Ninguém tem sido tão metodicamente expulso do seu dia como Camões. Nos últimos anos e, por força das circunstâncias políticas, o 10 de Junho é mais um pretexto para derrames sobre essa coisa esquisita e vaga que é a "portugalidade" do que para recitar, que seja, um humilde verso do homem. Hoje, em Castelo Branco, a "portugalidade" apareceu sob a forma de "interioridade". Barreto, sempre com a sua gravitas profética, dirigiu-se ao país num registo de interpelação directa através do uso da segunda pessoa do singular. Cavaco mobilizou Mattoso e Orlando Ribeiro, as pedras, as árvores e os arbustos para evidenciar um interior que há muito morreu atascado pela força do betão e dos serviços e pela trivial necessidade de ir embora em busca de outra coisa. E os jornalistas mobilizaram-se, uma vez mais, para arrancar palavrinhas a velhos e novos protagonistas como ainda há uma semana atrás andavam a fazer. É, só, aliás, o que sabem fazer. Como escreve Pulido Valente no Público, «ficaram ainda na televisão e nos jornais multidões de génios com o diagnóstico e cura da crise portuguesa no bolso, falando ininterruptamente como se nos tencionassem salvar amanhã de manhã. São economistas, engenheiros, médicos, políticos, gestores, filósofos, funcionários, diplomatas, mil e uma espécie de amadores, cada um com a sua loucura e a sua importância.» Conclui - e o 10 de Junho serve perfeitamente enquanto apoteose simbólica destes lugares-comuns - pelo óbvio. «Ninguém quer ou consegue responder à pergunta crucial: como se chegou aqui?» Neste ponto, talvez valha a pena, então, recuperar o nosso genial poeta e deixar a tralha habitual para trás a remoer, se puder, na resposta. «Mas eu que falo, humilde, baixo e rudo,/de vós não conhecido nem sonhado?/ Da boca dos pequenos sei, contudo,/ que o louvor sai às vezes acabado./ Nem me falta na vida honesto estudo,/ com longa experiência misturado,/ nem engenho, que aqui vereis presente,/cousas que juntas se acham raramente.»