31.12.08

OUTRO DIA



Este "clip" com uma "valsa" de Strauss, dirigida por Herbert von Karajan e cantada por Kathleen Battle, é a minha forma de homenagear os esforçados leitores deste blogue, outros bloggers (eles e elas sabem quem são) e gente a quem eu jamais teria chegado (e eles a mim) sem estas irritantes prosas. São, de facto, os meus mais fiéis companheiros (muitos ou quase todos eu nem sequer conheço) depois da debandada de tantos e tantos "amigos pessoais" e da frieza dos "próximos", afinal sempre distantes. Dito de outra maneira: «comunicar, como aqui fazemos dia a dia, é um dos mais poderosos exercícios contra a solidão.» O poema do Joaquim Manuel Magalhães exprime a minha mágoa por tudo isso e a irremediável tristeza que vem com a passagem do tempo. A famosa "sabedoria" - que é suposto chegar também - é meramente facultativa. Todavia (e nunca me esqueço disto) não há como um dia depois do outro. Para os que sabem e merecem, amanhã é outro dia.

Tenho uma tristeza
no bolso de dentro
do velho casaco.
Dobrada, quebrado.
Tenho uma tristeza
suja de papel
e de letras gastas.

Eu quero deixá-la
no café sem noite
tiro-a do bolso
pouso-a nos olhos,
em cima da mesa
também é de ti.
Vinha de ninguém.

Charco de jardim
dádiva na mão
triste, por abrir
e depois a dor
aperta-me o punho
por anoitecer.
Venho de uma rua
para o teu lugar.

Olha para mim
para a sala toda
para esta tristeza
atirada ao chão
entre rastos de água
os dedos acolhem
um sorriso vão.

Parou tudo agora
neste ritual
que nada detém.
Bolso de casaco
costas da cadeira
chuva na cidade
vou da tua beira

para um quarto triste
com a mãe que dorme
noutro corredor
o sangue vigia
a pequena lei
a minha tristeza
chamavas-lhe amor.

UM MAU ANO - 5

No meio das "bejecas", o que é que isto interessa? Ou, apesar do OE publicado (Lei n.º 64-A/2008,de 31.12), já se estar a preparar o "rectificativo"? Ou, quem sabe, o primeiro dos "rectificativos"?

UM MAU ANO - 4

Foi-o para todos os partidos, transformados em caixinhas de ressonância de pequenos e grandes mandarins. O PS não é um verdadeiro partido mas sim um chefe com um friso de amigos, ornamentado por duas ou três almas coloridas e irrelevantes. O PSD, sobretudo depois do episódio açoriano, não conta. O PP é um PS em miniatura, uma aberração unipessoal. Os outros dois divertem-se à conta da não esquerda que tomou conta do PS e parece que ganham alguns votos com isso. Todos alargaram o espaço para o partido da indiferença que crescerá, como um cogumelo, em 2009. Não tenho a menor pena.

UM MAU ANO - 3

«Porque será que nós - tanto os homens como as mulheres, mas principalmente os homens - estamos preparados para aceitar as rejeições e as recusas do real, cada vez mais recusas à medida que o tempo passa, cada vez mais humilhantes, e contudo voltamos ao mesmo? Resposta: porque não podemos passar sem a coisa real, a coisa mesmo real; porque sem o real morreríamos como que de sede.»

J. M. Coetzee, Diário de um mau ano

UM MAU ANO - 2

Se existiu coisa ruim no ano que termina - e, por causa das eleições que se avizinham, é de esperar o pior - essa coisa correspondeu à degradação da noção de informação, mais prosaicamente, de comunicação social. Salvo honrosas e pontuais excepções, a qualidade do que "comunica a comunicação social" redundou por não ter tido praticamente qualidade alguma. Informar não é produzir fretes. Informar não é massajar o ego do poder esteja ele onde estiver. Informar não é opinar de acordo com qualquer interesse de circunstância. E, sobretudo, informar não é manipular a ignorância alheia que é muita e pode pouco. Podia desejar melhoras. Podia mas sei que não vale a pena. Até há blogues que, voluntaria ou involuntariamente, são uma espécie de longa manus de outras coisas. Pior do que a má informação é a informação que se auto-mutila ou que se "vende" por precários pratos de lentinhas. Na sua deliberada inconsciência, esquece-se que, mais tarde ou mais cedo, será a primeira vítima da própria pusilanimidade. E entre liberdade e pusilanimidade, nunca se deve hesitar.

30.12.08

UM MAU ANO


Há pouco, no RCP, o Alexandre Honrado perguntava-me por uma coisa boa do ano. Não consegui lembrar-me de nada. Por isso não faço "balanços" nem "escolho" nada nem ninguém. Tudo que dissesse sobre 2008 seria sempre a redundante memória de um mau ano. O livro da foto, pelo menos, não é um mau livro.

HAVER DEUS



Mozart: 2º Andamento do Concerto para Clarinete e Orquestra, KV 622. Andrew Marriner. London Symphony Orchestra.

PARA LÁ DO SITUACIONISMO


«Temos quem nos defenda e quem defenda a democracia.»

Francisco José Viegas, A Origem das Espécies

A ÁRVORE E A FLORESTA


Oportuna esta "lembrança" do Eduardo Pitta sobre o BPP do sr. Rendeiro e de outras regimentais figuras como o dr. Balsemão cujo "grupo" de comunicação social anda com o primeiro-ministro nas palminhas. Por exemplo, Mário Crespo - alguém que, desde aquela triste figura pelas ruas de Washington na noite em que Obama ganhou, nunca mais recuperou o tino - chamou ao seu telejornal dois "isentos" comentadores por causa de Cavaco. Um, apresentado como "politólogo", é do PS e pertenceu à defunta direcção de Ferro Rodrigues. O outro, é a nova coqueluche da SIC-Notícias e "peão de brega" do "jovem" e "liberal" Passos Coelho. Esta "troika" esteve amplamente entretida a zurzir no Chefe de Estado. Como Ricardo Costa, o director, tinha elogiado Cavaco no canal principal, a "lei das compensações" do dr. Balsemão "determinou" que Crespo e os seus convidados fizessem o pífio papel do coro das tragédias gregas em versão revisteira. Para atingir a perfeição, Crespo devia agora convidar o pequeno tiranete açoriano que também já bolçou qualquer coisa acerca do seu excelso estatuto, algo que qualificou, sem noção do ridículo, de "acto de superior interesse nacional". Todavia (e regressando ao Eduardo) o BPP, Balsemão e Sócrates são a verdadeira floresta. O episódio de ontem é apenas uma árvore oportuna.

Nota: Sei que não gostam da foto. Mas querem melhor ilustração do "estado da arte" informativa em Portugal?

29.12.08

BEM FEITO


O governo prepara-se para sonegar aos jornais os "anúncios" dos actos da administração pública. Remete tudo para um "site" adequado e poupa uns milhões com o exercício. Já os jornais deverão perder com isto cerca de quarenta por cento de receita publicitária. Nunca um governo nos últimos anos (a excepção é o bonzinho Guterres que esteve em "estado de graça" durante praticamente todo o seu primeiro mandato) mereceu tanta sabujice e complacência por parte da maior parte da "opinião que se publica". Lambuzaram o mais que puderam (e continuam a lambuzar) o senhor engenheiro. Só que, com esta legislação, o senhor engenheiro fez aquilo que se costuma fazer aos capachos. Serviu-se deles e lava as mãos quanto ao resto. É bem feito.

A LEALDADE


Além de lorpa, a Assembleia da República está povoada por juristas que devem tirado o curso em fascículos da Farinha Amparo. E apenas acolhe uma imensa massa bovino-obediente que responde a impulsos que lhe chegam por telemóvel ou através de ordens perpetradas na secção do partido. Entristece-me, pois, ver pessoas minimamente qualificadas como António Filipe ou Paulo Rangel a fazerem a figura que têm vindo a fazer a propósito de uma lei ordinária inconstitucional. De Canas, do PS, nem vale a pena falar. Não se comenta a miserável "voz do dono". Dito isto, talvez Cavaco tenha finalmente percebido o tipo de gente com quem tem de conviver institucionalmente. Deu sinais disso. Do Bloco ao PP, passando pela pusilanimidade do seu antigo partido, todos se comportaram vergonhosamente na questão dos Açores. "Absurdos" é pouco. Daqui para diante Cavaco deve-lhes o mesmo respeito que eles manifestaram pelo Chefe de Estado. Ou seja, nenhum. A lealdade aprende-se com os cães e jamais com os homens, sobretudo com homens "feitos" nos vãos de escada dos partidos. Esses, como disse um dia Mitterrand de parecidos doutra profissão, são mais de atirar a honra aos cães como quem lhes atira um osso. Cavaco não precisa dissolver a inutilidade conhecida por "casa da democracia" por causa disto. Seria manifesto disparate. Não. Basta-lhe assistir à lenta dissolução deste simulacro de democracia entregue a uma mão cheia de idiotas úteis. A lealdade, a verdadeira, é fantasticamente cruel. E como outra coisa, deve servir-se gelada.

