3.12.10

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS TUDÓLOGOS


«Em França, onde as realidades vernáculas se elevam facilmente ao estatuto da grandeur cartesiana, chama-se aos tudólogos os “editocratas”, comunicadores que “falam de (quase) tudo dizendo (realmente) o que quer que seja”, como escrevem os quatro autores do livro Les Éditocrates, de 2009. Enquanto o conceito de tudólogo refere ironicamente um suposto conhecimento universal, o de editocrata coloca a questão onde deve estar: a detenção do poder de editorializar a realidade, de a pôr na agenda mediática. Os tudólogos franceses têm uma presença ainda mais alargada do que os portugueses, porventura porque o sistema mediático arrancou décadas antes: Alain Duhamel, um dos analisados no livro, começou a “editorializar” na imprensa em 1963, antes de passar para a rádio, a TV e os escaparates das livrarias. Leva mais uma década do que Marcelo Rebelo de Sousa. No seu conjunto, os editocratas franceses falam “o tempo todo, de manhã à noite, da noite à manhã, de segunda a domingo.” E “nunca se calam”. Quem “fizer a aposta um pouco louca de atravessar uma semana inteira sem tropeçar em Jacques Attali ou Bernand-Henri Lévy em todos os cantos dos media, saberá, pela amarga experiência do fracasso, que tal desafio é impossível de vencer.” Segundo os autores, esta “elite” por ninguém eleita formata o pensamento consoante a onda do momento e opina sobre tudo. Os editocratas “podem, com a mesma segurança, dissertar hoje sobre a crise financeira, amanhã sobre o desaparecimento de Michael Jackson ou a urgente necessidade de economizar água da torneira, e ainda, depois de amanhã, sobre a guerra do Afeganistão”. Muito dados ao “ar do tempo”, tendem a partilhar as mesmas “ideias”, com pequenos matizes, embora se digam “destruidores de tabus”. Vai-se o mesmo caminho nos media portugueses. A televisão precisa de “talking heads”, por não ter para mostrar outras imagens, mais baratas, por não ter mais reportagens, notícias, documentários. Recorrem aos mesmos tudólogos a toda a hora, fazendo do comentário entretém e passatempo. Os canais de notícias como a SICN, a TVI24 e a RTPN abundam em “tudólogos encartados”, como lhes chama um blogue, mas os generalistas também os utilizam para que, com os seus comentários, reorganizem ideologicamente o mundo caótico das notícias. Os tudólogos mais referidos pela blogosfera são Miguel Sousa Tavares, Marcelo Rebelo de Sousa, Clara Ferreira Alves, José Pacheco Pereira, Ricardo Costa, Moita Flores, e Pedro Marques Lopes, este uma personagem que foi invadindo diversos media e a quem, de facto, nunca ouvi uma única ideia interessante. Segundo o leitor Q num blogue, ele “transformou-se em vedeta nacional de um dia para o outro, desde que foi recomendado por Fernanda Câncio, é mais um especialista em tudo, ou ‘tudólogo’, a acrescentar à lista nacional.” O destino cumpriu-se: juntou-se aos outros tudólogos de Eixo do Mal, o insuportável programa de má-língua política da SICN. Alguns internéticos distinguem entre os tudólogos do género de Pedro M. Lopes e os especialistas que falam do que sabem ou que se preparam estudando as matérias e não alinhavam umas “bocas”. Como escreveu Isabel, numa caixa de comentários: a opinião dum conhecedor como Rui Ramos “deveria valer a de cem mil tudólogos que falam e escrevem sem fundamentação, só porque sim e só porque lhes facultaram o poleiro de onde debitam.” A praga do ruído tudólogo nos media acaba, assim, por prejudicar a atenção por quem realmente pode acrescentar o conhecimento e o raciocínio de leitores e espectadores. Os tudólogos parecem entreter, mas afinal contribuem para um generalizado cansaço noticioso das pessoas, uma irritação latente para com a vida colectiva. Como Isabel, o internético Ricardo Valente fez uma sábia observação, referindo que os tudólogos são um sinal da liberdade de expressão: “lê-se dia sim, dia sim pela internet (…) a crítica ao ‘tudólogo’. Dezenas e dezenas de vezes Marcelo Rebelo de Sousa é acusado por... ‘falar sobre tudo’”, mas “quem pensa assim é que está muito mal. Alguém conhece alguma razão minimamente compatível com as ideias de democracia e liberdade que justifique que uma pessoa se dedique a um só assunto e que, de preferência, opine pouco, e fique caladinha?” Os tudólogos são, digo eu, um preço a pagar pela liberdade e pela necessidade dos canais de TV de encher 24 horas por dia. Para beneficiarmos de um bom tudólogo ou especialista, que contribua com qualidade para a esfera pública, precisamos de passar por cima das manadas de tudólogos que poluem o “media ambiente”. Diderot, no século XVIII, estabeleceu o “achismo” e a crítica como criação de espaços de liberdade. Mas também disse que o aparecimento da crítica tinha tornado melhores os melhores, mais exigentes consigo, enquanto “as pessoas sem talento, pelo contrário, se tornaram atrevidas”.»


