26.2.07

MONSTROS

Zero vírgula quatro na redução das pendências processuais, e Sócrates não faz a coisa por menos: primeira vitória sobre o monstro. Sobre o monstro do desemprego - a crescer - nem uma palavra. Há monstros menos monstros do que outros.

2 comentários:

  1. as medidas de excepção provocaram isso...

    e ainda quer combater a baixa produtividade, este Sócrates!!!

    amén

    RPM

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  2. Leiam este texto escrito por um professor de filosofia que escreve
    semanalmente para o jornal O Torrejano.



    Tudo o que ele diz, é tristemente verdadeiro...

    O atestado médico por José Ricardo Costa

    Imagine o meu caro que é professor, que é dia de exame do 12º ano e
    vai ter de fazer uma vigilância.

    Continue a imaginar. O despertador avariou durante a noite. Ou fica
    preso no elevador. Ou o seu filho, já à porta do infantário, vomitou o
    quente, pastoso, húmido e fétido pequeno-almoço em cima da sua
    imaculada camisa.

    Teve, portanto, de faltar à vigilância. Tem falta.

    Ora esta coisa de um professor ficar com faltas injustificadas é
    complicada, por isso convém justificá-la. A questão agora é: como
    justificá-la?

    Passemos então à parte divertida. A única justificação para o facto de
    ficar preso no elevador, do despertador avariar ou de não poder ir
    para uma sala do exame com a camisa vomitada, ababalhada e
    malcheirosa, é um atestado médico.

    Qualquer pessoa com um pouco de bom senso percebe que quem precisa
    aqui do atestado médico será o despertador ou o elevador. Mas não. Só
    uma doença poderá justificar sua ausência na sala do exame. Vai ao
    médico. E, a partir este momento, a situação deixa de ser divertida
    para passar a ser hilariante.

    Chega-se ao médico com o ar mais saudável deste mundo. Enfim, com o
    sorriso de Jorge Gabriel misturado com o ar rosado do Gabriel Alves e
    a felicidade do padre Melícias. A partir deste momento mágico, gera-se
    um fenómeno que só pode ser explicado através de noções básicas da
    psicopatologia da vida quotidiana. Os mesmos que explicam uma hipnose
    colectiva em Felgueiras, o holocausto nazi ou o sucesso da TVI.

    O professor sabe que não está doente. O médico sabe que ele não está
    doente. O presidente do executivo sabe que ele não está doente. O
    director regional sabe que ele não está doente. O Ministério da
    Educação sabe que ele não está doente. O próprio legislador, que manda
    a um professor que fica preso no elevador apresentar um atestado
    médico, também sabe que o professor não está doente.

    Ora, num país em que isto acontece, para além do despertador que não
    toca, do elevador parado e da camisa vomitada, é o próprio país que
    está doente.

    Um país assim, onde a mentira é legislada, só pode mesmo ser um país doente.

    Vamos lá ver, a mentira em si não é patológica. Até pode ser racional,
    útil e eficaz em certas ocasiões. O que já será patológico é o desejo
    que temos de sermos enganados ou a capacidade para fingirmos que a
    mentira é verdade.

    Lá nesse aspecto somos um bom exemplo do que dizia Goebbels: uma
    mentira várias vezes repetida transforma-se numa verdade. Já
    Aristóteles percebia uma coisa muito engraçada: quando vamos ao
    teatro, vamos com o desejo e uma predisposição para sermos enganados.
    Mas isso é normal. Sabemos bem, depois de termos chorado baba e ranho
    a ver o "ET", que este é um boneco e que temos de poupar a baba e o
    ranho para outras ocasiões. O problema é que em Portugal a ficção se
    confunde com a realidade. Portugal é ele próprio uma produção
    fictícia, provavelmente mesmo desde D.Afonso Henriques, que Deus me
    perdoe. A começar pela política. Os nossos políticos são
    descaradamente mentirosos. Só que ninguém leva a mal porque já estamos
    habituados. Aliás, em Portugal é-se penalizado por falar verdade,
    mesmo que seja por boas razões, o que significa que em Portugal não há
    boas razões para falar verdade. Se eu, num ambiente formal, disser a
    uma pessoa que tem uma nódoa na camisa, ela irá levar a mal. Fica
    ofendida se eu digo isso é para a ajudar, para que possa disfarçar a
    nódoa e não fazer má figura. Mas ela fica zangada comigo só porque eu
    vi a nódoa, sabe que eu sei que tem a nódoa e porque assumi perante
    ela que sei que tem a nódoa e que sei que ela sabe que eu sei. Nós,
    portugueses, adoramos viver enganados, iludidos e achamos normal que
    assim seja. Por exemplo, lemos revistas sociais e ficamos derretidos
    (não falo do cérebro, mas de um plano emocional) ao vermos casais
    felicíssimos e com vidas de sonho.

    Pronto, sabemos que aquilo é tudo mentira, que muitos deles
    divorciam-se ao fim de três meses e que outros vivem um alcoolismo
    disfarçado. Mas adoramos fingir que aquilo é tudo verdade.

    Somos pobres, mas vivemos como os alemães e os franceses. Somos
    ignorantes e culturalmente miseráveis, mas somos doutores e
    engenheiros. Fazemos malabarismos e contorcionismos financeiros, mas
    vamos passar férias a Fortaleza. Fazemos estádios caríssimos para dois
    ou três jogos em 15 dias, temos auto-estradas modernas e europeias,
    mas para ver passar, a seu lado, entulho, lixo, mato por limpar,
    eucaliptos, floresta queimada, barracões com chapas de zinco, casas
    horríveis e fábricas desactivadas.

    Portugal mente compulsivamente. Mente perante si próprio e mente
    perante o mundo.

    Claro que não é um professor que falta à vigilância de um exame por
    ficar preso no elevador que precisa de um atestado médico. É Portugal
    que precisa, antes que comece a vomitar sobre si próprio.

    __________________________________________

    António Manuel Águas Borralho

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