TUDO BONS RAPAZES


«Para acontecerem os tumultos gregos, mais que descontentamento ocasional, são necessários dois elementos principais. O primeiro é uma desilusão profunda e recalcada, desconfiança latente e generalizada, raiva surda e intensa. Se ouvirmos as conversas de café e comentários de blogs parece que tal estado de espírito já domina em Portugal. Muito disso é a tradicional resmunguice nacional. Mas algo começa a despontar. O início foi o sonho guterrista de uma prosperidade sem custos. Lançou-se então o endividamento nacional e a bola de neve orçamental que já fez fugir dois primeiros-ministros, cair um terceiro e oprime o actual. Os protestos de professores e os medos dos jovens, bem como as esperanças de PCP e BE, clivagens no PS, crise do PSD e oportunismo do PP nascem daqui. Mas é crucial notar as diferenças entre a tempestade lusitana e o furacão helénico. Na Grécia a desilusão, desconfiança e raiva são muito mais antigas e profundas, num país muito mais difícil de governar. Teríamos de descer alguns degraus de decadência para chegar a esse estado, que atingimos em 1580, 1839, 1908 e 1925. O segundo elemento, indispensável para passar dos sentimentos e palavras aos actos, é uma liderança clara. O que começa espontaneamente só permanece se for planeado. Tal orientação, conseguida na Grécia pelo antigo e poderoso movimento anarquista, ainda falta por cá. Em Portugal até os extremistas são boas pessoas.»

João César das Neves, Diário de Notícias

28.12.08

O FUTURO VISTO A PARTIR DA TAILÂNDIA



Desta vez não concordo com o Miguel. Ou melhor, acompanho-o parcialmente no "balanço" mas, porque contraditório com ele, não o sigo na "previsão" nacional. "O ano foi devastador para a imagem do regime." Foi. "Nunca tantos, e de que maneira, disseram de forma tão desabrida que o regime, como está e como não tem servido Portugal, se possa aguentar por muito tempo sem uma reforma profunda?" É verdade. "Não fosse a Europa, já a tropa teria tomado de assalto o poder?" Impossível. Pela Europa e porque não há tropa, pelo menos tropa em regime de conscrição o que faz toda a diferença. "A corrupção, o divórcio absoluto entre o país real e o país político, o soçobrar das instituições que aquietam o povo, o eclipse da Presidência da República, a falência da Saúde, do Ensino, da Justiça e da autoridade das forças da ordem (...)." Tudo realidades. Só que contrastam com a imensa fantasia que tem sido alimentada nos últimos anos e que concorre com a mansidão do "povo" que jamais se "aquieta". Sucede que, nos últimos anos, essa fantasia (com uma ou outra nuance insignificante) tem um rosto perfeito. Justamente o rosto que o Miguel prevê "com fortaleza anímica capaz de se impor aos portugueses." Pior. O Miguel ainda pretende juntar a esta "fortaleza anímica" o pobre oportunista do dr. Portas que, de bom, só tem dois ou três parlamentares decentes. Conclui por um governo PS-PP lá para 2010. Vê-se mesmo que não pretende regressar tão cedo à Pátria. Não deseje, porém, tanto mal a quem de cá não pode sair.

Clip: Montserrat Caballé em Turandot, de Puccini. Seiji Ozawa dirige. Ópera de Paris.1981

HAROLD PINTER


Na morte de Harold Pinter (que li compulsivamente em livros requisitados à biblioteca do Instituto Britânico quando, entre o fim do liceu e a universidade, lá andei), o Augusto M. Seabra: «um mestre das palavras e dos silêncios, das situações tão rigorosamente prescritas nos seus textos, um dramaturgo da estatura de poucos.»

QUE ELE PERCEBESSE

«Gostaria que alguém explicasse ao Primeiro-ministro, ou que ele percebesse por si mesmo, que o excesso de propaganda, de demagogia e de publicidade enganosa pode ter efeitos contraproducentes, parecidos com os verificados durante a revolução de 1975, que se traduzem no facto de os governantes acreditarem no que eles próprios mandam dizer. De caminho, poderia também compreender que a crispação autoritária não se pode confundir com determinação. Mudasse ele esses atributos, trouxesse ele à vida pública um novo estilo, mais adequado às dificuldades dos tempos, e até talvez voltasse a ganhar as eleições.»

António Barreto

BESTAS

Os "Hamas" são umas bestas. Os israelitas reagem aos "Hamas" como bestas alegadamente "superiores". Até quando vamos ter de andar de chapéu na mão (ou na cabeça) a pedir-lhes desculpa?

De um comentário: «(...) recordaria que o HAMAS foi criado com o apoio de Israel (sim, é verdade) para enfraquecer a liderança laica de Yasser Arafat e para dividir os palestinianos. Há em toda esta história muitas estórias mal contadas, que um dia se conhecerão, ou talvez não! Porventura o HAMAS não deveria disparar contra o território de Israel (apesar da população da Faixa de Gaza - milhão e meio de habitantes vivendo a maior parte em campos de refugiados há décadas - estar com certeza farta dos falhados processos de paz), mas a ofensiva israelita é no mínimo desproporcionada (para usar um termo jurídico elegante), embora na verdade constitua um crime de guerra nos termos da legislação internacional. As vítimas, são sempre os palestinianos, que continuam a pagar um preço elevado à conta do "holocausto" nazi. Termino perguntando o que tem feito um homem chamado Tony Blair, especialmente encarregado desta questão a nível internacional desde que deixou a chefia do governo britânico. Que é feito dessa sinistra personagem? Ainda é vivo? Ou anda a resolver outras questões na esteira de Lord Balfour?»

MEMÓRIA DE SUSAN SONTAG


O Público recorda a morte, há quatro anos, de Susan Sontag. Lembro a sua intervenção numa conferência em Lisboa sobre a "Europa e a Cultura" do tempo em que a Gulbenkian era viva. Sontag era uma americana para quem a Europa - enquanto ideia e cultura - era indispensável. Não por acaso quis ser inumada no cemitério de Montparnasse. Seria, de acordo com os "critérios" em vigor, de esquerda. Não me interessa. Interessa-me compreendê-la com o mesmo entusiasmo que ela colocava em tudo a que se dedicou, de Nova Iorque a Sarajevo. As suas palavras não são propriamente de "esquerda" ou de "direita". São exactas como a vida jamais o poderá ser. Porque «a legitimidade e a necessidade de continuar a formular uma estética da resistência, resistência às barbaridades da nossa cultura, aos apocalípticos jogos de planificação dos nossos líderes e ao conformismo das nossas imaginações e das nossas vidas" não cessam. Porque é fundamental persistir no esforço de ser «contemporâneo consigo mesmo, na nossa vida, prestando toda a atenção ao mundo, contra a ideia solipsista de que está tudo na nossa cabeça», com a certeza de que «toda a verdade é superficial» e que «algumas (mas não todas) as distorções da verdade, (mas não todas) as loucuras, algumas (mas não todas) as negações da vida, são fontes de verdade, produzem sanidade mental, criam saúde e tornam melhor a vida.»

27.12.08

BLOGOFILIA/BLOGOFOBIA


Salazar ainda une. Um "socrático" e um "anti-socrático". E por razões opostas. Uma "socrática". A outra "anti-socrática". Salazar é apenas um pretexto para a "blogofilia/blogofobia" de ambos.

O EXEMPLO E O PRECEITO

Pressenti nalguns jornais (nas televisões, então, nem se fala) alguma (muita) tolerância em relação ao episódio da escola do Cerco, no Porto. No fundo, a magnífica miudagem estava apenas a antecipar o carnaval, por causa da pistola de plástico, e a turma até é, afinal, "exemplar". Ninguém parece preocupado em perceber o que antecede o acto. O que interessa é desculpabilizar e meter tudo no caldeirão da pedagogia "democrática". Acredito que haja professores que se colocam a jeito. E que até os mais inofensivos meninos têm "direito" a recreios deste género. São corolários da retórica de que "não há rapazes maus" e de que toda a gente deve conviver em paz com a inelutável "evidência". Dito de outra forma, maus mesmo são os telemóveis que "filmam". Se os proibirem nas aulas, acabam magicamente os "problemas". O que não se vê, não existe. É esta a "tese" da "escola democrática", "inclusiva". A do regime. Sou, desgraçadamente, de outra época. Daquela que Isaiah Berlin descreve como do "exemplo", e não do "preceito", "através da descoberta ou preparação de professores que tenham conhecimentos, imaginação e talento bastantes para fazer com que os estudantes vejam aquilo que eles próprios vêem, experiência que, como sabe qualquer pessoa que tenha tido um bom professor seja de que disciplina for, é sempre fascinante, e poderá ser transformadora." Como é que se mete ideias destas em cabeças e rostos improváveis como os dos representantes das associações de pais, em professores complacentes ou em meninos sem - literalmente - educação? E em locais a que, sem sorrisos, apelidam de escolas?

