13.3.06

A BEM DA NAÇÃO

Ler, no Glória Fácil, "Tudo pela Nação, nada contra a Nação", de João Pedro Henriques.

O MISTÉRIO DAS FINANÇAS

De acordo com um relatório do ministério das Finanças, a economia paralela- ou seja, a trafulhice - ocupa cerca de 22% do PIB. Fosse ela taxada, como o comum dos mortais e das empresas que se dão ao luxo de pagar impostos, o famoso défice desapareceria imediatamente. Porém, para que a referida economia paralela continue próspera e feliz, é mais fácil ao Estado "atacar" quem já está previamente identificado. São sempre os mesmos que pagam a factura, os que não podem "fugir" ao "sistema". Ciente desta evidência, o ministério das Finanças, no citado documento, promete "lutar" contra a evasão fiscal, um eufemismo recorrente em todos os anos económicos e comum a qualquer governo. Para o efeito, o fisco propôe-se a extravagâncias deste género que normalmente não querem dizer nada: "uma maior moralização no campo fiscal, por via de um firme combate à evasão representa uma prioridade nacional cuja prossecução importa fixar metas sucessivas e consistentes, pondo fim a alterações intermitentes, avulsas e de maior ou menor complexidade". Importam-se de repetir? Mas há mais. Esta "luta" também pressupôe outras coisas, designadamente que ela seja encarada "como um processo contínuo", "alterado e adaptado", já que "se move num conjunto extenso e complexo de variáveis que constituem uma ameaça à eficiência do sistema fiscal em vigor". Perceberam alguma coisa? Ao lado disto, e muito naturalmente, a economia paralela continuará a rir-se.

COMO ELE É

Ler, no Bloguítica, "A Família Presidencial" . Como recorda o Paulo Gorjão, é difícil para o desdém burguês, urbano e "bairroaltista" aceitar Cavaco Silva como ele é. Muito menos suportar a ideia de que ele possa nunca vir a bajular os do costume bem como o "glamour" provinciano das falsas elites portuguesas. A genuidade de Cavaco incomoda estes bonzos do "social" e das "colunas", geralmente umas avantesmas analfabetas e vaidosas que se comprazem em se celebrar mutuamente. A "sociedade" de que eles falam e onde chafurdam nada diz ao país. É um pequeno Portugal de gente demasiado pequenina e perfumada, sem um vislumbre de uma ideia nas suas miseráveis cabeças. Cavaco destoa. Ainda bem.

12.3.06

UMA PERGUNTA

À excepção do dr. Marques Mendes, de meia dúzia de intriguistas profissionais e de rameiras políticas de corredor, a quem é que interessa o congresso do PSD?

ESTILOS RADICAIS

Os acasos das minhas estantes levaram-me de volta ao livro de Susan Sontag, Estilos Radicales (Styles of Radical Will, no original), adquirido em Barcelona numa viagem eminentemente wagneriana ao Teatro Liceo. Não é preciso ler todos os ensaios. Bastam os três da I Parte, "a estética do silêncio", o famoso "a imaginação pornográfica" e "penser contre soi: reflexões sobre Cioran". E também não é necessário concordar com tudo. O livro foi escrito nos anos sessenta do século passado, mas Sontag, no posfácio para a edição espanhola, mais de vinte anos passados, é muito clara e, em certo sentido, contemporânea alegando "a legitimidade e a necessidade de continuar a formular uma estética da resistência, resistência às barbaridades da nossa cultura, aos apocalípticos jogos de planificação dos nossos líderes e ao conformismo das nossas imaginações e das nossas vidas."

COMEMORAÇÕES

O comemorativismo tem destas coisas. Comemorou-se a eleição de Sócrates o mês passado. E comemora-se agora a entrada em funções do seu governo. A falta de "agenda" dá nisto. Comemora-se um ano, um mês ou uma mísera semana de qualquer coisa como se fossem eventos transcendentes. Aproveita-se para botar cá fora umas trivialidades e aguçar o espírito tagarela do jornalismo doméstico, esprimido em "análises" e "comentários", neste caso, sobre cada ministro. Todavia parece-me que tudo se resume a uma feroz banalidade: nenhum governo de outra ou da mesma "cor" faria, nesta altura do campeonato, melhor do que a rapaziada de Sócrates. É claro que despontam nódoas, a seu tempo removíveis, porém nada que perturbe o fundamental do exercício que consiste metodicamente em incomodar a classe média. Podem, por isso, comemorar-se à vontade até ao dia que ela acorde e decida que já não há mais nada para comemorar.

11.3.06

THE MISFITS

Como estes "Inadaptados", eis o estado em que me encontro.