Eduardo Cintra Torres, Público (sublinhados meus)

Adenda: ECT refere Rui Ramos. Ramos é das poucas pessoas "públicas" por quem nutro uma genuína estima pessoal e intelectual. Há dias perguntei-lhe se lhe tinha "acontecido" alguma coisa na tvi24 de onde, subitamente, desapareceu. O próprio não tinha explicação para o facto porque, tipicamente, ninguém lhe tinha dito nada. Apesar disto, a tvi24 (tal como a sicn ou a outra pública que não vejo) continua a apostar em programas de tudologia em que vigora uma espécie de cumplicidade engraçadista. Dizem todos as mesmas coisas de forma aparentemente diversa e, depois, riem-se muito. Li agora, enquanto comia umas salsichas frescas com couve-lombarda, o Correio da Manhã. Na sua coluna, Francisco José Viegas costuma recomendar livros. Desta vez sugere um, da D. Câncio, e remata dizendo que "fazem falta pispinetas". Só se for a ele que, na qualidade de membro da comissão política da candidatura do prof. Cavaco, devia antes responder a isto. Todavia, a ideia é idêntica - "quadratura do círculo", mesmice, amiguismo, ruído, emptiness. Estão bem uns para os outros na sua pseudo-diferença indiferente.

12 comentários:

  1. Muito honrado por ter sido citado por Eduardo Cintra Torres.

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  2. Mas, afinal, quem é esse Pedro Marques Lopes? Que qualificações ou obra feita tem o homem para tanto tempo de antena que gasta a dizer banalidades, resumindo em meia dúzia de sentenças as suas leituras dos jornais, sem um só pensamento original sobre o que quer que seja? Só lhe ouvi, até hoje, chorrilhos de patetices debitadas em tom de sabichão; parece que se vê como defensor de uma qualquer teoria neo-liberal mas, de cada vez que abre a boca para falar em assuntos económicos, mostra bem que nem sabe o que isso é. Uma tristeza! Mas é só começar a aparecer nas revistas cor de rosa, se é que não apareceu já, e pronto, aí temos mais um figurão a arrecadar euros à custa da ignorância e imbecilidade de quem não distingue o trigo do joio. Hélas!

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  3. Anónimo5:10 p.m.

    Já tive ocasião, em tempos, de comentar sobre esta autêntica praga constituída pelos comentadores, analistas, fazedores de opinião(?) altura em que destaquei essa aberração chamada Pedro Marques Lopes e quero dizer que apreciei muito o artigo em questão do ECT, pessoa que me dá muito prazer ler.

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  4. Carlos S. de Matos6:23 p.m.

