3.5.09

REFUNDAR A REPÚBLICA, PRESIDENCIALIZAR O REGIME


«Trinta e cinco anos depois de Abril, a democracia continua a viver à custa de Salazar e da sua queda. Parece que o regime democrático e a liberdade nada têm a oferecer ao povo para além do derrube do ditador. Que, aliás, não foi do próprio mas do sucessor. Aqueles partidos e aquela instituição [a AR] vivem obcecados. Sentir-se-ão culpados? De quê? De não terem sabido governar o país com mais êxito e menos demagogia? De perceberem que a população está cada vez mais cansada da política e indiferente aos políticos? Preocupante é haver alguém que pense que aquelas imagens [algures, na sede da PIDE ou da Censura, em Abril de 1974, um soldado retira das paredes uma fotografia de Salazar] produzem algum efeito! A política contemporânea é de tal modo medíocre que o derrube do anterior regime é ainda mais importante do que o novo regime democrático. Essa é a mágoa! Trinta e cinco anos depois, a liberdade e tudo quanto se vive não são já mais importantes do que aquele dia de derrube. Será que os espanhóis fazem o mesmo? Os gregos? Os russos? Os franceses também eram assim em 1980? Que Parlamento no mundo, em dia solene ou simplesmente em dia de trabalho normal, se dispõe a exibir fotografias dos inimigos da democracia? Será assim tão frágil a nossa liberdade que necessitamos de a legitimar sempre com o derrube de um ditador? Por quantos mais anos vamos assistir a isto? Nenhum dos argumentos previsíveis é satisfatório. Dizem que é preciso recordar. Reler a história recente para que a ditadura não volte. Gritar "nunca mais", para que nunca mais seja. É exactamente o contrário. A falta de capacidade de respirar livremente, sem recordar os fantasmas, é a vontade de viver amarrado ao passado. Este regime é débil, porque não encontra em si próprio, nos seus méritos, razão suficiente para se legitimar e justificar. Para se assumir sem inventar ou ressuscitar inimigos. Esta insegurança revelada pelos dirigentes políticos contrasta com a certeza de muitos cidadãos. Inquéritos recentes mostram os sentimentos dos portugueses. Querem a liberdade. Não necessitam de fantasmas para se sentirem livres. Ponto final.»

António Barreto, Jacarandá (o título do post é da minha responsabilidade)

9 comentários:

  1. O texto completo pode ler-se no blogue do autor - [aqui]

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  2. Anónimo12:39 p.m.

    brilhante análise. é preciso sair da política activa para se ter lucidez para um texto destes.

    l neves

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  3. Só que este regime desceu tão baixo que, ao querer justificar-se pela negação do anterior, acaba por suscitar o saudosismo do anterior.

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  4. Anónimo1:49 p.m.

    No «Portugal Contemporâneo» há um texto de Rui a, que expõe porue é que serve melhor do que a refundação da república, o seu restauro pela monarquia constitucional. Um texto para quem sabe reflectir sem paixões ...

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  5. Muito bem. Sucede que não sou monárquico e, como Salazar, chego a apiedar-me dos "nossos pobres monárquicos". D. Carlos também não os suportava. Não abdico de escolher quem manda em mim por causa de questões hematológicas.

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  6. Anónimo2:53 p.m.

    Bem ... ninguém o obriga a ser monárquico, mas os que o são por convicções políticas genuínas (sem o folklore da "turba queque")têm uma argumentação racional e, muitas vezes, de grande qualidade intelectual. É ver o Miguel Castelo Branco no «Combustões», por exemplo...

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  7. Anónimo5:45 p.m.

    Brilhante.Só vêm com fantasmas do passado quem não tem capacidade de mudar o presente.

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  8. Anónimo6:44 p.m.

    Os fundadores da democracia moderna são uma monarquia. E continuam a sê-lo. Como aliás meia Europa ... não há fantasmas. Em contrapartida, a "hematologia republicana portuguesa" parece portadora da síndrome mielodisplásica ...

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  9. Anónimo7:54 p.m.

    «insegurança revelada pelos dirigentes políticos»
    Insegurança de quem?
    Para se sentirem de algum modo inseguros, era necessário que fossem dotados de algo que nunca desenvolveram: consciência.
    Dos seus limites e das suas incapacidades. Limites que não conhecem, incapacidades que não admitem.
    Todos uns génios: Linos, Vitalinos, Valentins, Isaltinos...
    A fina flor do regime.
    Como é que podem aceitar alguém que procure falar verdade?
    JB

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