31.8.08

D. MARIA ESTEFÂNIA


O Miguel Castelo-Branco recorda a sua chegada ao Continente, vindo de Moçambique há trinta e quatro anos, com «um nada e nos bolsos nem cotão havia. No aeroporto de Lisboa não havia um Guterres palrador, nem uma enfermeira, nem um padre nem ninguém. Éramos o lixo do Império que a todo o custo queriam atirar para debaixo da carpete vermelha do novo Portugal.» O Miguel provavelmente gostaria de ter assistido à repetição de um notável documentário de Joaquim Vieira, na RTP1, dedicado a Maria Estefânia Anachoreta, a representante do Movimento Nacional Feminino em Santarém, A Voz da Saudade. D. Maria Estefânia foi a Angola, em 1966, com um gravador em punho no qual levava registadas as mensagens dos familiares dos militares portugueses da zona de Santarém. Andou de companhia em companhia a reproduzir essas mensagens. Morreu em Janeiro deste ano, com 89 anos, seguramente com a energia e a lucidez manifestadas no documentário terminado seis meses antes. Uma energia que a levou - sozinha porque não teve a "benção" de "Cilinha" Supico Pinto, a presidente do MNF - aos 47 anos, até Angola, e que manteve indemne, pelos vistos, até ao fim. Quando vemos uma Ana Gomes "completamente rendida" a Obama depois do circo de Denver em que participou, como é que não podemos deixar de manifestar respeito por Senhoras anónimas como D. Maria Estefânia? É como diz o Miguel. «O país gosta dos fulanos e fulanas rabudos, dos doutorecos e doutorecas, da meia tijela, com ou sem peles, dos bajuladores, dos pequenos e grandes poltrões. Está bem, assim, na fila de trás da Europa.» Bom proveito.

A INSUPORTÁVEL VIDA

O livro da foto é porventura dos mais belos ensaios escritos por Sartre (tradução de Pedro Oom para as Publicações Europa-América, em 1966, com prefácio de Michel Leiris e dedicado a Jean Genet) e prova que a filosofia pode ser a "procura íntima da serenidade", nas palavras do Eduardo Prado Coelho. E que que um filósofo (coisa diferente de um tagarela da filosofia) é, antes de tudo, um escritor. Um bom escritor. Li-o em Tânger no acaso de uma viagem como - vejo-o agora - escrevi numa das primeiras páginas. «Baudelaire voltou-se para o passado, para limitar a liberdade pelo carácter. Mas esta escolha tem outras significações. Baudelaire tem horror à sensação do tempo a correr. Parece-lhe que é o seu sangue que corre: esse tempo que passa é tempo perdido, é o tempo da preguiça e da moleza, o tempo das mil e uma juras feitas a si mesmo e não cumpridas, o tempo das mudanças, das diligências, dessa perpétua busca de dinheiro. Mas é também o tempo do tédio, o jorro sempre recomeçado do presente. E o presente forma um todo com aquele apego insípido e tenaz que o poeta tem a si mesmo, aos limbos translúcidos da vida interior:
Garanto-vos que os segundos são forte e solenemente sublinhados e cada um deles, ao irromper do relógio, diz: «Eu sou a vida, a insuportável, a implacável vida.»