REALISTA

Conforme se disse aqui, o OE (Orçamento de Estado) estaria fatalmente desactualizado quando entrasse em vigor para a semana. O Presidente da República, pelos vistos, também pensa assim. Como chefe do governo, ainda por cima economista e ex-ministro das finanças, preparou mais de uma dezena de OE's. Por isso, nem sequer precisa fazer demagogia com o assunto. Basta-lhe ser realista e obrigar o governo a sê-lo.

O SURTO


As "urgências" dos hospitais são o que são. Todavia, dois espirros chegam para as entupir. Daí a um "surto" virtual de gripe vai apenas um centímetro alimentado pelas televisões. Mais vale reenviar estes mitómanos ao velhinho Júlio de Matos.

26.12.08

NÃO FUGIR À LUTA

«O cristianismo já foi acusado de morbidamente triste, avesso à felicidade e ao prazer de viver, e também de ópio das massas, cobrindo a realidade com o véu de uma fantasia conformista, que as impedia de ver a verdade. Ao pregar o perdão, dizem, é filosofia da tibieza; ao reafirmar a autoridade divina, acusam, é autoritário. Pouco afeito à subversão da autoridade humana, apontam seu servilismo; ao acenar com o reino de Deus, sua ambição desmedida. Em meio a tantos opostos, subsiste como uma promessa, mas também como disciplina vivida, que não foge à luta.»

Reinaldo Azevedo

EM CASA

O PGR mandou instaurar um inquérito por causa de mais um acto de bandalheira escolar, desta vez com uma "arma" de plástico apontada a uma professora de psicologia de um liceu do Porto. A edificante cena foi filmada e houve quem se mostrasse mais indignado pelo filme do que pelo gesto. A dra. DREN, Margarida Moreira, disse que foi uma "brincadeira de mau-gosto" e desvalorizou o gesto, entregando-o à burocracia do inquérito escolar. Andou bem o dr. Pinto Monteiro. Há gente que não tem lugar nas escolas pagas pelos nossos impostos. Quando muito, (e nós também pagamos para isso) coloquem-nos em "centros educativos" do ministério da justiça. E "reeduquem-se" alguns progenitores, tão ou mais burgessos do que as crias. Como aquele de uma associação qualquer de pais nortenhos que não gostou de ver os "meninos" exibidos na televisão e, ainda menos, da reacção dos professores. O mal, pelos vistos, começa em casa.

TUDO ENCALHA


QUEM O AVISA

Até o cristão-novo do "socratismo" José Miguel Júdice deu mostras de um resquício de lucidez. «2009 será um dos piores anos da história económica de Portugal e o pior desde a implantação da democracia», escreve ele no Público. Faça uma ficha com isso e aproveite para a dar ao admirável Sócrates enquanto ele está de pé.

25.12.08

O ELIXIR DA DETERMINAÇÃO



De pé, como a árvore de natal atrás dele, Sócrates veio falar de "esperança", de "confiança" e, claro, do abono de família. Cauteloso como não foi há um ano - vinha aí um 2008 "ainda melhor" do que 2007 - o admirável 1º ministro tem andado a cumprir um "programa" que não estava previsto no teleponto. O não estar sentado faz parte da encenação geral que se apelida governar Portugal. Sócrates é o homem que não dá descanso a si próprio e que interrompe por breves instantes a sua labuta para nos cumprimentar rapidamente. No que depende dele, a imaginação já não abunda. No que não depende - quase tudo - limita-se a navegar à vista. É impossível (e seria politicamente desonesto) fazer quaisquer "promessas" depois do fracasso do ano que termina. Mesmo assim, não resistiu a falar em "determinação no apoio à economia", em "determinação na defesa e na promoção do emprego" e em "determinação, sobretudo, na protecção das famílias, especialmente às famílias de menores rendimentos, protegendo-as das dificuldades que sentem e ajudando-as nas suas despesas principais." Precisamente tudo o que falhou apesar da mesma "determinação" de há um ano. Qual é o segredo para tanta "determinação"? Um elixir?

Clip: Giuseppe Taddei canta a ária do "Dr." Dulcamara do Elixir de Amor, de Donizetti.

MONOMANIA

Já da outra vez ninguém se "revia" na candidatura dele a Lisboa. E ele ganhou.

O SÍMBOLO


A foto é de há minutos atrás. Uma bandeira nacional, enquanto farrapo, atirada à relva das traseiras de uns prédios de Lisboa. Costumava ser um "símbolo" da nação. Continua, pelos vistos, a representar fidedignamente o seu "estado".

24.12.08

UM ARISTOCRATA

Um investidor francês, de origem aristocrática, reagiu como um aristocrata quando perdeu todo o seu fundo (e a cara perante os seus clientes) por causa do sr. Madoff. Matou-se.

O HOMEM "MODERNO"

«A nossa moral é a do catavento.»

Rui Ramos, Público

IR AO FUNDO DAS COISAS


«A fé é, antes de tudo o mais, Jesus Cristo nascido na palha de uma pobre gruta. Não pode, por isso, deixar de ser a inspiradora de um radicalismo evangélico que obriga o homem a ir ao fundo das coisas e a não se resignar perante as injustiças, por mais que a mansidão lhe tenha sido ensinada.»

Victor Cunha Rego

«Estamos divididos entre dois mundos, um, aquele de que emergimos, e o outro, aquele em direcção ao qual caminhamos. Este é o sentido mais profundo da palavra "humano": somos um elo, uma ponte, uma promessa. É em nós que o processo da vida está a ser levado a efeito. Temos uma tremenda responsabilidade, e é a gravidade disso que desperta o nosso medo. Sabemos que se não formos em frente, se não realizarmos o nosso ser potencial, recairemos, nos apagaremos, e arrastaremos o mundo connosco na queda. Levamos o Céu e o Inferno dentro de nós e toda a Criação está ao nosso alcance. Para alguns são perspectivas aterrorizantes. Mas desejariamos que fosse diferente? Seriamos capazes de inventar um drama melhor? (...) Se fores capaz de ser um verme, serás também capaz de ser um deus.»

Henry Miller


É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia
é preciso dizer azul em vez de dizer pantera
é preciso dizer febre em vez de dizer inocência
é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem

É preciso dizer candelabro em vez de dizer arcano
é preciso dizer Para Sempre em vez de dizer Agora
é preciso dizer O Dia em vez de dizer Um Ano
é preciso dizer Maria em vez de dizer aurora


Mário Cesariny

23.12.08

BERGANZA





Teresa Berganza: Manuel de Falla, Siete Canciones Populares Españolas. 1990

UM REVÉS

O "Código do Trabalho", uma das obras-primas do governo e da obediente maioria que o apoia, foi competentemente chumbado no Tribunal Constitucional. O Tribunal deu assim razão ao PR em relação à inconstitucionalidade de uma das suas normas. Deve haver mais. Por consequência, o texto já não entra em vigor dia 1 de Janeiro. Em compensação, toda a legislação laboral da função pública entra. Ninguém tugiu nem mugiu. É bem feito.

Adenda: O PSD, pelo menos naquela parte que parece que manda, deu em tomar "posições" estilo "meia-haste". Depois do estatuto do sr. César, Rangel veio "explicar" que, apesar do PSD concordar com parte do Código, há outra parte com que não concorda pelo que concorda com o "chumbo" do TC. O dr. Rangel corre a passos largos para ser chumbado.

O PAÍS...

De eventos. Pobre país de Macbeths de trazer por casa.« Life's but a walking shadow, a poor player,/That struts and frets his hour upon the stage,/And then is heard no more; it is a tale/Told by an idiot, full of sound and fury,/Signifying nothing.»

