9.4.10

MAIS UM RETRATO DE UM PAÍS EM FUGA DE SI MESMO

«Valença, praça-forte contra o invasor do costume, encheu-se de bandeiras espanholas por causa de atendimentos médicos. Só as consultas da caixa mobilizam a população a ponto de as Urgências serem mais importantes do que a pátria. Como as manifestações e outras acções do repertório dos movimentos sociais não chegaram, foi preciso esta semana recorrer à provocação final, a das bandeiras estrangeiras. A sociedade civil mobiliza-se mais e com mais eficácia contra medidas governamentais quando atraída por formas de acção inovadoras, mediáticas e aparentemente desligadas dos partidos e de como muitos vêem a própria política. E, de facto, vários políticos profissionais ofenderam-se com as bandeiras espanholas agitadas no húmus sagrado da pátria. A provocação simbólica ignorou o cardápio do politicamente correcto. O mesmo maravilhoso povo que há seis anos, a pretexto do futebol, encheu todas as janelas disponíveis com bandeiras verde-rubras, para alegria própria e do poder, fez agora a desfeita ao mesmo poder de desfraldar as amarelo-rubras. Pelas imagens e declarações, percebeu-se que a cena das bandeiras espanholas foi apenas uma provocação, mais para levar os media a explorar o inédito do que por sentimentos antipatrióticos. Os valencianos estão contra o Governo, não contra o seu país. As bandeiras espanholas não escandalizaram porque na fase actual nada escandaliza. Se o primeiro-ministro aparece envolvido em casos atrás de casos, se o Governo faz exactamente o contrário do que prometeu, se a crise se agrava enquanto Sócrates propagandeia diariamente moinhos de vento renovável, porquê escandalizarmo-nos com bandeiras espanholas como repertório de acção de agit-prop popular? O clima político tem-se degradado gradualmente, semana a semana, desde Setembro. Isso nota-se também nos media. Enquanto os noticiários da RTP continuam a missão oficial de gerir os danos que a política governamental causa ao próprio Governo, os noticiários da SIC e da TVI não seguem a mesma reverência perante o querido líder. Nos últimos meses, nas aparições públicas que ainda mantém em agenda, Sócrates aparece como um político acossado. A central de propaganda tentou que as televisões não fizessem perguntas "fora da agenda" ao chefe do Governo. Na altura, a RTP e a SIC aceitaram, mas a TVI noticiou o próprio caso. Agora, que há perguntas inconvenientes, Sócrates não responde. Foge dos jornalistas, foge das perguntas à vista das câmaras e dos espectadores. E, como se viu na TVI, às 13h10 de terça-feira, está rodeado de seguranças que empurram à bruta os repórteres quando estes fazem perguntas que lhe desagradam, incluindo sobre as bandeiras. É a lei do mais forte, comentou o repórter Amílcar Matos em directo. A prazo, veremos se a lei do mais forte é a dos "gorilas" de Sócrates ou a da liberdade de o mostrar em fuga. Protegido pelos empurrões dos guarda-costas, Sócrates em fuga realça o carácter de propaganda das mesmas "TV opportunities" de sempre a que ele ainda vai: fala do palanque, com cenário e discurso preparados, repete no final aos jornalistas o auto-elogio que fizera no palanque (que ou é sobre as energias renováveis ou é sobre as energias renováveis) e foge depois a perguntas sobre a crise, o desemprego, as falências, a dívida externa, a possível recessão, as bandeiras em Valença, os prémios do seu Mexia, os casos incríveis em que esteve ou está pessoalmente metido. Estas marcantes imagens televisivas de uma acção contra o Governo por cidadãos agitando bandeiras estrangeiras e de um primeiro-ministro fugindo da realidade por via de empurrões de guarda-costas retratam a situação do país: um barril de pólvora em cima de um pântano sistémico.»


Eduardo Cintra Torres, Público

11 comentários:

  1. A verdade é que logo a seguir as TVs vão cobrir os tempos de antena e passeios de Sócrates, que muitas vezes anunciam novos mundos que nunca chegam, como a Intel, o evento do relatório da OCDE, a unidose, a fábrica de vacinas com os funcionários todos vestidos a rigor e a produzir (mas nunca construida!) e todas as outras fábricas de água quente engarrafada que o tipo anda para aí a anunciar e cujo custo das festanças deve ser já superior aos salários do Sr.Mexia. Excepção feita à TVI, que há algum tempo recusou cobrir um evento como retaliação, as TVs têm sido veículos de propaganda ao serviço de tudo, menos de Portugal e da verdade.