REPRISE

Juro que este post não se destina a agradar aos "camaradas" algarvios. Nem o José Apolinário, que conheci no MASP-1, nem o Gonçalo Couceiro, director regional do ministério da Cultura, precisam de "agrados". Sucede que, por uma vez, não estou de acordo com Vasco Pulido Valente. VPV critica, no Público de hoje, a directa dependência da figura do secretário-geral da segurança interna da figura do primeiro-ministro, por um lado, e o "controlo" que aquela figura vai exercer sobre todas as polícias, por outro. Também é chamado à colação o "chip" que os automóveis terão de exibir como "prova" de que as liberdades já não são o que eram. Nisto tem razão, embora, como lembra no artigo, todo o "ocidente" dito democrático tenha, depois de Setembro de 2001, preferido viver a liberdade em segurança quando não mesmo sacrificar alguma liberdade em prol da segurança. Por cá é tudo infinitamente mais leve e, sobretudo, repetitivo e inconsequente. Sócrates não inventou a roda. Mário Soares, pai da pátria e insuspeito na matéria, quando presidia ao "bloco central" de 83-85, criou o "serviço de informações da República", o "SIRP" - com dois "ramos", um civil e um militar - na sua (ele era então 1º ministro) dependência. Manifestou-se a indignação habitual, agravada pela proximidade do "25 de Abril". Apenas dez anos separavam a data gloriosa desta ignomínia. Soares, o PS e o PSD foram na altura amplamente zurzidos na praça pública e nos jornais por causa deste inopinado "regresso ao fascismo". Todavia, o "fascismo" não regressou. O "sistema", como uma ou outra nuance, serviu até agora sem grandes protestos. E serviu mais cinco chefes de governo, entre os quais dois socialistas e Cavaco. Mais. O mesmo Soares que sustentou politicamente o "sistema" foi eleito presidente da República - e com votos da mesma gente que exigira a sua cabeça em nome do putativo "regresso ao fascismo" que ele promovera através do "SIRP" - cerca de ano e meio depois do episódio. VPV admira-se com o silêncio de um Mário Soares aparentemente feliz com um Sócrates que "não erra". Queria que ele dissesse o quê?

PEQUENINOS DE PORTUGAL



Um leitor enviou-me um "mail" onde conta que tentou abrir este blogue na biblioteca de Faro e que lhe "saiu" isto:

O acesso a esta página encontra-se bloqueado por não se considerarem os seus conteúdos adequados à consulta numa Biblioteca Pública.
A Direcção

Informação:
URL = http://portugaldospequeninos.blogspot.com/

Se considerar que, neste caso, os conteúdos são didáctico-informativos, pode fazer um pedido de desbloqueio de página neste formulário

30.8.08

SIMONETTA


Simonetta Luz Afonso vai aposentar-se e deixa a direcção do Instituto Camões. Por que é que a aposentação de uma alta funcionária do Estado é notícia, com direito a "setas para cima"? Porque Simonetta é verdadeiramente uma mulher "for all seasons", uma distinta representante do regime "cultural" em vigor. Faz parte daquele vasto caldeirão de figuras "transversais" que estão sempre prontas para "servir" e que são apaparicadas indistintamente pelo PS, pelo PSD e pelo Palácio de Belém, ou pelos três ao mesmo tempo. Simonetta, aliás, personificou há uns anos uma cena típica. Num remake dos Estados Gerais do PS, em pleno auge "guterrista" de 99, a senhora foi abordada pelas televisões que lhe perguntaram o que é que estava a fazer no Coliseu. Na realidade, Simonetta tinha sido "guru" de alguns eventos "culturais" famosos promovidos pela "cultura" do tempo de Cavaco. Simonetta, com toda a naturalidade do mundo, respondeu que, como funcionária pública, tinha a obrigação de estar ao lado de quem mandava nela. Como era Guterres quem mandava (e tudo indicava que continuasse a mandar), ela achou por bem ir mostrar-se à Rua de Santo Antão. Aplicou-se, com zelo e método, a praticar o mesmo princípio após o sumiço do bonzinho de São Bento. Até ao fim. Não é, pois, de admirar o panegírico. Simonetta foi apenas um dos mandarins. Ainda sobram bastantes.

REGIME PAPAGAIO

Aqui e no artigo no Público, José Pacheco Pereira reflecte bem sobre a propaganda do regime. Aliás, num "regime papagaio" como o nosso não é difícil perceber que tantos papagaios, de extracção diversa e oposta, peçam respectivamente ao 1º ministro e à líder do PSD que falem. A um, dos "crimes". À outra, de tudo. Eu prefiro não ouvir ninguém e continuar a ler.

ANGOLA É NOSSA E NÓS SOMOS DE ANGOLA

As publicações do grupo do dr. Balsemão, especialmente a Visão e o Expresso, bem como o Público, manifestam-se indignados pelas "dificuldades" que o governo angolano anda a colocar à concessão de "vistos" aos seus correspondentes nas "eleições" que terão lugar na antiga colónia. Não deve haver motivo para preocupações. Basta seguramente "meter uma cunha" ao governo ou a alguma daquela "sociedade civil", estilo bancos, que, por sinal, costumam encher as páginas das referidas publicações com as "histórias" dos seus negócios e dos seus "gerentes". Nada que o regime, praticamente "hipotecado" à Angola de Eduardo dos Santos, não resolva.