LER LIVROS


Também tenho uma "prenda" para os meus leitores. Li muita coisa ao longo do ano. De portugueses, suponho que não li nada. De outros, parece-me dispensável o derradeiro Roth, Indignation. Prefiro as imediatas prosas anteriores sobre o envelhecimento e a morte. Li e reli muito Sloterdijk. Nunca o largo, aliás. "Um homem muito procurado", de John Le Carré, "recupera" um bom escritor de um relativamente aborrecido "O canto da missão". Por isso "ofereço" uma recomendação do ano passado e que me parece insubstituível. Há meses, para a Ler, o F.J. Viegas pediu-me para "explicar", em poucas linhas, "por que é que se devia ler As Benevolentes". Apesar da pretensão (é-me indiferente que leiam ou deixem de ler), alinhavei a pequena prosa que se segue a qual, pela primeira vez, "sai" na íntegra. A que foi editada na revista é diferente desta. Nunca me dei ao trabalho de perguntar porquê. Não me interessa. Mas imagino.

JONATHAN LITTELL, O NOVO MESTRE DA SUSPEITA

Correm os derradeiros anos da segunda guerra mundial. O narrador, ex-nazi convicto, olha agora para esse tempo com a melancolia da indiferença, sem remorsos nem pesos na consciência. É um ironista que reflecte sobre os escombros sem um vislumbre de arrependimento. O que foi, foi o que foi porque teve de ser assim, como se um determinismo amoral tivesse arrastado milhares de homens inteligentes para um abismo no qual, sem excessiva repugnância, experimentaram os cheiros e as cores da mais repugnante das mortes. As “memórias” de um antigo oficial nazi são o pretexto para Jonathan Littell “reconstruir” os derradeiros passos do regime de Hitler - para o Leste onde se atafulhou e perdeu –, recortando, vistos a partir do lado “deles” (até agora só tínhamos tido direito às versões romanceadas “correctas” da história, a dos vencedores), os perfis de homens do regime tal como eles existiram ou como o autor os ficcionou. “As Benevolentes” também é um imenso livro de história onde se surpreende a esquizofrénica burocracia do III Reich, algo a que Fest apelidou de improvisação organizada, já a caminho do seu fulgurante crepúsculo. No texto de Littell revela-se como o bem e o mal se misturam nas peripécias de uma vida pessoal e de uma narrativa colectiva sem que isso lhe confira um estatuto de fatalidade dentro da fatalidade que efectivamente foi. Revela-se como a ficção da realidade - a realidade e a ficção que coincidiam no III Reich -
pode ser “ultrapassada” através de um passeio numa paisagem paradisíaca que deixou para trás o cheiro fétido de cadáveres ou o estampido de uma arma disparada contra a nuca anónima. Revela-se como Bach ou Monteverdi sublimavam a violência interior que massacra o adversário indefeso com uma tranquilidade que, devendo assustar o leitor, apenas o sossega umas quantas páginas mais adiante. Littell entendeu bem o que Arendt quis significar com a expressão “banalidade do mal” a propósito do julgamento de Eichmann em Jerusalém. A leitura mais simplista exclamaria: “lê-se e não se acredita”. Ora a “tese” de “As Benevolentes” é justamente a contrária. Lê-se e acredita-se e eu, narrador, acreditava especialmente. Por que é que “As Benevolentes” arrisca ser simultaneamente um dos grandes momentos da literatura contemporânea e uma tragédia clássica? Julgo que, enterrado o fantasma do “novo romance” e, sobretudo, quando se enchem escaparates com novos “romancistas”que nos vêm contar histórias de embalar que, de tão medíocres, acabam por ser pornográficas, Littell – provavelmente impossibilitado de escrever o que quer que seja depois deste “fresco “ monumental - emerge como o novo “mestre da suspeita”. O respeitável oficial das SS que nos explica a sua vida e a tenta perceber, anos volvidos sobre a catástrofe, é, no desalinho dessa “história” cruel, revista, corrigida e aumentada, o Deus sem fé que se esconde no coração do homem vazio de hoje. Crê-se, afinal, um justo nos antípodas da personagem da peça de Camus. Quem, de entre nós, poderá atirar a primeira pedra?

UM CRESCENTE JURO DE MONSTRUOSIDADE


O Miguel "deu-me" como prenda um "livro" e uma bela epígrafe: "de baioneta em riste na terra de ninguém esventrada pela estupidez dos homens. Que nunca lhe esmoreça a atenção de sentinela." Retribuo com Jorge de Sena nestes dias cínicos em que tendemos a esquecer o que é o homem e, como dizia Michaux, caímos na tentação de lhe querer bem.

«O mal não se perpetua senão no pretender-se que não existe, ou que, excessivo para a nossa delicadeza, há que deixá-lo num discreto limbo. É no silêncio e no calculado esquecimento dos delicados que o mal se apura e afina - tanto assim é, que é tradicional o amor das tiranias pelo silêncio, e que as Inquisições sempre só trouxeram à luz do dia as suas vítimas, para assassiná-las exemplarmente. Por outro lado, o que às vezes parece amor do mal é uma infinita piedade de que os "bondosos" e os "puros" se cortaram: uma compreensão e um apelo em favor de que o amor do "bem" não alimente nem justifique a monstruosidade do mal, tanto mais monstruoso quanto mais, psico-socialmente, a idealização desse "bem" o confinou a ser. [A vida] só é monstruosa, não porque algo o seja, e sim porque o repouso egoísta, a ignorância, a falsa inocência, são sempre feitas de um crescente juro de monstruosidade. Nenhum realismo o será, se recuar aflito, mas porque, aflito, não recua.»

MOVIMENTOS

Serão assinaturas para a "coisa-movimento" de Manuel Alegre "ir a votos"?

22.12.08

O PAPA E O "GENDER"


Bento XVI, na mensagem de Natal à Cúria de Roma, disse isto: «La fede nel Creatore è una parte essenziale del Credo cristiano, la Chiesa non può e non deve limitarsi a trasmettere ai suoi fedeli soltanto il messaggio della salvezza. Essa ha una responsabilità per il creato e deve far valere questa responsabilità anche in pubblico. E facendolo deve difendere non solo la terra, l’acqua e l’aria come doni della creazione appartenenti a tutti. Deve proteggere anche l’uomo contro la distruzione di se stesso. È necessario che ci sia qualcosa come una ecologia dell’uomo, intesa nel senso giusto. Non è una metafisica superata, se la Chiesa parla della natura dell’essere umano come uomo e donna e chiede che quest’ordine della creazione venga rispettato. Qui si tratta di fatto della fede nel Creatore e dell’ascolto del linguaggio della creazione, il cui disprezzo sarebbe un’autodistruzione dell’uomo e quindi una distruzione dell’opera stessa di Dio. Ciò che spesso viene espresso ed inteso con il termine “gender”, si risolve in definitiva nella autoemancipazione dell’uomo dal creato e dal Creatore. L’uomo vuole farsi da solo e disporre sempre ed esclusivamente da solo ciò che lo riguarda. Ma in questo modo vive contro la verità, vive contro lo Spirito creatore. Le foreste tropicali meritano, sì, la nostra protezione, ma non la merita meno l’uomo come creatura, nella quale è iscritto un messaggio che non significa contraddizione della nostra libertà, ma la sua condizione.» Todavia, as "agências" transmitiram que o Papa "comparou a heterossexualidade à protecção das florestas tropicais" e teria afirmado "que salvar a humanidade de comportamentos homossexuais ou transexuais é tão importante como salvar as florestas tropicais da destruição". Mesmo que não saibam italiano, tentem "ver as diferenças". Sobretudo na parte sublinhada. O Papa não acrescentou nenhuma "novidade" àquilo que é a posição da Igreja sobre estas matérias. A Igreja não tem de ser "correcta" e seguir os "tempos". A inversa também é verdadeira. Ratzinger não "obriga" ninguém a ser católico. O Papa fala para os católicos apostólicos romanos e não para os bites. Aliás, se não houvesse pecadores a Igreja seria esdrúxula. Não é por acaso que, na missa, se pede ao Senhor que não olhe aos nossos pecados mas sim à fé da Igreja. Ao Papa não compete fazer proselitismo, gender ou outro qualquer. Foi só isso que ele quis significar.

SEM USO

«Há dois ou três anos, quando era muito novo, escrevi a pensar em alguém um longo arrazoado que começava assim: “Em ti, que és o meu mundo, o sol nunca se põe.” Hoje escreveria: “Bens perecíveis — os que se deterioram rapidamente, mesmo sem uso.»

O PRAZER DE NÃO LER

Um recente inquérito sobre a ocupação dos "tempos-livres" dos franceses revela o seguinte relativamente às seis primeiras "escolhas":
Pouco mais de meia-hora para a leitura (livros? jornais? o estudo ainda não o indica). Como seria por cá? Dez minutos? Quinze antes da soneca ou no wc? Gostava de saber.