    O artigo da Câncio, no DN, é pura e simplesmente miserável, como é costume.
    Já ontem ou anteontem, no Facebook e depois no blogue Delito de Opinião, um tal Venda, que se pretende escritor (!), atacava Cavaco Silva nos mesmos termos.
    Tanto a "pispineta" Câncio como o pigmeu Venda sabem perfeitamente que, antes do 25 de Abril, quem quer que pretendesse exercer funções públicas - fosse a de contínuo ou professor universitário - tinha de subscrever a declaração em causa.
    No referido blogue, tentei aconselhar o Venda a vasculhar, quanto a essa matéria, o passado de alguns dos seus amigos "antifascistas de sempre", que pululam nos partidos ditos de esquerda... O "escritor" não esteve com meias medidas: censurou-me o comentário, que não servia o seu velho ódio ao comprovinciano candidato a PR.
    Estamos, pois, conversados quanto à seriedade desta gentalha.

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  5. O tudólogo não existe, mas existe o omnisciente (que sabe tudo) e o omnílogo (que estuda tudo). Ora se for o último caso, deve-se opinar sobre o que se estuda ou sabe! Se existem os tais "tudólogos" é uma questão de cultura geral, embora possam tornar-se chatos, por incomodarem certos fanatismos e intenções de domínio.
    Se forem parciais, na condição de feitores de opinião, então são instrumento de hipnotização das massas, contra outras tendências...! Incomodam-se mutuamente!

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  6. Anónimo7:53 p.m.

    O texto da Câncio é digno de uma esbirra a soldo desta asquerosa canalha. Baixíssimo nível. Confere.

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  7. Penso que o termo "tudólogo" é da autoria do José da Porta da Loja. Pelo menos foi dele que li pela primeira vez, há alguns anos, referindo-se a MST.
    Pelo que contém de irónico, prefiro-o ao equivalente francês "editocrata", que me parece zombeteira para o trabalho do editor. Nisto discordo de Cintra Torres.

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  8. Anónimo1:18 a.m.

    O "grande escritor" F. José Viegas deveria informar-se melhor antes de cometer erros ortográficos nos seus escritos, jornalísticos, literários ou outros, incluíndo a oralidade (volta e meia profere calinadas verbais no programa de televisão de que é convidado habitual), pois deve ter um respeito especial por quem o lê e ouve relativamente à língua portuguesa, cuja correcta ortografia e igual verbalização, dada a sua enorme expansão no mundo, deveriam ser para ele pontos de honra, sobretudo atendendo à profissão que exerce e à responsabilidade que a mesma acarreta, da qual é suposto ser arauto.

    Bem basta já o falazar inadmissível dos "nossos cultíssimos" políticos(?) , dos escritores de meia tigela e dos pseudo-jornalistas que temos por aí, que conseguem a extraordinária façanha de falar e escrever muito pior do que as criadas de servir dos tempos dos meus pais e avós - já para não falar no inacreditável jogo linguístico e na sematologia dos opinantes que andam pelas televisões a debitar sentenças quase diàriamente e jornalistas que o fazem igualmente em artigos d'opinião e crónicas, que são de pôr os cabelos em pé ao telespectador mais distraído e ao leitor menos atento. (Sabia o senhor FJV que muitos dos nossos emigrantes, que eram (e muitos ainda são) analfabetos ou próximo disso, APRENDERAM a escrever e a ler o português através dos programas de televisão emitidos a partir de Portugal e também através dos nossos jornais, revistas e eventualmente livros, a que conseguiam ter acesso nos países d'acolhimento?).

    Isto passou-se durante décadas e por estranho que pareça o mesmo ainda continua a verificar-se nos tempos que correm. Daí o cuidado extremo como se deve falar e escrever a nossa língua porque ela irá ser totalmente assimilada por todos quantos longe da Pátria a seguem àvidamente com o intuito de aprender a falar e a escrever o mais correctamente que lhes for possível a nobre língua que pelos nossos zelosos antepassados nos foi legada e da qual, nós, os que a respeitamos, cultivamos e veneramos, nos sentimos sobremaneira orgulhosos.