29.8.08

QUEM NÃO TEM CÃO...

McCain tornou-se, de repente, interessante.

SUMÁRIO

Desculpar o criminoso, culpar a sociedade e desprezar a vítima. O Paulo Portas resumiu bem a coisa.

ENQUANTO AGITAM BANDEIRINHAS AO PRECÁRIO HERÓI DE DENVER


«Sem o império (sob o nome de "federação" ou qualquer outro) não existe Rússia; existirá provavelmente uma infindável e mortal desordem. E, se o Ocidente começa a roer as margens do império, não há maneira de a longo prazo o centro perdurar. Putin e Medvedev sabem isto por experiência e por tradição. Não é razoável pensar que assistam tranquilamente ao desastre ou que se iludam, como Gorbatchov, sobre a bondade intrínseca do mundo.O abjecto fim do comunismo inspirou o Ocidente a exportar, ou a impor à fraqueza da Rússia as regras de uma civilização que não é a dela e que, de resto, a sua natureza não lhe permite aplicar. O Ocidente principalmente não percebeu que, para a Rússia, uma verdadeira democracia e uma verdadeira economia de mercado eram um puro suicídio. Agora, as circunstâncias mudaram. Putin restabeleceu a autocracia e o petróleo e o gás reforçaram a "federação". As tropas que entraram na Abkhásia e na Ossétia do Sul são um sinal. O sinal de que o império não continuará a consentir no que toma (e, com perspectiva da Geórgia na NATO, acreditem que toma) por uma ameaça às suas fronteiras. A América e a "Europa" não o devem ignorar. O mérito moral do episódio não interessa aqui. O que interessa aqui é a interpretação que Putin e Medvedev dão à estratégia do Ocidente.»

Vasco Pulido Valente, Público

28.8.08

LEONTYNE PRICE, VERDI, ERNANI

"O QUE É QUE SENTIU?"


O senhor conselheiro Pinto Monteiro anunciou a criação de umas "unidades especiais" dentro de quatro DIAP's, salvo erro, para "combater" a criminalidade violenta. O senhor dr. Rui Pereira, o MAI, anunciou uma alteração à chamada "lei das armas" no sentido de "facilitar" a detenção, seguida de prisão preventiva, dos malandrins apanhados em delitos com recurso a armas de fogo. Estes melancólicos gestos burocráticos raramente resolvem alguma coisa. A PGR habituou-se a "responder" aos apertos com papéis e "grupos de trabalho". E o governo legisla sempre mais um bocadinho. Não é por acaso que, ao perguntarem na televisão a um cidadão de Odivelas "o que é que sentiu" quando teve uma pistola apontada à pinha num café perto de casa, ele tenha respondido que só lhe ocorreram duas "ideias". A primeira, que dava jeito haver polícias por perto. A segunda, porventura consequência da primeira, a pena que sentiu por não ter uma arma na mão como o assaltante. É aquela coisa chata da vida ser sempre mais rica do que a nossa imaginação. A nossa, a do PGR ou a de um ministro.

ENCARNAÇÕES

A propósito disto, só queria recordar ao Eduardo duas coisas. O PS, na encarnação Guterres e quando Costa, o actual e irrelevante presidente da CML, era ministro da Justiça, "reformou" o processo penal no sentido de agravar as medidas de coacção. As cadeias encheram-se a seguir de presos preventivos desde - ironias do destino - deputados da nação até vulgares ladrões de bicicletas. Na dúvida, prisão preventiva. O PS, na encarnação Sócrates e com outro Costa na Justiça, voltou a "reformar" o processo penal para o "aliviar" da "dureza" da medida máxima de coacção. O resultado imediato foi a soltura de muitos presos preventivos, rapaziada que, de certeza, é mais dada a entrar numa gasolineira aos tiros do que nas "novas oportunidades". O problema é dos criminosos, de quem aplica a lei ou de quem, consoante a "encarnação" e os "tempos", a faz e desfaz?