MEDO DA SOMBRA

«A poucos dias do Natal é natural que os indígenas andem preocupados com a quadra, a noite familiar, os presentinhos, os cartões de crédito, as notícias da crise, os fechos de empresas, as quedas das Bolsas, os golpes financeiro, e façam as contas ao que aí vem em 2009, com muitos Cabos Bojadores cheios de perigos e tempestades em que muitos irão naufragar. É verdade que os tempos presentes são do salve-se quem puder e o futuro é cada vez mais uma lotaria. Mas é verdade também que esta conjuntura violenta poderia ser aproveitada para se fazerem rupturas, procurar dizer umas tantas verdades, acabar com certos tabus e pôr o dedo em muitas das feridas que têm andado escondidas nestes anos de democracia. Mas não. A vidinha neste sítio manhoso, pobre, deprimido, hipócrita e cada vez mais mal frequentado continua pior do que nunca, com as mesmas misérias e os mesmos miseráveis. A vidinha continua a ser dominada por gente medíocre que tem medo da sombra e passa a vida a varrer das agendas os temas que podem ser verdadeiramente perigosos para os seus interesses e privilégios, a maior parte das vezes ilegítimos. As grandes discussões destes últimos dias centraram-se na eventualidade de uma Esquerda marxista, leninista, estalinista e trotskista entrar no arco governamental e no voto vergonhoso dos senhores deputados que aprovaram o Estatuto dos Açores. As palavras de Pinto Monteiro, procurador-geral da República, no Parlamento, foram rapidamente esquecidas, com toda a gente a fingir que o responsável máximo do Ministério Público não disse nada de relevante, merecedor de um amplo debate e, mais do que isso, de um verdadeiro levantamento nacional contra o estado a que as coisas chegaram no sítio. No seu estilo directo, Pinto Monteiro apenas afirmou que o governador do Banco de Portugal foi alertado em 2004 para uma grande fraude internacional envolvendo o BPN e o famoso Banco Insular de Cabo Verde e nada fez para colaborar com as autoridades na descoberta dos autores desse crime económico. E disse aos senhores deputados, que aprovam as leis e são os primeiros responsáveis pela Justiça, que o Ministério Público não tem capacidade para combater a corrupção e os crimes de colarinho branco. Nada de importante, nada de relevante. As palavras de Pinto Monteiro foram levadas pelo vento, Constâncio continua no lugar e os corruptos podem dormir em paz. Bom Natal para todos.»


21.12.08

KRAUS



Vives, Doña Francisquita. Barcelona, 1988




Donizetti, La fille du regiment

LER OUTROS


«Portugal parece um barco mal estivado com a carga quase toda a estibordo. Ainda não adornou porque o mar esteve calmo estes anos. Mas pressente-se a tempestade no horizonte. Movimenta-se a tripulação por estibordo. Manuel Alegre apareceu acompanhado na Reitoria e sozinho nas televisões.Colocaram-lhe a hamletiana questão sobre formar, ou não, um partido. Ora o que Alegre disse foi que o crescimento dos votos à esquerda deve ter tradução no governo da nação. Neste ponto tem razão. Quanto a um novo partido, a procissão ainda vai no adro e não depende da intenção de uma só pessoa. Quase tudo está assim em aberto, embora haja a sensação de que o objectivo de curto prazo se resume ao possível apoio do BE à candidatura de Helena Roseta. Visto de Cascais pode parecer histórico…»

Medeiros Ferreira, Correio da Manhã

CONTINUAÇÃO DO PEQUENO EXERCÍCIO DE SEMIÓTICA


Eduardo Pitta quando lhe puxa o pé para a ficção política é um péssimo escritor. Com que então «daqui a dez dias, os funcionários públicos vão ter um aumento de 2,9% — o maior dos últimos dez anos»? E o que é que eles ganham objectivamente com isso, depois de anos e anos a perder poder de aquisição, quando o aumento é "comido" pela inflação (mesmo optimisticamente a 1%) e pelo incremento negativo de uma economia periférica sem produção própria? O mesmo se diga das «almofadas suficientes para facilitar a vida de grande parte da população.» Quais almofadas? Isto é conversa fiada que não lembra ao mais diligente serventuário do admirável Sócrates que Pitta - sabe-se lá porquê - acha sublime e insubstituível. Finalmente e «sem a intervenção do Estado, uma fatia (pequena que seja) da classe média estaria agora na miséria.» Presume-se, pelo contexto, que Pitta se refere à intervenção em dois bancos onde essa "pequena fatia" da classe média estava "almofadada". Engana-se. Apesar da "intervenção", o nosso sistema financeiro está descredibilizado internacionalmente. E as "classes médias" são as primeiras a pagar esse descrédito como, se formos todos vivos, se constatará amplamente em 2009. Aliás, o seu querido líder, depois de ter andado a papaguear que a crise não nos tocava (ou que tocava em menor escala), já foi avisando que o ano que Pitta prevê «longe do desastre anunciado» vai ser o "cabo das tormentas". Ainda bem que há "navegadores" como Pitta que conseguem enxergar bons portos no meio das tempestades. Pode ser que, à falta de outras coisas, alguém aprecie mais o palavreado reconfortante de Pitta (que segue ao milímetro a cartilha oficial) do que a realidade. Quando ela lhes entrar pela casa adentro (em menor escala do que à generalidade dos portugueses porque Pitta ainda é, por assim dizer, um privilegiado), aí falamos. Porque na cabeça já se percebeu que ela nunca entrará.

Nota: Alguns leitores não gostam da foto. Julgo, porém, que ela "retrata" perfeitamente a inebriante leveza do "ser português" perante a realidade e, sobretudo, perante o admirável Sócrates. É horrível, não é? Mas a realidade não é melhor.

20.12.08

PEQUENO EXERCÍCIO DE SEMIÓTICA


1. Quem é o idiota que ainda duvida que o dr. Portas já "combinou" qualquer coisinha com o admirável Sócrates para o caso de as coisas não correrem de acordo com as "fichas" em 2009? Pessoas com o "carácter" do dr. Portas (parece que é uma qualquer má sina do CDS) só prejudicam a direita. Até o sempre generoso dr. Lobo Xavier já percebeu.
2. José Pacheco Pereira que tem tanto lugar por onde escrever e falar, escolhe sempre a "Quadratura do Círculo" - onde se senta com o nulo presidente da Câmara de Lisboa do PS - para "bater" em Santana Lopes, por sinal do partido dele. Não vi mas li num artigo da Dutra Faria aka Fernanda Câncio que JPP declarou que pretende ir inscrever-se como eleitor em Santarém para evitar o voto autárquico em Lisboa. Se até os poucos lúcidos que restam já estão neste estado catatónico, é mesmo de esperar o pior.
3. Depois de ler os dois últimos artigos de "opinião" de Miguel Sousa Tavares no Expresso, fiquei com a sensação que o próximo "herói" de um putativo romance do jornalista será o admirável Sócrates. Tavares já mal escreve em português. Aquilo é mais uma coisa nova, talvez um "socratês" intraduzível noutra língua qualquer. O que interessa é que venda, não é verdade?
4. O mesmo Expresso sujeitou-se a que o senhor presidente da ERC, o prof. Azeredo, recusasse ser entrevistado por um específico jornalista da casa, um tal de Humberto. Mesmo assim, o hebdomadário regimental aceitou fazer a entrevista através de uma tal de Rosa. O prof. Azeredo é quem é (o Expresso há muito tempo que deixou de ser o Expresso) e o respeitinho ainda é uma coisa muito bonita.
5. A foto é de um antigo "cartoon" de António, dos poucos "resistentes" dos tempos em que a "democracia" e os jornais eram vivos e não outra coisa qualquer inominável.
6. Estes jovens de Leiria preparam-se para financiar um novo "jornal" aparentemente destinado a "destronar" o diário do engº Belmiro de Azevedo que ainda é dos poucos (o outro talvez seja o "Correio da Manhã") relativamente indiferentes ao admirável Sócrates. Isto como se a "redacção única" que inundou os jornais, as televisões e alguns blogues não existisse. Nada, todavia, como um clarinho "Diário da Manhã". Aprende-se muito com os velhos regimes.
7. «... uma questão central, que é hoje a de saber se, por trás de uma nobre palavra - «o jornalismo» - que a história associou a algumas das mais belas aspirações da humanidade (a isenção, a verdade, o pluralismo, o rigor, etc), não se terá entretanto instalado uma actividade que já pouco ou nada tem a ver com elas, que agora visa mais o lucro do que a verdade e se condiciona mais por múltiplos interesses do que por sólidos valores.»