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  2. Quando Sócrates cair, o grande problema do PS vai ser só um: é pouco provável que nos próximos quinhentos anos apareça outra criatura com tanta lata, tanta lábia, tanta casa pirosa, tanto serviço prestado pro bono, tão descarado e de carácter tão duvidoso como este. Se é que alguém ainda tem dúvidas! Mesmo hoje em dia, um tipo destes quase só se encontra nos filmes.

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  3. VALENÇA (SEGUIDO DE CONSIDERAÇÕES SOBRE OLIVENÇA, JÁ QUE UMA COMPARAÇÃO ENTRE AS DUAS
    CRESCE NOS "BLOGUES")(1)

    É, de facto, impressionante a cegueira das nossas autoridades no que toca a questões de
    soberania. Primeiro, foi a Maternidade de Elvas... o que priva portugueses de Direitos de
    Cidadania! Na verdade, se dentro de trinta e cinco anos um elvense quiser ser Presidente
    da República, NÃO O PODERÁ ser, por Não ter nascido em território nacional.
    Isto é uma estupidez!
    A irresponsabilidade dos dirigentes portugueses, a sua falta de sentido de estado e de
    dignidade, parece não ter fim.
    Voltando a falar de Valença , penso que falta em Portugal uma política minimamente
    coerente de
    dignidade nacional. Por exemplo, conheço bem a raia alentejo-extremadura, e fico
    estupefacto quando oiço os "alcaldes" (espanhóis, obviamente) das localidades
    fronteiriças dizerem-me que, estando as suas localidades a representar Espanha na
    fronteira, têm de ser "salas de visitas", e, portanto, estar bem cuidadas para não dar
    uma má impressão! Ora, do lado português, parece haver um cuidado extremo... mas, ao
    contrário, em mostrar e acentuar (aqui com a cumplicidade do Governo de Lisboa) o que é
    inferior, o que é mau, e em dizer, mesmo quando isso nem é assim, que "o lado espanhol é
    que é bom e desenvolvido". Isto é suicídio político e de dignidade, digamos assim.
    Por outro lado, sejamos objectivos! O "Alcalde" de Tui não deveria afirmar que vai abrir
    um centro de SAÚDE JÁ A PENSAR NOS PORTUGUESES! Isto parece querer dizer "nós pensámos
    nos pobrezinhos (coitados!) que são os desgraçados dos nossos vizinhos de Portugal". Vejo
    isso como uma forma de ingerência... mesmo porque sei que, se algum Presidente de Câmara
    Português tivesse um gesto semelhante para com uma localidade espanhola, logo a Imprensa
    espanhola reagiria com indignação a dizer que " espanhóis não precisam de esmolas", e
    "que os espanhóis resolvem os seus problemas sem recorrer a terceiros". Esta é a grande
    diferença entre governantes actuais dos dois maiores estados ibéricos (Andorra existe!).
    Os governantes portugueses nada estão a fazer por Valença. Governantes espanhóis, perante
    um caso similar, já teriam reagido... como o fizeram quando se içaram bandeiras
    portuguesas na Galiza, a propósito de uma questão desportiva.
    Já agora, eu estive em Rio d´Onor há cinco anos, e vi, na parte espanhola,, a
    disponibilidade de helicópteros militares espanhóis de P. Sanabria para levar doentes
    para Zamora... apesar de o Hospital de Bragança estar a vinte Quilómetros...
    Há realmente, repito, muita irresponsabilidade por parte das autoridades de Lisboa. Estas
    situações criam melindres e ressentimentos. Tudo, afinal, o que pode vir a ser pouco
    saudável na
    convivência entre Estados Ibéricos...