A PLUMA CAPRICHOSA

Por causa disto, Clara Ferreira Alves decidiu processar Vasco Pulido Valente pelo alegado crime de difamação, conta o Expresso. Esta coisa da licenciosidade, introduzida em boa-hora pelo catequista Freitas do Amaral, começa a ter inesperados seguidores. Como boa cronista do regime, Ferreira Alves não suporta um murmúrio crítico que deve tomar por aleivosia maliciosa. Não é a primeira a cair na esparrela. Carrilho fez o mesmo a António Barreto e ficou a ver navios quando o Tribunal da Relação de Lisboa mandou arquivar o processo por entender que Barreto "agiu no âmbito da sua liberdade de expressão e de crítica". E, juro, estavam lá epítetos bem mais apimentados que as frases utilizadas por Pulido Valente no post sobre CFA, designadamente "um ministro rasca de um governo débil", "suburbano", "pavão", "grosso" e "sonso". O regime, desde os seus mais altos dignatários até aos seus ocasionais serventuários, não gosta de ser criticado. Curiosamente é da chamada crítica e do comentário que CFA vive, pelo menos desde que abandonou o sotão do PS no Rato onde tratava dos recortes de imprensa. Também se imagina escritora, mas daí não vem mal ao mundo. Basta consultar os escaparates da FNAC para emergirem imediatamente dezenas de "talentos literários" perfeitamente convencidos de que o são e que andavam, até ali, adormecidos. Agora apeteceu-lhe ser mesmo caprichosa, como a sua pluma, e atacar um blogue. Não deve ir muito longe.

10.3.06

M.A.C.E

Ao saber disto, decidi "fundar" o M.A.C.E: o Movimento de Apoio à Continuação do Espectro. Não é por nada. Mas não me resigno a uma fugaz aparição blogosférica da Constança e do Vasco Pulido Valente. Dá-me vontade de ir embora a seguir.

LA CIFRA

La amistad silenciosa de la luna
(cito mal a Virgilio) te acompaña
desde aquella perdida hoy en el tiempo
noche o atardecer en que tus vagos
ojos la descifraron para siempre
en un jardín o un patio que son polvo.
¿Para siempre? Yo sé que alguien, un día,
podrá decirte verdaderamente:
No volverás a ver la clara luna,
Has agotado ya la inalterable
suma de veces que te da el destino.
Inútil abrir todas las ventanas
del mundo. Es tarde. No darás con ella.
Vivimos descubriendo y olvidando
esa dulce costumbre de la noche.
Hay que mirarla bien. Puede ser última.


Jorge Luis Borges

ENCAIXAR

"Pela amostra de ontem poderemos dizer que nos próximos tempos haverá um Presidente a falar claro e um Primeiro-Ministro a encaixá-las. Se o país ganhar com isso e não é difícil depois de tantos anos de desastre político como foram os últimos, já não será nada mau."

Jorge Ferreira, "O Presidente", in Tomar Partido

A MAIS

Quando já praticamente nos tínhamos esquecido dele, eis que Freitas do Amaral, em Salzburgo, volta à carga. No rescaldo de debate parlamentar do "topete", da revisitação psicanalítica das suas relações com o CDS e da "compreensão" que manifestou perante as turbas ululantes e violentas dos mundos islâmicos, Freitas tratou agora de chamar ignorantes aos que o criticaram. Adiantou que "não reformulava essa frase [a da "compreensão"], apenas talvez a explicasse a quem não sabe aquilo que só os ignorantes podem ignorar" e que "juridicamente compreender significa perceber as causas e condenar significa discordar e considerar negativo o facto". Esta escolástica jurídico-patética e a adjectivação utilizada pelo MNE não são recomendáveis a um ministro de Estado. Aparentemente Freitas nunca compreendeu bem o lugar que ocupa no governo e nem consegue, com um módico de bom senso, interpretar a realidade. Está, sem dar por isso, cada vez mais a mais.

WHY

Por que raio é que as pessoas são mentirosas? Deu-me assim* , não sei porquê, para esta interrogação recorrente do Greg House.

9.3.06

QUANTO BASTA

O discurso de posse de Cavaco Silva confortou-me. Ao contrário daqueles que viram nele a "retoma" da "pose" de chefe de governo, eu fiquei satisfeito por perceber que este vai ser um presidente diferente. Previsível, como disse outro dia o dr. Portas, porém diferente. Cavaco falou de "exigência" para além da mera - tantas vezes hipócrita - "cooperação institucional". Isso é bom. Os poderes constitucionais do PR não servem apenas para proferir banalidades. O PR não deve ficar refém do jargão parlamentarista ou do "presidencialismo do primeiro-ministro", tão defendidos pelas "agendas" mediáticas e pelo politicamente correcto. Tem de ter um pensamento próprio e não ter receio de, se for esse o caso, ser o liderante institucional do regime. É quanto basta.

O GESTO

No final da cerimónia da tomada de posse do novo Chefe do Estado, seguiu-se a habitual e entediante sessão de cumprimentos. Desde os convidados estrangeiros ao mais anónimo cidadão presente, praticamente toda a gente passou pelo Salão Nobre da AR. Até Santana Lopes, um homem indiscutivelmente cortês, foi apertar a mão de Cavaco Silva. Todavia quem se esgueirou pela chamada "esquerda baixa" foi Mário Soares, desaparecido desde o dia 22 de Janeiro, que fugiu indiscretamente dos cumprimentos como o diabo da cruz. Como burguês bem educado e como político experimentado, Soares, por uma vez, não esteve à altura da sua biografia e do seu estatuto "senatorial". A sua idiossincrasia não lhe permite aceitar em bons termos a emergência definitiva do "camponês de Boliqueime" como supremo magistrado da nação. O gesto - feio - é só o que sobra.