"PAÍS ENGRAVATADO TODO O ANO E A ASSOAR-SE À GRAVATA POR ENGANO"

O ERRO NO PLANO DE DEUS


Escreve o Baptista-Bastos, um dos poucos "autênticos" que sobrevive mesmo quando não concordamos com ele: «Henri Michaux, poeta de que gosto muito, autor, aliás, de um pequeno livro, Equador, este, sim, maior, escreveu: "Só lutamos bem por causas que nós próprios modelamos e com as quais nos queimamos ao identificar-mo-nos com elas.» Pois é. O mesmo Michaux também nos ensina que «sempre que a gente esquece o que são os homens, caímos na facilidade de lhes querer bem.» Ou, na versão "dura" de Marguerite Duras, o erro no plano de Deus. O homem, naturalmente.

BOA NOITE E BOA SORTE

Um dos comensais do post anterior - um rapaz que agrada à esquerda caviar porque «defendeu a legalização do aborto até às 10 semanas, defende o casamento das pessoas do mesmo sexo, é ateu» - diz-se de direita da mesma forma que os "verdes" do PC são "verdes". Faz parte daquela vasta trupe dita de direita que nutre, afinal, um constante temor reverencial pela "esquerda" enquanto ópio para pseudo-intelectuais. Repare-se, aliás, como ele segue o cânone à risca. Depois dos "costumes", vem Cavaco que o rapaz - o novo engraçadinho do Eixo da dra. Clara - compara a um "certo beirão" , não vá perder a oportunidade para o Daniel Oliveira ou para o próprio dr. Louçã. Como ensinava o velho Séneca, não há bom vento para quem não conhece o seu porto. Não admira que, com mabecos desta estirpe, a "direita" não vá longe. Eles vão. A direita, não. Boa noite e boa sorte.

27.8.08

DENEUVE ESTAVA À RASQUINHA PARA LAVAR AS MÃOS



Guia para a construção de pequenos Obamas portugueses ou apenas dois portugueses deslumbrados ao constatarem que Catherine Deneuve frequenta casas de banho de restaurante? Seja lá o que for, é imperdível para perceber como os "novos valores" nacionais são substancialmente mais velhos do que os sessenta e cinco anos apontados com dedo malcriado à Deneuve. Como se ela tivesse idade.

DEITADOS NO CHÃO


Há esta cena admirável em Love Streams, de John Cassavetes, um filme de 1984. Gena Rowlands - na vida a mulher de Cassavetes, no filme, a irmã, na verdade, uma grande actriz - entra num departamento qualquer (uma seguradora? o IRS?) com uma criança (a filha? o sobrinho?) para resolver qualquer coisa. Não chega ao que pretende. Deita-se no chão do escritório, em protesto pela vida que está a passar por cima dela, como se nada mais a perturbasse, indiferente ao movimento burocrático à volta, com a criança (a filha? o sobrinho?) a "puxar" por ela. Existe um "ponto" na nossa vida - aquele imperceptível quando a impotência pode mais do que a vontade - em que é isto mesmo que apetece fazer. Ficar apenas no chão e deixar que tudo nos passe literalmente por cima como, na realidade, acaba sempre por passar.

POUCA SORTE

Os EUA e o mundo perderam uma boa ocasião e uma excelente presidente. Agora vão ter de escolher entre o aprumadinho Obama e o inócuo pseudo-herói de guerra "republicano". As tretas retóricas de Obama acabarão no dia em que ele, por acaso, for eleito. Aliás, aquela festança permanente que tem sido a sua campanha está esgotada de tão foleira e óbvia que é. O outro, nem retórico consegue ser porque é demasiado pobre de verbo e conteúdo, um pouco na linha do seu antecessor. Não gabo a sorte da América.