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  4. VALENÇA (SEGUIDO DE CONSIDERAÇÕES SOBRE OLIVENÇA, JÁ QUE UMA COMPARAÇÃO ENTRE AS DUAS
    CRESCE NOS "BLOGUES")(2-FIM)

    Leio várias comparações entre Valença e OLivença... que em alguns blogues se diz estar
    agora melhor que no tempo
    português... e que Valença, com sorte, poderia seguir o mesmo destino... convém
    esclarecer que, segundo as fontes espanholas... era, em 1801, uma cidade
    comparável a Badajoz (História da Extremadura Española, Col. Universidade da Extremadura,
    1996 (mais ou menos), livro de bolso ). Hoje, tem dez mil habitantes, cerca de 65% do que
    tem Estremoz, que
    em 1801 tinha pouco mais de metade do que Olivença. Para além disso, a História, a
    Cultura, a Língua, foram apagadas ( e ainda são! Não se ensina aos oliventinos, na
    escola, NADA da sua História).
    Ainda volto a Olivença...pois leio em blogues espanhóis a queixarem-se de que Portugal
    é ridículo nas suas reivindicações, e que acabaria por pedir São Félix dos Gallegos e
    Ceuta...francamente! São Félix dos Galegos foi cedida a Espanha nas "pazes" gerais de
    1411; Ceuta foi cedida a Espanha em 1668, por tratado. Não são casos comparáveis a
    Olivença, que LEGALMENTE deveria ter sido reentregue a Portugal. Alguns dos meus
    antepassados tiveram de sair de lá...
    E, devo dizer, pasmo com o argumento "tempo". Depois de Duzentos anos está tudo
    resolvido... O que dizer de Gibraltar, ocupado há trezentos anos...
    Mais: este argumento permitiria que qualquer país ocupasse territórios vizinhos, mesmo de
    forma ilegal! Bastaria "aguentá-los" na sua posse durante...200 anos? Tudo ficaria
    "legal"?
    Sou pela amizade de Portugal e Espanha, mas como iguais. Não estou disposto a observar o
    que se passa em Olivença, isto é, em plena Democracia, a manutenção de um sistema de
    ensino que não informa os oliventinos, de uma toponímia colonialista, de apelidos
    falsificados.
    O Estado Português tem feito o que pode... e sem dúvida poderia e deveria fazer mais.
    Mas... como ir muito mais longe? Declarar uma Guerra? Só assim a Espanha respeitaria os
    Acordos Internacionais? Que dignidade mostraria Espanha dessa forma?
    Quero uma amizade Ibérica. Sem "rabos de palha". Situações dessas só servem para guardar
    ressentimentos. Calados quando é conveniente. Mas... vêm ao de cimo à mínima
    dificuldade... e com violência! Olhe-se a Jugoslávia nos anos 1990!!!
    Estremoz, 09-Abril-2010
    Carlos Eduardo da Cruz Luna

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  5. Muito bem analisado, muito bem escrito e transmitido.

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  6. Que grande (e certeiro) texto. A pessoa do Público que escolhe a "frase do dia" devia ler o próprio jornal de vez em quando.

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  7. Alves Pimenta6:15 da tarde

    Um texto notável, como é habitual em Eduardo Cintra Torres.
    Retrata com fidelidade a situação de um país que, oito séculos e muitos heróis depois, acabou por cair nas mãos de um bando chefiado por um sujeito desqualificado e não vê como desembaraçar-se dos malfeitores.

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  8. Merkwürdigliebe8:32 da tarde

    "Enquanto os noticiários da RTP continuam a missão oficial de gerir os danos que a política governamental causa ao próprio Governo, os noticiários da SIC e da TVI não seguem a mesma reverência perante o querido líder."
    Não é verdade e afirmá-lo serve os interesses do partido que tomou conta do Regime, pelo menos desde que a TVI acabou jornalísticamente. Se não seguem o mesmo temor reverencial, disfarçam bem. De resto, muito muito bom retrato.

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  9. Grande e intrépido Eduardo. Infeliz pátria expatriada de si mesma.

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  10. Um senhor este Cintra Torres! Na mouche!
    Acho piada aos da situação como os do "Eixo do Mal" quando o atacam, se houvesse confronto de argumentos os do "Eixo" voltavam já para as suas tocas para lamber as feridas.

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  11. Muito bom texto,
    que esperamos para acompanhar Valença e colocar bandeiras de Espanha na janela?

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