19 º PRESIDENTE

8.3.06

HEIDEGGER

Estava a ler no "hors-série" do Magazine Littéraire dedicado a Martin Heidegger que, por ocasião do seus oitenta anos, Hannah Arendt disse uma coisa certeira: que o pensamento de Heidegger contribuiu decisivamente para determinar a fisionomia do século XX. Eu, modestamente, considero-o "apenas" o melhor filósofo desse século inacabado.

O CARTÃO

Sobre o "cartão único" que aí vem, o fundamental já está dito por Vasco Pulido Valente aqui. Não vale a pena bater no ceguinho, apesar de haver por aí muito "modernaço" que deve achar esta "inovação" uma maravilha e um "progresso". "Portugal está cheio de liberais, mas de uma espécie rara que não se preocupa muito com a liberdade. Não vi um único sinal de incómodo com o chamado "cartão do cidadão", que o dr. António Costa se prepara para "experimentar" (?) até ao fim do ano. Esse cartão vai ser ao mesmo tempo cartão de contribuinte, cartão de saúde, cartão da segurança social, cartão de eleitor e bilhete de identidade. (...) Com o novo cartão, basta carregar em meia dúzia de botões e uma pessoa fica instantaneamente nua para exame e gozo da autoridade. De qualquer autoridade, reparem bem, na prática irresponsável e sem nome, que a decida investigar."

UM OUTRO DIA

Jorge Sampaio concedeu uma derradeira entrevista ao Diário de Notícias. Vale sobretudo pela "explicação" acerca das dissoluções, qualquer coisa que nitidamente o perturbou. E também vale pela melhor frase política lá produzida e que prova que Sampaio, quando quer, também sabe ser "político". "Foi um tempo de mudanças: os pais da pátria terminaram", diz Sampaio dos seus dez anos em Belém. Tem razão. Essencialmente por dois motivos. Por um lado, com a posse de Cavaco Silva inicia-se um ciclo presidencial diferente dos últimos trinta anos e do qual, pela primeira vez, o PS está ausente. Depois, porque a chegada a este ciclo correspondeu ao fim da mitologia "soarista" - pai, filho e adjacências - tal como a conhecíamos, obrigando o patriarca a redefinir a forma como daqui em diante se deverá dirigir ao país quando desejar intervir (e eu espero que o volte a fazer). Sampaio, se outros méritos não teve, tem pelo menos o da "dessacralização" dessa ideia anti-republicana do "pai da pátria". Amanhã é um outro dia.

7.3.06

HOUSE


Vale a pena ver, sobretudo pelo "feitio" maravilhoso do protagonista. Passa na FOX e na TVI.

UM DE NÓS


Por estranho que pareça, quase que subscrevo na íntegra o artigo de José Medeiros Ferreira sobre Jorge Sampaio, retirando-lhe as intimidades e as maldades. "Bati-lhe" forte e feio no ano em que aceitou a debandada de Barroso e em que foi complacente com a trapalhada de Santana Lopes. Não aprecio a sua visão timorata do cargo que deixa daqui a dois dias, já que, mesmo com as duas dissoluções, acabou por deixar um lastro de presidente parlamentarista. Todavia, agora que se aproxima do final dos seus dois mandatos, importa fazer-lhe alguma justiça global. Sempre considerei que Jorge Sampaio seria um Presidente próximo de nós e respeitador das nossas individualidades e diferenças. À sua maneira, não foi outra coisa. Também à sua maneira, quase como um mediano funcionário público, cumpriu o seu papel. Respeitou literalmente a Constituição – que lê mais como jurista do que como político -, sem excessos, rasgos ou concessões. Não julgo que tenha jamais feito “favores” a qualquer Governo - Santana Lopes foi uma espécie de “vício na formação do acto” -, nem que tenha ajudado a minar oportunidades à oposição. Considero, aliás, que a afectividade que colocou no exercício do cargo, apesar das trivialidades e da propensão doentia para a irrelevância, fazem dele, com naturalidade, um de nós. Para o melhor e para o pior.

EU VOLTO

Chega hoje pela televisão por cabo, através da SIC-Notícias, o dr. Portas. Para o efeito pretendido, por ora basta. Os últimos maiores actos eleitorais - as legislativas e as presidenciais -, goste-se ou não, deram mais sentido à palavra crediblidade do que as peripécias imediatamente anteriores de que o dr. Portas prudentemente se afastou sem se afastar completamente. O seu "estado da arte" deverá reflectir essa singular ambiguidade: a do político que já foi e que quer voltar a ser, e a do polemista que a pose de Estado forçou a ficar provisoriamente para trás. Portas quer obviamente ser um dia primeiro-ministro e gozar de alguma respeitabilidade geral. Suspeita-se maior que o seu pequeno partido, mas ainda pressente que é insuficente para a "direita" que conta. Em suma, o Portas político e o Portas polemista precisam de se crediblizar já que é esse o traço que move o eleitorado desconfiado. Para já, quer um lugar vagamente ao sol entre Sócrates e Cavaco, dois políticos austeros e nada dados a libertinagens. Marques Mendes e Ribeiro e Castro não contam. Pode ser que tenha graça.

