31.12.06

NÃO HÁ COMO UM ANO DEPOIS DO OUTRO



"Pensem quais podem ser as razões básicas para o desespero.
Cada um de vocês terá as suas. Proponho-vos as minhas:
a volubilidade do amor, a fragilidade do nosso corpo,
a opressiva mesquinhez que domina a vida social,
a trágica solidão em que no fundo todos vivemos,
os reveses da amizade,
a monotonia e a insensibilidade que andam associadas ao costume de viver."

Enrique Vila-Matas, Paris nunca se acaba

Não há como um dia depois do outro. Por acaso de calendário, o dia de hoje fecha um mês e fecha um ano. Há muitos anos que já não existem anos diferentes. Não adianta olhar para trás. O passado está pejado de cruzes. As dos nossos mortos, as dos nossos "ideais", as dos nossos desejos, as dos nossos amantes - bonita expressão a de Hervé Guibert, "o mausoléu dos amantes" -, as das nossas múltiplas vidas. Todo o homem é um ser complexo e só os pobres de espírito podem supor que tudo corre como numa auto-estrada no meio do deserto, sem trânsito e sem outra paisagem que não o sol e o céu azul. Proust escreveu que era preciso guardar um pouco de céu azul na nossa vida, logo esse nervoso genial que se fechou num quarto para remoer "o tempo perdido". Não, não adianta olhar para trás. Aos quarenta e seis está-se mais perto dos cinquenta do que dos vinte, dos trinta ou mesmo dos quarenta. Provavelmente houve um tempo para tudo da mesma forma que haverá agora um tempo para um outro tudo. Nas magníficas páginas iniciais do seu "Saint Genet - comédien et martyr", Sartre adverte que, sermos ainda o que vamos deixar de ser e sermos já o que seremos, é a mais solene e trágica das nossas condições. Olho para o futuro com a esperança do "progressista" que não sou. Não há como um ano depois do outro.

7 comentários:

  1. Parabéns pelo post.
    Votos de um Novo Ano mais feliz!

    Continue a escrever.

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  2. Adorei o post. Importa-se que o publicite?

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  3. 2007.
    "Um pouco mais de sol...
    Um pouco mais de azul..."
    Um pouco mais de paz, alegria e de esperança.

    Cumprindo o ritual:

    Feliz Ano Novo!

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  4. «Ainda somos o que vamos deixar de ser e já somos o que seremos».

    (Paul-Eugéne Charbonneau)

    Afinal isto é de Sartre ou de Charbonneau ?

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  5. ..quando o leio, apetece-me logo largar o trabalho e pegar num livro....Afinal, só "eles" me preenchem....me proporcionam muito prazer....e me afastam, momentaneamente, do que não presta!

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  6. CARTA DE ANO NOVO 1963
    [Heiner Müller - Adolfo Luxúria Canibal / Miguel Pedro]

    Um ano findou-se no barulho
    Dos sinos e dos fogos de artifício. O jornal
    Que será trazido dentro de uma hora
    A ti na tua cidade a mim na minha cidade
    Por uma velha mulher com as suas velhas pernas
    Três filhos mortos na guerra mas nenhum jornal
    O REICH O NEUES DEUTSCHLAND O RHEINISCHER MERKUR
    Anunciará um melhor ano como de costume
    E o que é negro no teu jornal tu sabe-lo
    É branco no meu jornal nós sabemo-lo
    Sem cessar a erva cresce na fronteira
    E a erva deve ser arrancada
    Sem cessar que cresce na fronteira
    E os arames farpados devem ser plantados
    Sem cessar pela bota cardada
    EU SOU A BOTA QUE PLANTA OS ARAMES FARPADOS
    Frente à minha janela sobre uma árvore do parque
    Só como um bêbado na madrugada
    Uma velha gralha bate ruidosamente as asas
    Os varredores municipais ALL OUR YESTERDAYS
    Começaram o seu trabalho
    Muitas coisas voltam muitas outras não
    O coração é um grande cemitério
    NO PARQUE OS CHOUPOS SUSSURRAM
    QUEM MORA NA MINHA CABEÇA

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  7. tambem de um livro dele ha uma frase que se aplica, so por vezes, para sermos justos, ao seu blog. Fala de um relogio de parede antigo em que estava escrito: "quem muito me olha, perde o seu tempo"

    nao leve a mal, foi so uma provocacao!!

    bom ano

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