    Saiba o senhor FJV que na língua portuguesa não existe a palavra "pispinetas" que empregou na sua coluna de jornal, de que vejo aqui a transcrição. Existe, sim, no nosso riquíssimo vocabulário, o substantivo feminino PISPIRRETA, que suponho dever ter sido o que queria significar.

    Quanto ao artigo de ECT, estou totalmente em consonância.
    Maria

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  9. Anónimo2:18 a.m.

    Caro João,

    a tudóloga sua amiga, a MMG, vai agora para o canal do Dr Balsemão, o aristocrata de Bilderberg. O que acha disso, isto é, da tudologia de MMG face às restantes?

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  10. Registo do sr. Belarmino a expressão 'feitores de opinião'. De tão simples deveria ocorrer a todo o locutor capaz ou incapaz. É a primeira vez que a topo, porém, mas não admira; com tudólogos às carradas a mestria no falar e no escrever só haveria de derivar escorreita para know-how ('saber e saber-fazer' como traduzem tudologamente). - O que judiam (=bullying, do amaricano) estes ignorantes com o idioma, meu Deus!...
    Registo também a 'pispirreta' (o vocábulo, não a Câncio). Não a conhecia e fui ver. E do que vi só o dicionário da Academia das Ciências a regista. É natural que o ilustre Viegas se haja guiado por ele. Segundo sei este dicionário também regista vocábulos como 'bué' e 'iceberque', este com indicação de pronúncia 'ai' para o 'i' inicial, apesar do aportuguesamento do final da palavra. Escuso de é dizer que o dr. Malaca é padrinho deste dicionário, tal como o é do abortográfico.
    Cumpts.

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  11. Quanto a ECT, excepcional, como sempre com o mérito de convocar a opinião anónima nos blogues na sua dignidade cívica de catarse pela palavra. Subscrevo!

    Quanto a FJV no encómio a Câncio, fraquezas. Cedências.

    O duplo pensar de Fernanda Câncio teve mais uma polução nocturna no DN. É cancro generalizado, em muita da elite que comenta e faz de conta que pensa Portugal, adaptar o argumentário aos apetites e interesses instalados a cujo serviço se coloca: Júdice, Marinho Pinto, Fernanda Câncio, são dos mais iminentes moluscos na babugem de quem manda, mande como mande. Sentem-se confortáveis. Parece-lhes valer a pena deformar o carácter e a coluna vertebral. À última permite-lhe defender com unhas e dentes um mau carácter, sádico narcisista, como José Sócrates, mas encarniçar-se sobre Cavaco Silva, o qual, não sendo santo nenhum, tem pelo menos o vício da moderação e da inexpressividade. Num assalto baixo ao passado de Cavaco, aos 28 anos, rapaz conformista como a esmagadora maioria conformista dos portugueses, Fernanda Câncio pontapeia baixo com indisfarçável gula caceteira. Isso não tem perdão. Se o carácter de um homem se resume ao que fez ou disse aos vinte e oito anos, nunca acabaremos de resumir José Sócrates e a nojeira grupal subjacente, repleta de rapina, transbordante de dano, prenhe de desgraça. Úbere sugado e seco, Portugal não aguenta a malícia socialista, ainda que a suporte por inércia e falta de atrito crítico.

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  12. Em tempos, li um artigo no qual Bénard da Costa confessava não ter visto, quando jovem, o filme "Música no Coração" porque os "Cahiers du Cinéma" o desaconselhavam. Havia grandeza neste homem que assim denunciava a ditadura do gosto, exercida pelos tudólogos da cinefilia. Mais acrescentou que,arrepelem-se os politicamente correctos, visto tardiamente o filme, lhe agradou, recordando-lhe a cena de "Casablanca" em que é cantada de pé a Marselhesa. Quanto ao Viegas, ainda bem que não partilhei com ele uma certa revista universitária. Ainda acabava a chamar-me "pispineta" e eu não admito epítetos chauvinistas. Será que seria capaz de chamar "pispineto" a um homem? Espero que a Câncio (que me abstenho de qualificar) se indigne ao ver-se alvo de uma discriminação de género, ela que até é tão fracturante...

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