6.3.06

PEQUENOS MONSTROS

De acordo com um estudo da especialidade, cerca de vinte e seis milhões de criancinhas do espaço da União Europeia serão obesas em 2010. Às gerações devoradores de McDonalds é preciso juntar idêntico consumo de computadores, de jogos de consola e de televisão. A ideia da criatura saudável aparentemente só começa a preocupar os costumes a partir da meia-idade. Os pequenos monstrozinhos sem pescoço podem engordar à fartazana, normalmente com a benção embevecida dos papás, que daí não vem nenhum mal ao mundo. A publicidade também ajuda. Só velhinhos e pré-velhinhos, ou executivos e executivas com ar de idiotas, é que aparecem nos anúncios anti-gorduras, pró-exercício físico e a favor de iogurtes mágicos. Para as "crianças" está reservada toda a espécie indistinta de paraísos. O convite à engorda é inelutável. Doses maciças de chocolates sobre as mais variadas formas bem como de batatas fritas e coca-cola fazem as delícias da solidão infantil e adolescente. Os pais, para manterem o seu "bem-estar", entregam as criancinhas a si mesmas e aos seus fantasmas. Isso troca-se por rebuçados, gelados, hamburgers, um jogo ou um dvd. Há quem chame a isto felicidade, baseado naquela estúpida ideia que associa a felicidade à barriguinha. Não convém preparar uma sociedade de pequenos monstros em todos os sentidos.

SOBRE...



... isto é mesmo só isto.

SINAIS

José Sócrates fez uma visita relâmpago à Finlândia. Parece que o propósito consiste em familiarizar-se com as chamadas "boas práticas" - um jargão que por cá é consumido em doses industriais por muita gente sem que se dê pelo efeito - em matéria de escolas. Está-se mesmo a ver o resultado da "importação" das ditas "boas práticas" para as nossas escolas, para os nossos professores e, sobretudo, para as nossas maravilhosas criancinhas. Não importa. Nada como acreditar, seja lá no que for. Acontece que à saída da escola finlandesa perguntaram ao primeiro-ministro o que é que achava da parte da entrevista de Cavaco Silva ao ABC espanhol na qual ele - e bem - declarava morta e enterrada a constituição europeia. Sócrates não se fez rogado em explicitar que qualquer outro passo em frente nesse âmbito tem sempre de ter por base o texto moribundo. Esta "nuance" não deixa de ser interessante. Cavaco não falou de outra coisa na entrevista senão de política externa. Um sinal. E Sócrates, pelos vistos, percebeu e já respondeu. Outro sinal. Isto vai ser mais divertido do que pensávamos. Ainda bem porque andamos demasiado pasmados.

5.3.06

UM RETRATO

Eu gosto de "retratos", de "perfis" e de biografias. Não conheço, em dois ou três esclarecedores parágrafos, melhor "retrato" da "hipotética dra." Clara Ferreira Alves, uma ex-santanete soarista, do que o que foi feito aqui por Vasco Pulido Valente. É pena que ela e mais três ou quatro idiotas úteis apareçam, felizmente a uma hora esquecível, num frívolo exercício televisivo supostamente destinado a "dizer mal". Devia seguir-se um programa para dizer mal deles.

ANIMALIDADES

Acordei com a notícia de uns frangos de aviário, devidamente mortos, aparecidos numa ravina do Rio Vouga. Seriam à volta de quinhentos, "em adiantado estado de decomposição", embrulhados em sacos de ração e que terão sido aparentemente despejados de uma altura de cerca de duzentos e cinquenta metros em relação ao leito do rio Vouga. Ficaram "espalhados numa ravina com uma inclinação de cerca de oitenta por cento" o que dificulta a sua remoção. Para além da javardice, há ainda o risco de contaminação do leito do rio, coisa que obviamente não ocorreu aos imbecis que promoveram o exercício. Este espectáculo entre o macabro e o ridículo é bem o espelho de uma certa miséria comportamental que não conseguimos varrer da nossa sociedade. Esta animalidade que de vez em quando emerge das suas próprias trevas, exibe em todo o seu esplendor o nosso irremediável atraso. No meio das "populações", o termo benigno utilizado pelos media para caracterizar o incaracterístico, esconde-se muitas vezes a perversão analfabeta e a má fé. Para o comum do português, desconfiado e bimbo, o "outro" só existe sob a forma de inimigo e a paisagem praticamente não conta. Este crime ambiental ficará impune como tantos outros. A força inquietante da inércia pode muito. A ignorância pode muito mais.

4.3.06

DEFINIÇÃO


"O ser humano é um filho da puta. Assumamos esta realidade e aprendamos a viver com ela."

Arturo Pérez-Reverte, via Minha Rica Casinha

PRINCÍPIO DE CONVERSA

Na entrevista de "balanço" de um ano ao Expresso, Sócrates avisa que "o mais difícil é o que está por fazer". Ou seja, de uma cajadada, o chefe do governo matou dois coelhos. Avisou a pátria, espremida e esquálida, que não há ainda lugar para concupiscências e libertinagens. E, simultaneamente, "preparou" Cavaco para a "cooperação estratégica", vista pelo lado dele. Para já estão conversados.

