«Não penso que o "povo" - esse mito romântico - jamais tivesse chegado à Índia sem um Dias ou sem um Gama, que os Gregos se tivessem disposto ir até aos confins do mundo se não tivessem a loucura grandiosa de Alexandre a espicaçá-los. Ter-se-iam ficado, quando muito, pelo primeiro saque e com a barriga cheia de vinho e violações das primeiras conquistas. O povo quer sardinhas na brasa, um copo de vinho e uma broa. O grande mito do nosso tempo reside precisamente aqui: o de fazer crer que somos todos iguais. O grande erro é o de fazermos das elites povo, atrelando-as ao estômago e à sardinha a fumegar numa broa saída do forno. Antes, ensinava-se na academia que morrer era um privilégio reservado àqueles que serviam as pátrias. Hoje, ensina-se-lhes tabelas remuneratórias, sociologia e outras fantasias. As estátuas que povoam os nossos jardins, praças e avenidas não são propriamente as de comedores de caracóis ou libadores de néctares.»
Miguel Castelo-Branco, in Combustões
Miguel Castelo-Branco, in Combustões
Dias , Gama, Alexandre não sao povo ?? Sao alienigenas destinados a reconduzir hordas de humanos desgovernados ?? Que concepção mais restrita de "povo" ... AS revolucoes americana e francesa nao conseguiram mudar certas mentalidades ...
ResponderEliminarÉ pena que aqueles que se apressam para morrer ao serviço da pátria nunca se contentam de morrerem sozinhos.
ResponderEliminarE se os feitos de um Dias ou Gama, e a "loucura grandiosa" de Alexandre resultavam em algo mais do que numa carnificina inútil de um Genghis Khan, isso deve-se a homens como Sócrates, Aristoteles, Solon, Jesus, esses sim comedores de caracóis ou libadores de néctares.
Penso que o Miguel está certo: o Povo, Ente Cego e Aleatório em tudo, nada teve a ver com iniciativas visonárias decisivas de raiz e génese individual.
ResponderEliminarMas se calhar teve tudo a ver com hecatombes perpetradas por anti-visionários, temendo-os, subscrevendo-lhes o sangue e a sanha, submetendo-se-lhes alarvemente.
Fora da perspectiva romântica afagadora de colectivos que não se podem afagar, tudo germina, Dias, Gama, Alexandre, por haver um Povo a quem agradar. Agradar ao Povo, ainda que superficialmente e ilusoriamente.
O Povo é a derradeira sedução para quem tem Um Olho e quer Reinar: para quem escrevemos? Para quem falamos? Quem podemos influenciar? Quem podemos seduzir? De que PescaNovas se faz a Política? De que Fim da Publicidade na RTP? De que entretenimentos e alienações não se lança mão por causa de uma ideia aparvalhante de Povo?
Cuidado, João! Temos de ter cuidado com o encerramento para obras do Rosto de um Povo.
O conceito de Povo Eleito não é nada romântico, mas tecitura histórica com genealogia e nome próprio, com impressões digitais e heroísmos imperceptíveis, sangue derramado, decisões extraordinárias. Nem é preciso remontar a conceptualizações românticas para reconhecer isto.
PALAVROSSAVRVS REX
Curiosamente, foi um dos fundadores da Sociologia que disse isto, há muitos anos.
ResponderEliminarOra, perceberam muito bem o que o Miguel quis dizer com "povo". Muito simplesmente, aquela gente bem retratada no Museu Carnavalet, a delirar de gozo diante da guilhotina. Aquela gente que Goya tão bem pintou em feiras ou saturnais (quase indestrinçáveis); Aqueles tipo que surgem nas fotos do 5 de Outubro, com carabinas na mão e logo, com as tesouras e medidores frenológicos; e, para não me alongar, lembram-se do PREC (vão ao Youtube, delirarão de gozo com as imagens da "comprativa", da "dinamização cultural", etc.)? É essa mesma gente que vemos aos berros no Preço Certo, nos Donos da Bola, nas Noites da Má Língua e Eixo do Mal, no Big Show Sic... Se acham que podem governar o país, avisem. É uma forma de ir finalmente solicitar o novo passaporte.
ResponderEliminarNunio Castelo-Branco
O Nuno, porque me conhece, sabe e acertou. Todos devemos entender o povo como unidade e a ele pertencemos. Contudo, esse povo "ventre-ao-sol" dos outros tempos, já não existe. Em seu lugar temos a ralé e a canalha, alguma com muito dinheiro, cheia de si e sem humildade para adquirir civismo na proporção das inegáveis facilidades que a vida moderna oferece. Falava dessa canalha, mas sobretudo daquela que se passeia pelos clubes de empresários, pelas televisões e pelos corredores do poder. Essa, sim, é perigosa.
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