UM REGIME SEM CRÉDITO

A manchete do Expresso, o "Borda d'Água" do regime, traz uma manchete à qual pouca gente prestará a devida atenção por causa dos peidinhos e dos arrotos da "classe política", metida nas suas tradicionais conversas de porteiras e na intriga mais baixa, a única coisa que interessa às redacções. Sucede que, apesar do admirável Sócrates e da não menos extraordinária banca portuguesa, Portugal não possui crédito (literalmente) externo. Mesmo com o aval do Estado, a Caixa Geral de Depósitos - que até é uma coisa séria ao pé de outros tugúrios da especialidade - não conseguiu o empréstimo que solicitou e, mesmo assim, pagou uma batelada em "spread" que agora vai forçosamente reflectir nas famosas "famílias" e nas "empresas" que tanto "preocupam" o magnífico Sócrates. Entretanto o Estado (com a indispensável ajuda dos mansos dos contribuintes) já "meteu" 1,5 mil milhões de euros na CGD, para, designadamente, financiar abortos como o BPN. Traduzido em pechisbeque, isto quer dizer que lá fora não confiam em nós e não nos passam cartão. E quem não confia, não empresta dinheiro ou empresta-o mais caro. Em compensação, nós por cá parecemos mais interessados em discutir o comportamento da irrelevante Assembleia da República e dos inúteis que a compõem do que em pensar no abismo que se aproxima. Uma raça tão ignóbil merece tudo o que de mau lhe acontecer. Só espero ter tempo para me poder sentar tranquilamente à beira do rio a ver passar o cadáver do regime rumo ao mar.

19.12.08

GRANDEZA



O outro dizia que "isto" dava vontade de morrer. Eu digo que dá vontade de não continuar a escrever. A grandeza está, na verdade, entre outras coisas, noutros céus e noutras vozes.

(Clip: Montserrat Caballé, Bellini, I Puritani. 1979)

A HIPÓCRITA DEPUTAÇÃO


A deputação nacional, do Bloco de Esquerda do dr. Louçã ao Bloco de Direita do dr. Portas, aprovou pela terceira vez o estatuto do sr. César contra o PR. O PSD, cobarde, absteve-se. E o presidente da casa mais parecia um lorpa do que o institucionalista que foi. Ao menos que nos poupem a derrames sobre as "instituições", os "equilíbrios" e demais tretas de circunstância. Deputados de diversos partidos que fizeram intervenções públicas a criticar a aprovação do estatuto por causa dos poderes presidenciais e que agora votaram a favor disto ou se abstiveram, mereciam que lhes atirarassem com uns sapatos rotos e mal cheirosos para cima. Hipócritas.

CELEBRAR O QUÊ?


Mais uma sondagem para a salivagem dos comentadores e da "média" dos media. Aliás, o texto que a apresenta é, desde logo, uma pérola de "isenção" e "objectividade". Depois, e para quem tiver paciência, o Pedro Magalhães mostra os detalhes. E os detalhes revelam o que já se sabia. Para 60% dos inquiridos, o governo é "mau" ou "muito mau". Vinte por cento não sabe se há melhor alternativa, mas 56% acha que não há e 64% dos eleitores entende que a relação entre o governo e o PR é "boa" ou mesmo "muito boa" ,e mais de metade (55%) que não piorou este ano. Para o ano, pensa-se que fica "na mesma" (51%). Importante é verificar como os eleitores ouvidos, ao contrário dos babosos dos "comentadores", vê a relação de Cavaco com o governo: cerca de 56% deles olha para o PR nem como "aliado" nem como "opositor" de Sócrates. Isto é, independente o que é reforçado na pergunta seguinte em que 60% olha para Cavaco como alguém que não favorece nem as "ideias de direita" nem as "ideias de esquerda". Todavia, os inquiridos (64%) pretendem um PR "mais interventivo". Quanto à vida propriamente dita, mais conhecida por "economia", 90% vê-a "má" ou "muito má", que piorou (71%) e que ainda vai piorar mais (57%). E o ano que termina, como foi para os inquiridos? Foi pior (57%). E o país? Está pior do que em 2007 (77%) e 2009 anuncia-se mau para os inquiridos e respectivas famílias (56%) e pior para o país (66%). As duas únicas coisas (e, mesmo assim, magramente) que os inquiridos supõem que podem "melhorar" em 2009, são a saúde e a justiça. O resto - situação internacional, educação, equilíbrio das finanças públicas, situação económica e. sobretudo o emprego - piora. No meio desta devastação, o que vai ser "comentado" é que a dra. Leite não medra, que o PSD "cai a pique", que o ubíquo dr. Portas "cresce" para uns fantásticos 4% e que o PC e o Bloco "valem" quase 20% juntos. E, claro, que Sócrates é maravilhoso e a "alternativa" de si próprio mesmo com nota 9, numa escala de 0 a 20, na qual só Cavaco tem "positiva". Celebrar, pois, exactamente o quê? A esquizofrenia nacional?

18.12.08

DA VIDA DO CHEFE DO "PARTIDO POPULAR" DA "ESQUERDA MODERADA"

«Por muito que isso custe a alguns dos seus admiradores, as últimas semanas não auguram ao eng. Sócrates nada de particularmente bom. Antes de mais, quebraram o mito da invencibilidade do primeiro-ministro, deixando-o dependente de factores que não controla e de estratégias que lhe são alheias. Independentemente do que vier a acontecer a Manuel Alegre, o eng. Sócrates vê-se, pela primeira vez, na necessidade de negociar o seu futuro - ele que sempre fez gala em não negociar com ninguém. Pior do que isso, ao fazê-lo, é obrigado a reconhecer publicamente que parte significativa do eleitorado socialista deixou de se rever no Governo e na unanimidade do "seu" PS. Já a candidatura do dr. Santana Lopes a Lisboa é outra história. Se ele é, como alguns dizem, a "cara da derrota" do partido, o dr. António Costa arrisca-se a perder as próximas eleições para o "pior" do PSD. Não deixaria de ser curioso que o passado, o tal passado de que o eng. Sócrates tanto gosta de falar, reaparecesse em cena e, tirando-lhe a capital, levasse com ele as ambições do seu número dois no PS. Depois de ter conseguido a proeza de ser eleito com a percentagem mais baixa de sempre, o dr. António Costa superou-se a si próprio na presidência da principal câmara do país, distinguindo-se essencialmente pela sua inactividade. Por junto e depois de muita promessa, teve uma ideia qualquer sobre bicicletas que não chegou a pôr em prática, deixou-se colar ao projecto dos contentores em Alcântara (embora agora se tenha lembrado de umas condições de última hora) e integrou na sua equipa o "Zé", que, há uns anos, fazia por lá falta e que agora promete ser um companheiro de luxo na campanha eleitoral: para falar do túnel, claro, e do papel heróico que ele, na altura, desempenhou. Não por acaso, o "Zé" já começou a dissertar sobre a necessidade de se unirem todos contra uma candidatura que, sabe-se lá como, parece ter hipóteses de ganhar. Entretanto, o eng. Sócrates decidiu transformar o Estatuto dos Açores (que será votado amanhã) numa arma de arremesso contra o Presidente da República, fiado na exibição triunfal da sua força e na hipotética fragilidade do prof. Cavaco Silva. A ideia parece que é debilitar "ainda mais" a figura do Presidente. O resultado promete virar-se contra o principal arquitecto desta portentosa táctica eleitoral. Num ano de recessão económica, quando todos os indicadores se encarregam de desmentir o optimismo do Governo e depois de se ter perdido a conta à quantidade de "planos" contra a crise apresentados pelo primeiro-ministro, seria de elementar bom senso evitar a hostilidade de um Presidente da República que, caso o PS não se lembre, recebeu mais de 40 por cento dos votos no ocaso do cavaquismo. Tudo indica que o eng. Sócrates não vai ter pela frente um ano fácil.»

Constança Cunha e Sá, Público

PORTUGAL...

... o fardo do homem preto.

17.12.08

INFORMAR?


Vale tudo para achincalhar a dra. Ferreira Leite. Não digo isto como seu "defensor" ou "apoiante". Longe disso. Mário Crespo, que até há pouco tempo me parecia não estar tomado pelo esprit de corps rançoso e único que vegeta nas redacções, fez uma figura miserável a entrevistar Passos Coelho. Crespo afirmava e depois perguntava, procurando que o entrevistado (como ele já pressupunha na pergunta baseada na "peça" montada pela SIC e tida pela verdade última sobre o tema) atacasse Ferreira Leite. Coelho, ao pé da vergonhosa prestação de Crespo, foi um senhor. Depois apareceu o Joãozinho Soares, com ar alarve, a tratar Santana Lopes praticamente como um marginal sob o olhar paternalista e complacente de Crespo. Chamam a isto o quê? Informar?