O RESTO FIEL


1. Por causa deste texto de Vasco Pulido Valente, fui ler a "homília de quarta-feira de cinzas" do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo. Fui ver onde é que "encaixava" a "crítica" ao "direito à blasfémia". Vale a pena ler a passagem completa (sublinhados meus). "A primeira interpelação da Quaresma é a de tomarmos Deus mais a sério. É o grito, em tom dramático, do Profeta Joel: “Convertei-vos a Mim de todo o coração, com jejuns, lágrimas e lamentações. Rasgai o vosso coração, não os vossos vestidos. Convertei-vos ao Senhor vosso Deus” (Jl. 2,12-13). E São Paulo, em tom igualmente sério, escreve aos Coríntios: “Nós vos pedimos, em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus” (2Cor. 5,20). Se nós, os cristãos, não acolhemos estes apelos, quem os há-de ouvir? Este é o maior problema espiritual, com consequências morais, da nossa cultura contemporânea: relativizou-se Deus. Está na moda fazer profissão de fé de agnosticismo; o homem, considerado como individuo e não como pessoa, necessariamente comprometido com uma comunidade, tornou-se o único critério de verdade e de discernimento ético; Deus deixou de ter lugar na história. Apesar do apregoado respeito pelas religiões e pela fé de quem acredita, alguns não hesitam em brincar com o sagrado; chegou-se mesmo a apregoar, em nome da liberdade, o direito à blasfémia. Fiquem sabendo que para nós que buscamos o rosto de Deus e procuramos viver a vida em diálogo com Ele, isso nos indigna e magoa, porque temos gravado no nosso coração aquele mandamento primordial: “não invocarás o Santo Nome de Deus em vão”. Como afirmou um prestigiado colunista, que aliás se confessa descrente, com o sagrado não se brinca. O respeito pelo sagrado é algo que a cultura não pode pôr em questão, mesmo em nome da liberdade. A todos esses que sentem não acreditar em Deus, eu digo em nome do povo crente: a vossa dificuldade em acreditar em Deus, não toca na realidade insofismável de Deus. Nós respeitamos a vossa descrença, e não hesitamos em dar-vos as mãos em todas as lutas pelo bem e por causas justas. Mas respeitai a nossa fé, mesmo no exercício da vossa liberdade; sobretudo respeitai Deus em quem acreditamos."
2. Duas ou três observações. O "relativismo" tomou conta dos costumes e é hoje, em praticamente todas as "áreas", o "pai espiritual" do "pensamento único". A forma mais fácil e simplificada de o homem se olhar e de olhar o mundo é a do filisteu. O filistinismo é, por essência, o paraíso do lugar-comum, do relativismo e da concepção da vida como pura "vida material". D. José Policarpo pergunta: "que significado tem a Quaresma no contexto da nossa sociedade contemporânea, onde muitos não acreditam em Deus, onde, mesmo muitos cristãos, não cultivam a fé como relação viva e confiante com Ele, onde a Sua Palavra não é luz que ilumina a vida, onde a Sua Lei não interpela a liberdade, onde a doutrina da Igreja é pura sugestão? A Quaresma é, para a Igreja, um momento de verdade, de se assumir como “resto fiel”, Povo que o Senhor escolheu e conduz. É tempo para assumirmos corajosamente a nossa diferença, no mundo em que vivemos: diferença na fé, nas motivações e nos critérios". Esta é efectivamente a Igreja de João Paulo II e, agora, a de Joseph Ratzinger. Duvidosamente podia ser outra coisa: "o resto fiel", diferente na fé, "nas motivações e nos critérios". Pedir-lhe "outra coisa" é pedir-lhe que deixe de ser Igreja, "esta" Igreja.
3. No livro O Sal da Terra, Ratzinger é muito claro: "A Igreja também adoptará outras formas. Parecer-se-á menos com as grandes sociedades para ser cada vez mais uma Igreja de minorias, para viver em pequenos círculos vivos de pessoas realmente convictas que tenham fé e que actuem a partir dessa fé. Mas é precisamente assim que se tornará outra vez, para usar uma expressão bíblica, no "sal da terra". Nesta mudança fundamental, a constante de que o Homem não é destruído na sua dimensão essencial, volta a ser mais importante, e as forças que o podem apoiar como Homem tornam-se tanto mais necessárias. Por isso, a Igreja precisa, por um lado, da flexibilidade para aceitar as atitudes e as regras que se transformaram na sociedade e para se desligar de interdependências anteriores. Por outro lado, ela precisa cada vez mais da fidelidade para preservar o que deixa o Homem ser Homem; o que faz com que ele sobreviva e mantenha a sua dignidade. Ela tem de manter tudo isto e de manter o Homem aberto ao alto, a Deus; porque só daí pode vir a força de paz neste mundo".
4. Quando, em O Sal da Terra, o entrevistador pergunta a Ratzinger se existem muitos caminhos para Deus, o então cardeal responde simplesmente:" tantos, quanto há pessoas". Os filósofos pragmatistas criticam a distinção platónica entre a aparência e a realidade, entre a "alma" e o "corpo" e não sentem qualquer tipo de necessidade "exterior", de um "mais-além". Eu, como bom céptico e péssimo crente, duvido embora acredite naquilo a que Nietzsche chama os "nós secretos da vida". Para a humanidade indiferente, não existe uma "moral" ou uma "estética". A sorte dessa mal chamada "humanidade" é que ainda há homens que contrariam o "humano" para tentar dar um qualquer "sentido" ao "resto", fiel ou não. Isto apesar de já nenhum "sentido" nos salvar ou danar, se existir algum.