26.8.08

(IN)SEGURANÇA INTERNA

Fora o PS, o resto do regime manifestou a sua perplexidade acerca das novas leis da segurança interna e da investigação penal. Os juízes até acham que foi violado o princípio da separação de poderes e que o futuro secretário-geral da coisa será um mero delegado político ao serviço da maioria de circunstância. Apesar de tonto, o PS não irá certamente indicar para o cargo um dos seus eternos "disponíveis". Deverá ficar por conta de um magistrado disposto ao "sacrifício", independentemente da magistratura (MP ou judicial) a que pertença. A esquerda - o PS, em particular, porque já leva, entre Guterres e Sócrates, uns bons anos disto, para não falar dos "idos de 80", com Soares, onde foi concebido o "sistema" em vigor na dependência do premier -, com os seus "observatórios", não se dá bem com a segurança interna. Os resquícios ideológicos e os preconceitos "culturais" tolhem-na. E existe uma retórica "apaziguadora" que passa a vida a esbarrar com a realidade. Legislar infinitamente não resolve um átomo dos problemas. Nunca se legislou tanto em matéria de justiça e segurança interna e vejam onde (não) chegámos. Este episódio é apenas mais um capítulo na triste biografia do legislador anónimo. A realidade segue, impiedosa, esta noite.

PELO SIM, PELO NÃO - 2

Não compre uma, não.

COM BOLHINHAS


«Devemos combater sem tréguas esta ideia de uma cultura sem esforço, sem resistência, sem atrito, esta obsessão de sermos todos divertidos e leves, com bolhinhas.»

Eduardo Prado Coelho

DAR SUGESTÕES

Pinto Monteiro, o PGR, vai "apresentar sugestões" para combater aquele tipo de criminalidade que assusta as pessoas e que costuma ser designada por "pequena" e "normal" apesar das armas de fogo, dos tiros e das vítimas. Uma vez que a PGR dirige a acção penal e, por tabela, a investigação criminal - ou seja, as polícias enquanto órgãos de polícia criminal - é estranho (para mim já nada é estranho neste país de opereta) que Sua Excelência venha publicamente "dar sugestões" como se fosse um "comentador" ou, na pior das hipóteses, o Luís Delgado. Ainda vamos ter saudades do sorriso enigmático do dr. Souto Moura.

AS NOVAS LÍDIAS FRANCO

José Medeiros Ferreira escreve que a "campanha contra" o pobre do dr. Rui Pereira lhe faz lembrar uma outra, num verão do "guterrismo", contra Fernando Gomes, então MAI. Diz ele que só mudaram os criminosos. Mudaram os criminosos e a Lídia Franco. Recordo que foi na sequência de um mediático "assalto" à actriz, no meio de uma auto-estrada, que a "campanha" começou. Os assaltantes eram uns menores que acabaram "internados" nos "colégios" da reinserção social, a designação "progressista" dos velhos reformatórios. Como entretanto cresceram a ler os livros da Fernanda Câncio, já devem estar cá fora. E, quem sabe, talvez sejam, afinal, os mesmos criminosos que "vitimaram" o dr. Gomes. Ou os "primos" deles. Sucede que as actuais "Lídias Franco" estão mais espalhadas pelo país e são, manifestamente, menos "mediáticas". Donos de pequenas ourivesarias, gasolineiros, empregados de balcão ou velhinhas de oitenta anos não são tão eficazes para combater o crime (ou um ministro) como uma figura da televisão. Será que é isso que mantém Pereira, esse académico sempre tão perdido no seu labirinto?

25.8.08

AINDA O DIVÓRCIO

Maria João Marques não é seguramente tão "mediática" como Fernanda Câncio, a prioresa dos costumes correctos (a Fernanda devia ler Richard Rorty, um filósofo social-democrata que nos recomenda a permanente redefinição dos nossos vocabulários). Todavia consegue produzir uma reflexão não panfletária - apesar de naturalmente comprometida - acerca da questão da alteração da lei do divórcio, a posição do PR e a desse "sou-jovem-logo-vou-com-os-correctos" que é Passos Coelho, um notável poço de vulgaridade política.

QUESTÕES PARA O CHIADO

Sobre o Chiado e as mesmas conversas de chacha, ano após ano, vinte passados sobre o incêndio, este post de Pedro Santana Lopes.