ESPERANÇA E MISTÉRIO


«Sotto la spinta di un consumismo edonista, purtroppo, il Natale rischia di perdere il suo significato spirituale per ridursi a mera occasione commerciale di acquisti e scambi di doni! In verità, però, le difficoltà, le incertezze e la stessa crisi economica che in questi mesi stanno vivendo tantissime famiglie, e che tocca l’intera l’umanità, possono essere uno stimolo a riscoprire il calore della semplicità, dell’amicizia e della solidarietà, valori tipici del Natale. Spogliato delle incrostazioni consumistiche e materialistiche, il Natale può diventare così un’occasione per accogliere, come regalo personale, il messaggio di speranza che promana dal mistero della nascita di Cristo.»

Papa Bento XVI

A DERRADEIRA LOUCURA


A mercearia deve ter limites. Quando se coloca a hipótese de transformar monumentos nacionais em “hotéis de charme”, de os arrendar ou vender para prover às nunca acabadas necessidades de tesouraria do Estado, significa que entrámos num terreno em que já vale tudo e no qual os serventuários que propõem tamanhos disparates não possuem a menor noção do que significa o património material histórico (o imaterial praticamente não conta ou tem sido alvo de atentados obscenos) de uma nação. Dantes dizia-se que possuíamos uma direita estúpida. Não era, não é, infelizmente, mentira. Tudo somado, os quatro anos disto revelam não apenas esta derradeira loucura a pretexto de um “novo regime geral dos bens de domínio público” como a “esquerda moderna” mais estúpida da Europa. Uma “esquerda” definitivamente empenhada num “Portugal dos Pequeninos”.

UM BOM MOTIVO

Se um lisboeta precisar de um motivo para votar em Santana Lopes nas autárquicas do ano que vem, a declaração do "ex-Zé-que-faz-falta" no sentido de jamais permanecer na CML se Lopes for presidente, é um excelente motivo. E a fábula da cigarra e da formiga, vinda de António Costa, podia perfeitamente ser substituída pela da rã e do boi. Com tanto auto-convencimento "programático", Costa ainda corre o risco de rebentar.

16.12.08

LISBOA FELIZ - II


O Jorge Ferreira poupa-me as palavras. Sempre recordarei que Costa, o incumbente, foi eleito por cerca de onze por cento do eleitorado potencial da cidade. E que praticamente não existe como presidente da maior câmara do país.

AMIGOS


O PSD, na linha daquele notável sentido de oportunidade que o vem acompanhando ultimamente, decidiu "abster-se" na nova votação do "estatuto" do sr. César. Tal como todos os outros partidos, o PSD tinha votado favoravelmente o "estatuto" inconstitucional. Para não desagradar, pelos vistos, aos seus "sócios" nas ilhas - capitaneados por essa "referência" do regime que dá pelo nome de Mota Amaral - tomou agora esta maravilhosa decisão no melhor estilo "uma mão lava a outra". Cavaco fica assim liberto de qualquer remorso partidário. Para que é que ele precisa de amigos desta laia?

PORTUGAL DE SÓCRATES REVISTO POR SOARES

A LAGARTIXA E O JACARÉ

O sr. Marco António, presidente da distrital do Porto do PSD, "não quer" Pacheco Pereira como "cabeça de lista" nas eleições europeias. Isto - reparem bem - é uma notícia. Sucede que pessoas como o pequeno Marco precisam de comer muita "Farinha Amparo" e, sobretudo, de beber muito chá para chegar aos calcanhares de pessoas como Pacheco Pereira. Para além disso, quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré.

TRITURADOR DE AMIZADES

Portas trata o CDS como o seu brinquedo pessoal. Parece que alguns militantes não estão disponíveis para continuar a fazer de parvos. É certo que em política não há amigos. Todavia, Portas ficará para a história da pequena política portuguesa como um exímio triturador de amizades. Ao CDS de Portas não falta apenas os votos. Também lhe falta carácter.

15.12.08

O CHATO


A intervenção do bardo Manuel Alegre num "colóquio" dito das "esquerdas" - este paternalismo não deixa de ser curioso - provocou um pequeno tumulto. Até Marcelo afirmou que era um "momento histórico" já que o poeta terá deixado em aberto o caminho para um novo partido ou para um "movimento" que "vá a votos" com aquelas "ideias". As dele, presume-se. Sucede que, se há coisa em que Alegre não é generoso, é justamente em ideias. Lugares-comuns, sim. É bom neles. O resto é a habitual cavalgada oportunista dos "louceiros". E dos que, dentro do PS, não suportam o "fascismo" socrático. Esta trapalhada tem um responsável. Com a candidatura espúria de há dois anos, Mário Soares "criou" o milhão de votos de Alegre. Com a sua "colagem" a Sócrates, Soares deixou espaço para Alegre aparecer como a "consciência ética" de um partido unipessoal. Sócrates aprecia o exercício para que a opinião pública julgue que ele manda num regimento democrático que "tolera" alguém como Alegre. Até agora era mais ou menos assim. Daqui para diante, e sobretudo se Alegre perceber que não vale a pena a candidatura presidencial (era essa a "combinação"), um "movimento" é, de facto, possível, valha isso o que valer. Não é por acaso que o PC marcou distâncias. Não é "histórico", mas chateia.

14.12.08

PEQUENEZ

«Este Parlamento não é uma metáfora: é o retrato exacto e verdadeiro da democracia que temos.» (António Barreto)

GRANDEZA



Mirella Freni, Verdi, Simon Boccanegra. Teatro alla Scalla, 1978

PORTAS ALBANÊS

A "novidade" dominical é seguramente a eleição albanesa do dr. Portas como líder do CDS/PP. Parece que o dr. Nobre Guedes, ex-eminência "portista", ficou de fora e nem sequer para o congresso foi eleito. Portas quer, desta vez, encavalitar-se em Sócrates na esperança de que ele não saia maioritário em 2009. Um "teste de confirmação" disto pode fazer-se já a propósito de Lisboa. Se o PP não apoiar Santana Lopes (como queria Guedes), é sinal de que pretende estar liberto para "ajudar" quem precisar da sua "ajuda". Nunca há bom vento para quem não conhece o seu porto.

BEM FEITO


Sócrates - lembram-se? - começou "contra" as "corporações". Na posse, deu logo dois exemplos. Ia reduzir as férias judiciais e "proletarizar" o acesso ao medicamento colocando-o, nos supermercados, ao lado da manteiga e do papel higiénico. Correia de Campos, na saúde, foi tão "original" no seu "combate" que acabou vexado e corrido com umas palmadinhas nas costas. E a indústria farmacêutica não consta que tivesse perdido o que quer que fosse. Os médicos, a cuja classe profissional pertence a improvável sucessora de Campos, ameaça. Os magistrados do MP também. Depois, e através da "anarquista" Lurdes Rodrigues, o chefe do governo pretendeu extinguir politicamente a Fenprof. Eu teria sido o primeiro a dar-lhe uma medalha se o tivesse conseguido. O resultado, porém, está à vista. Ou seja, da mesma maneira que Sócrates, num inesperado prolegómeno populista, deu início às "hostilidades", chegou agora a vez das "corporações" reagirem. Não deve ficar por aqui até porque a partir de Janeiro (na prática, já) começa a campanha eleitoral. Ora o PS parece-se cada vez mais com uma vanguarda do que com um partido com responsabilidades de Estado. Mal se distingue a linguagem da rua da língua de pau do poder. Nem o Presidente da República escapa à via "chávista" do partido maioritário. Isto só é possível porque existe uma formidável complacência com a "situação" e porque a oposição partidária não vale um chavo. Não há nenhum talento especial que justifique Sócrates. Nem sequer a crise à qual ele responde invariavelmente com propaganda e Durão Barroso. Todavia, mansa e medrosa, a "massa" preferirá sempre a sua "autoridade" a "confusões". Tudo o que nos acontecer (ou deixar de acontecer) é, pois, muito bem feito.

13.12.08

É SÓ...

Isto.