3.3.06

O DIREITO À IRREVERÊNCIA

Puede llegar a ocurrir lo mismo algún día en la Europa de Voltaire, la de las luces, la que instauró como un principio básico de la civilización el derecho de crítica, de irreverencia, no sólo ante los gobiernos sino también ante los dioses, la libertad de expresión y la convivencia de diversos credos, costumbres e ideas en una sociedad abierta? Vale la pena preguntárselo, porque, a raíz del escándalo de las viñetas blasfemas, una buena parte de la Europa que disfruta de esa cultura de la libertad ha mostrado una prudencia o desgano en la defensa de lo mejor que tiene y que ha legado al mundo. Parecería que el poder de intimidación del extremismo islamista comienza también a tener efectos estupefacientes en el corazón mismo de la cuna de la democracia. (...) Buena parte del silencio de cierta izquierda ante este asunto se debe a que tiene serias dudas sobre cuál es la opción políticamente correcta en este caso. ¿Echarle la culpa de todo al pasado colonialista y racista del Occidente que por su política de humillación y saqueo de los países musulmanes creó el resentimiento y el odio que hoy se vuelven contra él? ¿Defender las actitudes de los extremistas musulmanes en nombre del multiculturalismo? ¿Demostrar, acogotando la sindéresis, que detrás de todo esto están las torvas garras de los Estados Unidos? ¿O, mejor, evitar pringarse en un asunto tan especioso y replegarse una vez más en lo seguro, lanzando las valientes arengas contra la guerra de Irak y la avidez de la Casa Blanca para apropiarse del codiciable oro negro del ocupado Irak y del pobre Irán que se ve obligado a armarse de armas atómicas para no verse engullido por las trasnacionales? Cuando uno piensa que la izquierda estuvo en Europa en la vanguardia de la lucha por conseguir aquella libertad de expresión y de crítica que hoy día está cuestionada por el fanatismo y la compara con la de nuestros días, dan ganas de llorar.
Mario Vargas Llosa, El Derecho a la irreverencia, La Nacion, traduzido e publicado na "6ª", suplemento do Diário de Notícias

O RIDÍCULO MATA

Ia escrever sobre a alegada prioridade dada pela nossa Polícia Judiciária ao combate ao terrorismo - uma coisa que nos espreita diariamente da Buraca à Cedofeita - em relação, por exemplo, ao crime económico. Todavia, o José Medeiros Ferreira já disse o essencial.

PORTUGAL DOS PEQUENINOS


Não bastaram os altos “exemplos” da defunta Alta Autoridade para a Comunicação Social. A mania interventora e regulamentadora que caracteriza um certo “Portugal dos Pequeninos”, comum à ditadura e aos melhores dos democratas, produziu a “Entidade Reguladora para a Comunicação Social, uma espécie de lápis-azul democrático destinado a velar pelos bons costumes, para já, jornalísticos. Também não bastavam os “agentes de autoridade” que temos por aí espalhados atrás das secretárias, dos balcões ou de uma moita, no meio da estrada. Os “novos reguladores” são, de acordo com a lei, “agentes da autoridade”, o que, em linguagem chã, quer dizer que podem “aceder às instalações, equipamentos e serviços” das entidades que estão sujeitas à sua “regulação”, bem como "requisitar documentos para análise e requerer informações escritas” como quaisquer outros agentes de investigação criminal ou vasculhadores de veículos em circulação. E para estas meritórias funções nem sequer é preciso um mandado judicial. A “Entidade” é, nesta matéria, um “deus ex machina” que pode irromper em qualquer altura na redacção de um jornal, de uma rádio ou de uma televisão para “aceder” ao que lhe aprouver ou para “requisitar” o que lhe apetecer. O país, entediado pelos milhões prometidos pelo “plano tecnológico”, pela OTA ou pelo TGV, não dá praticamente por nada. Até Jorge Sampaio não parece muito incomodado com este sibilino ataque à liberdade de imprensa – é sempre por onde se começa – e o amável dr. Santos Silva, que via “golpes de estado constititucionais” a espreitar por detrás de Cavaco Silva, é tão-somente o ministro socialista da tutela e o “pai espiritual” desta “Entidade Reguladora” destinada, pelos vistos, a evitar a famosa “licenciosidade”, um jargão introduzido noutro contexto pelo seu inspirado colega dos Negócios Estrangeiros. Os partidos nunca souberam lidar convenientemente com a comunicação social e sempre oscilaram entre o temor reverencial e o controlo abstruso. O poder aprecia vigiar. Hoje os jornalistas. Amanhã nós.
(publicado no Independente)

2.3.06

"PARÂMETROS"