UM HOMEM AMÁVEL


Faz hoje um ano que desapareceu o Eduardo Prado Coelho (EPC). O jornal onde ele escrevia limita-se a dedicar-lhe uma singular "carta de uma leitora". O ano que passou comprova o que escrevi na altura. "EPC foi o último analista absoluto de uma coisa a que, com felicidade, chamou um dia de "reino flutuante" ou "a mecânica dos fluídos", mesmo quando os termos nos irritavam. E é patente que os escritos mais recentes sobre novos "poetas" e "escritores" portugueses relevam quase só do plano da mera empatia pessoal ou de qualquer outra coisa que nada tinha a ver com crítica e literatura. Não deixa, mesmo assim, órfãos ou viúvos." A indigência que caracteriza a generalidade das "croniquetas" e das "críticas" que enchem os jornais, a cobardia anti-polémica com que, par délicatesse, as adornam, o cuidado com a "correcção", a irrelevância, etc., etc., trazem à superfície a saudade que o EPC deixou. Também ele não resistiu - tantas vezes - à "pressão" da mesmice complacente que é a vida dita cultural portuguesa, sempre embrulhada no oportunismo político dos dias e horas do regime. Só que, ao contrário dos pequenos mandarins de agora, sempre tão cheios de coisa nenhuma, EPC prodigalizava um "saber" individual adquirido em anos e anos de observação e de leitura de lápis na mão que é impossível ser reproduzido pelas "modernas" máquinas tagarelas (de televisão ou de jornal) que nos incomodam permanentemente com a sua inútil presença. Aprendi e descobri muita coisa com o EPC, alguém que, sempre que se encontrava connosco, era simplesmente um homem amável.

Nota: A ASA/LeYa reedita por estes dias o seu "diário", Tudo o que não escrevi, dois volumes sobre os "anos felizes" de Paris.

BOA NOITE E BOA SORTE

Percorrem-se as "últimas horas" online e o que é que são as notícias? Os resultados de alguns cinquenta jogos de futebol. E depois era o Doutor Salazar quem apreciava "viver habitualmente". Vão-se foder.

24.8.08

OTELLO, KLEIBER - 5

FATINHA

Fátima Felgueiras estava há pouco, em directo, num programa para atrasados mentais promovido todos os malditos dias de Agosto pela RTP, a televisão pública, apresentado por João Baião. Felgueiras, a presidente da Câmara de Felgueiras, local onde decorre o programa, exala glamour e tranquilidade por todos os poros. Dá sempre ideia de quem tem o PS de Sócrates e Coelho devidamente guardado no bolso. Em próximo programa, é de esperar a presença doutro grande autarca, o sr. Major, o mais recente apoiante de "Sócrates-distribuidor-de-computadores". Não se queixem. É com isto que querem "regionalizar"? Antes o "fascismo" do Berlusconi.

OUT OF AFRICA


«I had a farm in Africa at the foot of the Ngong Hills. The Equator runs across these highlands, a hundred miles to the north, and the farm lay at an altitude of over six thousand feet. In the day-time you felt that you had got high up; near to the sun, but the early mornings and evenings were limpid and restful, and the nights were cold. The geographical position and the height of the land combined to create a landscape that had not its like in all the world. There was no fat on it and no luxuriance anywhere; it was Africa distilled up through six thousand feet, like the strong and refined essence of a continent. The colours were dry and burnt, like the colours in pottery. The trees had a light delicate foliage, the structure of which was different from that of the trees in Europe; it did not grow in bows or cupolas, but in horizontal layers, and the formation gave to the tall solitary trees a likeness to the palms, or a heroic and romantic air like full-rigged ships with their sails furled, and to the edge of a wood a strange appearance as if the whole wood were faintly vibrating. Upon the grass of the great plains the crooked bare old thorn trees were scattered, and the grass was spiced like thyme and bog-myrtles; in some places the scent was so strong that it smarted in the nostrils. All the flowers that you found or plains, or upon the creepers and liana in the native forest, were diminutive like flowers of the downs - only just in the beginning of the long rains a number of big, massive heavy-scented lilies sprang out on the plains. The views were immensely wide. Everything that you saw made for greatness and freedom, and unequaled nobility.The chief feature of the landscape, and of your life in it, was the air. Looking back on a sojourn in the African highlands, you are struck by your feeling of having lived for a time up in the air. The sky was rarely more than pale blue or violet, with a profusion of mighty, weightless, ever-changing clouds towering up and sailing on it, but it has a blue vigour in it, and at a short distance it painted the ranges of hills and the woods a fresh deep blue. In the middle of the day the air was alive over the land, like a flame burning; it scintillated, waved and shone like running water, mirrored and doubled all objects, and created great Fata Morgana. Up in this high air you breathed easily, drawing in a vital assurance and lightness of heart. In the highlands you woke up in the morning and thought: Here I am, where I ought to be.»

