as "novas tecnologias de informação" (consegui escrever estas quatro palavras sem me rir) e para outras serem recebidas. Da acumulação de gente pelas escadas - aquilo possui dois ou três pisos - nem vale a pena falar. Das condições de atendimento e da privacidade desse atendimento, ainda menos. À semelhança do que acontecia em Alvalade, também em Odivelas o ambiente é insuportável, irrespirável e deprimente. O ar condicionado tipicamente não funciona. Nem sequer me preocupei em pedir o livro de reclamações. Não vale a pena. O Estado devia ser o primeiro a dar exemplos de cidadania. É quase sempre o último ou, quando muito, fá-lo nas piores condições. Eu há muito que desisti deste país e, por consequência, tendo a levar muito pouca coisa a sério e quase nada me impressiona. Contudo, acho lamentável que concidadãos meus, por dever de ofício, tenham que conviver diariamente com este inferno em pleno século XXI. A vida é demasiado curta para não ser vivida com qualidade. E a maior parte de nós passa grande parte dessa vida a trabalhar em circunstâncias deploráveis. Jamais estaremos perto - já não digo do norte da Europa para não ruborizar de vergonha - dos nossos parceiros comunitários. Em compensação e com exemplos destes, estamos bem mais próximos de um qualquer posto oficial do Marrocos profundo (...).


Adenda: A repartição de finanças de Queluz tem entrada por uma garagem e os contribuintes "esperam" num corredor de acesso destinado primariamente a automóveis. A da Reboleira, na Amadora, divide-se entre uma cave lúgubre e um rés-do-chão em que ambos mal dão para os funcionários circularem, quanto mais os "pagadores", com entradas distintas que obrigam a dar uma volta a, pelo menos, meio quarteirão. Acresce que, por manifesta falta de condições, o respectivo "wc" está vedado ao público. Para os funcionários, existe uma chave que dá acesso ao dito, se bem que seja necessário recorrer a um balde, que, uma vez cheio de água, substitui o autoclismo! Qualquer destas repartições, ao pé de outras da "província", deviam fazer corar de vergonha os evangelistas do "progresso". Que tal uma visitinha, eng.º Sócrates?

Adenda II: Segundo o Portugal Diário e o Diário da República, "a nova assessora de imprensa do ministro Teixeira dos Santos, Fernanda Pargana, por exemplo, vai ganhar por mês 4500 euros, como determina um despacho datado de 3 de Agosto." Sugeria-lhe, à laia de estágio no "sector", uma "reportagem" nalgumas destas repartições de finanças para levar ao conhecimento do Senhor Ministro.

O FRANCISCO JOSÉ VIEGAS...

...deixou de andar por aqui. É uma pena. Mas volte rapidamente com "outra coisa". É disso que cada vez mais precisamos, de outra coisa, seja lá isso o que for.