Percebo, pelo Minha Rica Casinha, que o dr. Vitor Ramalho, uma das mentes "lúcidas" que ajudaram a empurrar Mário Soares para o desastre de Janeiro último, se enganou "nos parâmetros". Eu vi e ouvi o que o dr. Ramalho disse vezes sem conta na SIC Notícias acerca da campanha presidencial, do seu candidato e do agora presidente eleito. E sei que, logo a seguir às eleições autárquicas, o mesmo dr. Ramalho defendia, no antigo cinema Eden, que Soares desistisse. No texto citado pelo MRC, Ramalho remete aparentemente a culpa para Soares depois de ter sido um dos seus mais fiéis cortesãos-coveiros. Razão tem Maria de Fátima Bonifácio no seu artigo para a Atlântico: "Confiado na sua lendária capacidade para desencadear uma vaga de fundo a seu favor - um cálculo que os "amigos" e a "Corte" por certo lhe confirmaram - declarou-se pela terceira vez candidato à Presidência da República, para impedir que esta lhe fosse arrebatada pelo seu velho rival e apropriada pela "Direita". Foi, como se viu, um "erro de gnose". Um "erro" que, pelos vistos, Ramalho já sacudiu do seu capote para cima de Soares. Não valia a pena.

EYES WIDE SHUT


Não se deve disparar sobre uma ambulância.

"CHEGAR À FRENTE"

Provavelmente o que vou escrever a seguir é uma heresia. No Insurgente defende-se que Manuela Ferreira Leite deveria suceder a Marques Mendes na liderança do PSD designadamente por as circunstâncias exigirem "alguém com reputação de rigor orçamental". Sem negar, antes pelo contrário, essa qualidade à ex-ministra das Finanças, gosto sempre de lembrar que MFL não é propriamente uma "política". Fora as pastas ministeriais, o único cargo com dimensão política - em sentido estrito - que ocupou foi o de líder da bancada parlamentar e, ao contrário de Marques Mendes, não deixou saudades. E quando esteve à frente da distrital de Lisboa, em cujas listas colaborei, o único lastro visível que deixou foi... António Preto. A um chefe da oposição não lhe basta ser um razoável ou mesmo bom técnico que se "mete" na política. Cavaco, Guterres, Barroso, mesmo Santana Lopes e Sócrates chegaram onde chegaram - a S. Bento - por causa da política e não exactamente por saberem fazer contas. A notoriedade de MFL, tal como a de Marcelo, por outros motivos, catapulta-os naturalmente para as preferências dos "barómetros". Todavia isso não produz nenhum líder e, muito menos, uma política. Mendes ainda anda à procura da sua e o congresso deve dar-lhe fôlego para a perseguir. Não julgo que esta seja "a hora" de mais ninguém até porque mais ninguém se deve achar na sua "hora". Muito menos Ferreira Leite se deve "chegar à frente".

O IPO


Há cerca de três, quatro anos, passei uma lúgubre temporada em que corria todos os dias para o Instituto Português de Oncologia de Lisboa. Tive tempo suficiente para ver morrer muita gente de idades variadas enquanto esperei pela morte, felizmente tranquila, do meu pai. No meio da coisa, ficou-me uma boa impressão geral do pessoal do IPO. Médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar. Leio que o dr. Correia de Campos e que o director do IPO pretendem "vender" os terrenos de Palhavã e mudar o IPO para Oeiras ou para outro lugar qualquer. O IPO não é um hospital vulgar. Centenas de pessoas vêm dos locais mais remotos de país para tratamento ou internamento em Palhavã. É verdade que os oitenta anos das primeiras instalações pesam. E que aparentemente quaisquer obras adicionais não resolvem a questão, segundo o director. Todavia não pode ser indiferente à decisão a localização do Instituto. É, parece-me, importante manter a "centralidade" do mesmo e não pensar sequer dois minutos em transpô-lo para os arrabaldes de Lisboa. Este é um daqueles serviços públicos que não pode estar à mercê do caprichismo político. Que a criatividade incontinente do dr. Correia de Campos não lhe limite a visão razoável da realidade.

LER

Na Grande Loja, "a retoma que não chega" .

TRIVIA

Felizmente que é já daqui a uma semana que Jorge Sampaio passa a meu igual. Ontem, num acesso justificado pela ausência em Timor, o ainda presidente escarrapachou trinta e três medalhas em lusos peitos. Estava "atrasado" dez dias. Até ao fim haverá mais gestos desta frívola natureza. Ainda faltam, julgo eu, os assessores, os mordomos, os contínuos e os motoristas. Se Cavaco Silva se descuida, acaba condecorado no próprio dia da posse ou, então, a condecorar Sampaio. Seria sempre um mau começo.

"MEDIDAS"