MAU VENTO

Como se não bastasse o mês ser, por si, horrível, veio juntar-se-lhe o vento. Razão a Yeats: «There is enough evil in the crying of wind.»

O ALIADO FRACTURANTE


Sócrates, afinal, já tem um "aliado" de requintado gosto e esmerada educação. E não apenas para o folclore de esquerda, dito "fracturante". Se a maioria fugir em 2009, o PS tem nestes evangelistas de pacotilha os melhores aliados parlamentares para fingir que é de esquerda. Começo a dar razão a Alberto João Jardim. Isto já não é uma questão de partidos do regime. É uma questão de "partir" o regime.

23.8.08

OTELLO, KLEIBER - 4

PELO SIM, PELO NÃO

Já comprou a sua?

OTELLO, KLEIBER - 3

A SOLUÇÃO "REMEDIATIVA"

O "caderno principal" do Expresso - o Expresso todo - vale quase exclusivamente por causa de José Cutileiro. O resto é ilegível ou percorre-se com rapidez e esquece-se ainda mais depressa. Isto, por exemplo, é puro esterco. No entanto, um texto da jornalista Carla Tomás chamou-me a atenção. Um rapaz de uma escola secundária de Odivelas, com quinze anos, "passou" para o 7º ano de escolaridade (o antigo 1º ano do liceu) "chumbado" a oito das nove disciplinas, sendo que a única em que obteve positiva foi a educação física. Porquê isto? Porque o "sistema" a que a prof.ª Lurdes Rodrigues preside quer à viva força "reduzir as repetências". O matulão de quinze anos (com essa idade devia estar, pelo menos, no 10º) "aguarda" a entrada numa coisa apelidada de "curso de educação-formação" onde, de acordo com os "especialistas" da escola e do regime, "poderá adquirir conhecimentos técnicos que lhe servirão para a vida, e só passou nessa condição." Porém, como escreve a jornalista, nada disto está garantido. Para mal dela, foi ouvir o sr. Valter Lemos, o inexplicável secretário de Estado. Para Lemos, esta é uma "solução remediativa" (sic) e que permite "inserir" estas criaturas na sociedade através de "percursos curriculares alternativos". Presumo que estes "percursos" incluam, a médio prazo, assaltos a bancos e a gasolineiras se o "sistema" se esgotar, ou se revelar impotente, e os meninos se fartarem definitivamente dele. Isto seria cómico se não fosse trágico. E é revelador de um país que passa inteiramente ao lado da esquerda comentadeira e urbana, mais preocupada com tretas "fracturantes" do que com a realidade. Nunca li uma linha desta gente urbano-depressiva e pequeno-burguesa acerca da qualificação. Estão ocupados em demasia a observar o que se passa (ou não) por baixo dos seus enormes umbigos e em "regular" a vida dos outros pelo mesmo "padrão". Entretanto as "soluções remediativas" de criaturas intelectualmente estéreis como o sr. Valter vão fazendo o seu caminho sob o silêncio cúmplice destes "progressistas" de sofá. Se as elites são periféricas, o que é que se pode esperar do resto do país?

