29.8.09

CONTRA O MAMBO-JAMBO PIEDOSO


«Já citei mais de uma vez uma das cartas ficcionais de Fradique Mendes a Madame de Jouarre, em que este descreve a sua chegada de comboio a Lisboa. A carta é uma cruel metáfora sobre Portugal, das mais cruéis e desapiedadas que conheço, e mortiferamente verdadeira. Nela cabe da pior maneira a indústria do "sonho", da "esperança" do "optimismo", com que uns se pretendem distinguir dos outros como sendo melhores. Eles "sonham", os outros não. Essa espécie de oração sobre a "esperança" e o "sonho" tem outras variantes, como seja: "temos que acreditar em nós próprios", "somos capazes", "os portugueses só sabem dizer mal de si próprios diferentemente dos outros povos que nunca o fazem" (quem diz isto não sabe nada dos "outros povos"), "não se pode só dizer mal", etc., etc. Este mambo-jambo piedoso apenas pretende manter os portugueses numa espécie de estado de estupor cívico, ignorando a sua realidade e os seus problemas, envolvendo-os naquilo que o mesmo Eça chamava o "manto diáfano" da mentira. Este "manto diáfano", muitas vezes mais para o nevoeiro espesso do que para o "diáfano", é assegurado pela propaganda dos poderosos, mas também pela credulidade emocional dos destinatários. O que está de mais cruel na carta de Fradique é a a afirmação de que o êxito desse marketing da "esperança" é que ele tem sucesso, não porque os portugueses tenham qualquer esperança, mas sim porque lhes agrada ouvir esse discurso, na exacta medida em que também lhes agrada o seu oposto, o catastrofismo absoluto. Não tendo que ser bipolares, algum dos lados está errado, ou então somos incapazes de nos colocarmos ao centro, no domínio da Razão. Estão sempre a acenar-nos com o Pathos, e o Pathos "passa" bem quer na televisão quer na retórica política produzida por cínicos para as massas. Sensatez - escassa; expectativas irrealistas - muitas. É o "sonho".»

José Pacheco Pereira, Público (sublinhados meus)

1 comentário:

  1. «Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
    Todos o são, mesmo os melhores, às suas horas,
    e todos estão contentes de se saberem sacanas.
    Não há mesmo melhor do que uma sacanice
    para poder funcionar fraternalmente
    a humidade da próstata ou das glândulas lacrimais,
    para além das rivalidades, das invejas e mesquinharias
    em que tanto se dividem e afinal se irmanam.
    Dizer-se que é de heróis e santos o país,
    a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
    Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
    ingénuos e sacaneados é que foram disso?

    Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
    Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
    porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
    que a nobreza, a dignidade, a independência,
    a justiça, a bondade, etc., etc., sejam
    outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
    a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
    No país dos sacanas, ser sacana e meio?
    Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
    Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
    Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
    Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.»

    Jorge de Sena, 10/10/1974
    Publicada por joshua em 4:11 PM
    Etiquetas: Jorge de Sena, país de sacanas
    1 comentários:
    www.angeloochoa.net disse...
    mIRE-SE UM BEM AO ESPELHO NESTE DE sENA POEMETO...

    http://joshuaquim7.blogspot.com/2009/08/no-pais-dos-sacanas.html

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