Eu não devo nada ao Fisco. Normalmente o Fisco é que me deve todos os anos alguma coisa. Como solteiro e sem filhos, uma maldição fiscal, pago mais que o comum português cheio de crias e de esperteza saloia. Acresce que trabalho "por conta de outrem" pelo que não tenho maneira de escapar. Aliás, são os "por conta de outrem" e o IVA quem paga o "sistema". O resto é praticamente "peanuts". A boca do cofre, previamente escancarada pela "retenção na fonte", encarrega-se do exercício. Apesar das evidências, este governo, como os anteriores, supôe que vai combater a "evasão fiscal". O dr. Teixeira dos Santos, um voluntarista simpático, anunciou para Julho a exposição pública, via internet, dos contribuintes devedores de determinados montantes, montantes esses que irão baixando ao longo dos anos e, presume-se, "engrossando" a lista. O governo espera que, com esta medida, os devedores se comovam e se envergonhem e, mansamente, paguem o que devem. Por outro lado, o dr. Teixeira dos Santos também decidiu "atacar" as reclamações. Quem reclamar, fica automaticamente sujeito à quebra do sigilo bancário e pode ver as suas continhas devassadas. Trocadas por miúdos, estas "medidas" representam mais um avanço do Estado contra o "indivíduo", pessoa ou empresa, no sentido de lhe criar um sentimento de culpa "social" e simultaneamente fazer cair sobre o devedor o opróbrio colectivo. Vizinhos, inimigos de estimação, invejosos e simples voyeurs têm aqui "pano para mangas" sem sequer o Fisco ter a certeza de que os visados se importem excessivamente com a exposição e passem a cumprir automaticamente. A verdade é que quem foge ao Fisco é visto pela populaça como um herói e o pagador respeitável como um tanso. Por isto, não tenho a certeza de que estas "medidas" representem um passo em frente ou se, pelo contrário, são mais uma máscara para tapar o essencial que continuará, evidentemente, escondido.
Adenda: O João Caetano Dias, ex-Jaquinzinhos, ex-camarada do Pulo do Lobo e actual Blasfemo, lembrou-me, e bem, de outras situações equivalentes à maldição fiscal dos solteiros. Aqui e aqui.

1.3.06

A LISTA DE MAILER

"The March of Progress" é um artigo de Norman Mailer para a revista The Nation. Nele Mailer fornece uma listagem comparativa entre o "moderno" e o "pós-moderrno" para chegar ao que mudou nos costumes. Vale a pena consultar a lista de Mailer.

A REALIDADE

De acordo com um estudo a ser entregue ao prolixo ministro Correia de Campos, um em cada três hospitais públicos não oferece condições de segurança para partos. Ou seja, um em cada dez bebés é dado à luz em maternidades de duvidosa qualidade, sobretudo por causa da falta de "pessoal especializado", sejam eles médicos ou enfermeiros. Esta manifestação de periferia e de indigência não se coaduna aparentemente com aquelas exibições modernaças ligadas ao "plano tecnológico". A qualificação dos recursos humanos e materiais é o "choque" de que o país precisa quase desde os tempos do pobre Afonso Henriques. De nada adianta "pôr o carro à frente dos bois" porque a realidade, essa, entra assim, em qualquer altura, sem se fazer anunciar.

28.2.06

LIMITAÇÕES - 2

Depois de "gis" , "traços de gis" , de Fernanda Câncio, um belíssimo texto no Glória Fácil . "há uma semana a gis talvez ainda existisse na cave daquela construção embargada no porto. talvez o grupo de jovens que a matou tenha saído à rua como nos dias anteriores, com mais umas maldades engenhosas em mente, a caminho do seu espantoso passatempo (e há quem fale em 'crime inconsciente'? agora também há torturas 'inconscientes' de pessoas que duram dias? a sério?) (...) e não me venham dizer que é normal que ainda não tenha sido mostrada, na tv ou nos jornais (que eu tenha visto, ressalvo) a cara desta mulher que morreu. não é preciso explicar que a exibição de um rosto é uma estratégia básica de humanização e identificação -- e que a sua recusa é uma estratégia básica de abolição.queremos assim tanto que isto não tenha acontecido que negamos um rosto à vítima? queremos assim tanto esquecer aquilo que supostamente ainda não sabemos?"

ALEGRIA PASMADA


Pasmaceira é a palavra que me ocorre para definir o presente "estado da arte". O Carnaval é um período deprimente destinado a evidenciar, de forma colorida e brutal, a nossa endémica miséria. Basta olhar para as barriguinhas proeminentes das sambistas de província para perceber do que falo. Os pais das criancinhas esmeram-se por as idiotizar um pouco mais. E, em casos mais graves, são os próprios adultos que dão margem à sua alegria forçada exibindo trajes e trejeitos adequados à época. Uma das piores coisas do mundo consiste em fingir a alegria. Entre nós - país periférico, pobre, sem memória seja do que for e pronto a render-se ao primeiro espectáculo "mediático" que lhe aparecer pela frente justamente para se esquecer daquilo que é - é normal que se "finja" a alegria e que se afogue a tristeza em álcool ordinário. É por isso que esta nossa alegria é uma alegria pasmada, sem conteúdo real. No fundo, queremos gritar ao mundo que estamos na merda, mas que estamos vivos. Que fraca consolação.

27.2.06

ATLÂNTICO


Comprei e fui ler, bem mandado pelo Steiner, para um café. Ficaram lidas as duas prosas de Maria de Fátima Bonifácio, um excelente "obituário político" do "soarismo" (a ele voltarei) e uma outra sobre "costumes", a de Filomena Mónica sobre a ausência de Deus na vida dela (e só Deus sabe como ela tem andado às voltas com a sua "identidade"), a de Constança Cunha e Sá que termina com a sua chegada à blogosfera e a de José Manuel Fernandes. Há muito mais (a Carla, por exemplo, disserta sobre blogues), naturalmente, para ler aos bocados. De qualquer forma, era só para dizer que vale a pena.