... E DA BANDA LARGA


Afinal, não é só investir em cimento nas creches, nas escolinhas e nas estradas. Sócrates insistiu na "modernização da banda larga da Internet", a receita milagrosa que nos acompanha desde os tempos de Guterres e que, qual varinha mágica, transformará o derradeiro bronco num génio (M.F.Mónica), criando uma falsa sensação de "progresso" e de "nova igualdade" quando, como sublinhou M. M. Carrilho no "momento Guterres", "é justamente aí que as diferenças mais se evidenciam, se nada as tiver atenuado, ou anulado, antes". Pinho também apareceu para "alavancar" meia dúzia de coisas. Os quatro anos de legislatura - e Sócrates, sobretudo - vão ser avaliados pelo que vai acontecer daqui para a frente. E daqui para a frente, vai ser como escreve Vasco Pulido Valente. "O PSD nunca substituirá o PS, até porque parte de direita prefere Sócrates. Sobra, então, Sócrates? Sobra – com um Governo sem prestígio, uma estratégia sem sentido, a hostilidade do país que o sofre, um optimismo lorpa e um saco de reformas falhadas. Quem o acha capaz de aguentar e sobreviver à recessão e, principalmente, de nos poupar ao pior?"

O RENDIMENTO NACIONAL BRUTO

«A crise tem revelado uma completa falta de capacidade e de liderança por parte da presidência da Comissão Europeia que, segundo Fischer, está completamente manietada pela falta de visão dos seus líderes e pelos cálculos de J.M.Barroso com vista à sua manutenção no lugar. É por isso que o a decepção com o seu plano de relançamento não espanta, ele não passa de um mecânico ”copy/paste” de velhas propostas sem ambição nem consistência. O futuro parece confiscado, é tempo de mudar de paradigma. E, nessa mudança, há pelo menos duas orientações que se vão impor: enquanto uma tem a ver com os conceitos utilizados para lidar com a realidade, a outra aponta para o miolo da estratégia a seguir. No primeiro caso basta olhar, por exemplo, para as insuficiências de que padece um indicador como o “pib”, para se ter a noção do muito que há a fazer. Se queremos conhecer a situação real da economia e da vida das pessoas, é urgente pensar noutros termos, como os defensores do “rendimento nacional bruto” há muito sugerem. É que o “pib” ilude escondendo a dívida contraída, e também o que, sendo produzido num país, não fica contudo nele. Ao que fica, e a que se juntam os rendimentos dos nacionais que vêm de outras economias, chama-se precisamente rendimento nacional bruto. Não admira por isso – e certamente também porque o “rnb” está a cair há vários anos – que o Presidente da República venha há já algum tempo a insistir na maior fiabilidade deste indicador para se avaliarem os reais progressos do país e do bem-estar das populações.»

Manuel Maria Carrilho, Contingências

12.12.08

O REGRESSO DO BETÃO


Refrescado pelo conselho europeu que decidiu impor à Irlanda um novo referendo ao famigerado Tratado de Lisboa (até a UE funciona a "toque de caixa" estilo soviético), Sócrates traz na bagagem um novo e maravilhoso "plano estratégico" para combater a crise. De novo, porém, não tem nada. É apenas o tradicional recurso ao betão através do investimento público. Ainda hoje Belmiro de Azevedo mencionou o que se devia evitar e deu como exemplo justamente os biliões em obras públicas e equipamentos como o TGV. Não consta que Belmiro seja um mau gestor ou, sequer, um mau português. Não aprendem nada.

O ESTADO DA NAÇÃO -2

Ler o Luís Naves. «As pessoas (...) nem precisam de ouvir quem lhes fale da realidade, pois a realidade e a ficção misturam-se subtilmente, criando uma vida paralela, desviada, onde se instalou o conforto de nem querer saber. Faz lembrar o aflitivo universo de Philip K. Dick.»

SÓ DUAS PALAVRINHAS

Para apoiar o Paulo Portas e o CDS/PP pela coragem revelada na proposta de alterações à lei da imigração. Basta ter reparado nas reacções - entre o histérico e o idiota de alguns dos seus pares no Parlamento - para perceber que tinham razão. Neste regime, todavia, não se pode deixar de correr atrás do correcto e da "boa" opinião pública. Foi o que essas reacções quiseram significar no seu quase unânime e frívolo espectáculo. Mais nada.

11.12.08

REPRISE

Não se entende bem para quê, mas a ministra da educação tornou a reunir-se com Nogueira e os seus escuteiros amestrados. Tortos como são todos - da ministra "anarquista" que se comove com meninos computorizados que dizem que quando forem grandes querem ir a correr inscrever-se no PS aos sindicalistas dos professores - é manifesto que jamais se entenderão. O ano lectivo (que coincide com um ano eleitoral) anuncia-se desastroso. É impossível as escolas funcionarem neste clima de permanente caldeirada. Por isso, estes protagonistas, todos, se tivessem um módico de senso, saíam de cena. Não vale, porém, a pena falar em cordas em casa de enforcados.

VER A ALMA


Era muito novo e demasiado "adulto" para a idade. Nesse dia de Janeiro de 1986, meti-me cedo num comboio para o Porto e a meio da tarde estava sentado numa sala da sua casa a "entrevistar" Manoel de Oliveira. O João Amaral e o Semanário de Cunha Rego "mandaram-me" lá. Ia aparecer o Soulier de Satin, baseado na obra homónima de Claudel. Falámos longamente, rodeados pelas fotografias da família. Encontrámo-nos, de novo, num outro comboio, cerca de três anos depois. Eu vinha de Guimarães e ele entrou em Gaia. Recordei-lhe a entrevista. Estávamos praticamente sozinhos na carruagem de 1ª classe da CP pré-Alfa Pendular. Jovial, amável, conversador, sem tiques de celebridade como o ressequido Saramago. De lá para cá, envelheci muito mais do que ele jamais envelhecerá. Citado por Eduardo Prado Coelho em A Mecânica dos Fluídos, Oliveira descreve a imagem. «Como sabem, a gama de cor é enorme e o que é visível é muito pequeno. Para a nossa vista o que está aquém dos raios vermelhos já não se vê e o que está para além dos raios violetas também já se não vê. Se nós tivéssemos uma visão total, talvez que pudéssemos ver a alma...» É a isso que o cinema tantas vezes incompreendido de Oliveira nos leva. A "ver a alma" das suas "desalmadas" personagens. Os brutos acham-no "parado". Como ele, na juventude e na ironia do seu centenário, se deve rir deles. Parabéns, Manoel.

O ESTADO DA NAÇÃO

Um país de papagaios. Uma sociedade desenvergonhada. Um lugar que, a cada hora que passa, fica a dever mais dois milhões de euros ao estrangeiro, fora os juros. Henrique Medina Carreira explicou, com desenvoltura e ironia, o "estado da nação" e a razão por que não acredita na propaganda de Sócrates, alguém que ele não leva a sério ao contrário do empertigado Gomes Ferreira da SIC-Notícias. Dispensa comentários.

Adenda: Sempre atento a tudo o que coloque em causa o exercício "socrático", Eduardo Pitta consegue (o que também não é difícil) ser um supra Gomes Ferreira. Não convém esquecer que a "massa" de que é feito o exercício também está presente no "episódio" Joana Varela, da Gulbenkian, que em boa hora o Eduardo verberou. Já agora, em que ponto é que estará a situação da então directora da Colóquio-Letras? Já se esfumou a perfídia nas brumas do costume?

10.12.08

UMA OPINIÃO

Sensata sobre os trabalhos parlamentares de alguém que ainda acredita no Parlamento português. O dr. Mário Soares, que adora aquela tirada da "casa da democracia", entende que jamais se deve criticar os ocupantes da dita "casa". Todavia, para a opinião pública respeitar os deputados, é indispensável que eles se dêem ao respeito, uma coisa que parece não incomodar excessivamente o velho pai da pátria.

SOARES REVISITADO

Mário Soares reapareceu para dizer duas coisas. Primeira: aquilo da "falta dos deputados" é um fait-divers "para vender jornais". Segunda: a ministra da educação é uma senhora com uma "coragem invulgar". Se Soares tivesse conseguido reencarnar pela terceira vez em Belém, será que acharia "invulgar"a prestação da "corajosa" senhora e um fait-divers a balda parlamentar? Não estaria antes a pensar numa espécie de congresso "Portugal, que futuro?", a bajular os jornalistas e a vociferar contra a "ditadura" da maioria?

O EDIL COMENTADOR



De acordo com o edil de Lisboa, António Costa, a situação decorrente da greve à recolha do lixo é "gravíssima". Confirma-se que os cerca de cinquenta e sete mil eleitores que lhe deram o votinho em 2007 incorreram num equívoco. Costa, afinal, é um falso executivo. Tem prosápia, não lhe falta ambição e está à vontade no métier aprendido nas juventudes partidárias e, depois, nos aparelhos. Quanto ao resto, "muita parra e pouca uva". Foi hábil nas "alianças" e em acabar com a "falta do Zé", mas pouco mais tem sabido fazer. A greve do lixo é daquelas coisas que, pela natureza delas, lhe compete (pelo menos) tentar resolver. Comentá-la como se estivesse na "Quadratura do Círculo", não chega.