22.8.08

O NADA CENTRAL

«(...) Passaram seis meses e ainda não sabemos o que pensa o PSD sobre assuntos que a todos dizem respeito: crescimento da economia, crise política internacional e o reacender da guerra fria, controlo de grandes empresas portuguesas pelo Estado angolano, reforma das leis laborais, TGV, auto-estradas, barragens... Acabámos de ver um anúncio de grande vitória por a economia ter registado um crescimento anual de 0,9 por cento, no ano terminado em Junho. Reacção da oposição: discurso de circunstância e mais nada. De facto, a economia, fruto das reformas já realizadas, comportou-se melhor do que no passado recente, quando a economia europeia desacelerou. Mas, mesmo assim, o resultado deste trimestre mostra que a meta (ou será previsão?) de 1,5 por cento de crescimento para este ano está definitivamente afastada para aqueles que alguma vez quiseram acreditar. Para tal acontecer no segundo semestre o crescimento teria, necessariamente, que se situar acima dos 2 por cento, o que é impossível. A oposição, e o PSD em particular, disse: nada. Mesmo a previsão do Banco de Portugal, de 1,2 por cento, será dificilmente alcançável, pois a economia, neste caso, teria de crescer no segundo semestre a 1,4 por cento. Não é impossível, mas é improvável. Quanto ao pacote em discussão pública sobre legislação laboral, a oposição do PSD disse nada. Pelo menos que se ouvisse. O Estado angolano tem vindo a tomar conta de empresas do sistema energético e financeiro nacional. As dúvidas são pertinentes. Primeiro, a privatização de grandes empresas não tem como objectivo serem nacionalizadas por outro Estado, seja ele qual for. Segundo, no caso concreto, é um Estado não democrático e que não segue as regras do mercado na sua intervenção pública. Terceiro, as empresas portuguesas em Angola têm sofrido pressões públicas inadmissíveis para venderem parte do capital à nomenklatura, por preços por ela determinados, naturalmente, e com chantagens claras e credíveis. Em conclusão, será que os portugueses consideram razoável que empresas críticas ao regular funcionamento da nossa economia fiquem nas mãos do Governo angolano? Sobre isto o PSD nada disse. Eu pelo menos nada ouvi ou li. Nos grandes projectos o PSD disse ter dúvidas e precisava de ver os estudos. Até aqui tudo bem, mas é pouco. Por um lado, já houve um milhão de portugueses (incluindo eu próprio) a fazer tal exigência. Por outro, é preciso dizer, caso a caso, o que pensa sobre o assunto. Quais os projectos em que não têm informação suficiente? Quais os que são para adiar ou para não fazer de todo? Quais os critérios de selecção? Sobre tudo isto o PSD disse: nada. Quando o Governo lança o primeiro (e pequeno) troço do TGV, da Margem Sul à margem mais a sul, o PSD nada disse. Ora, este pequeno facto torna irreversível a realização do TGV até Badajoz, o PSD disse: nada (...).

Nota: Este texto é parte do artigo do prof. Luís Campos e Cunha, publicado no Público, e é, aparentemente, dirigido ao PSD. Não "contra" o PSD, mas contra a "forma" como o PSD (não) faz oposição. De resto, é um texto crítico do governo - nas áreas fundamentais, só faltando a "administração interna" e a "segurança" que não existem - escrito por aquele que foi o primeiro ministro de Estado e das finanças de Sócrates. Sublinhados meus.

DIVORCIADA DA REALIDADE

A Fernanda Câncio - eminente especialista em direito da família e em casamentos, aliás, como eu - pronuncia-se sobre o veto presidencial à lei do divórcio. Se dúvidas houvesse sobre a qualidade de "adereço fracturante" da nova legislação, destinada a "deitar água na fervura" na política de não-esquerda prosseguida pelo PS e pelo governo, o artigo da Fernanda recoloca as peças no seu devido sítio. O pretexto são as mulheres cuja vida de casadas, presumo, a Fernanda, como eu, ignora profundamente. Onde Cavaco fala em situação de maior fragilidade e debilidade, Câncio decreta que Cavaco, "divorciado da realidade", define as mulheres como "frágeis e débeis". Estas bandeirinhas ridículas estão tão gastas como as solas daquelas "socas" pretas que toda a gente usava a seguir ao "25". Nenhuma mulher, nenhum homem, ninguém é obrigado a casar. O que não se deve é usar o contrato - pois é de um que se se trata - como a tal bandeirinha foleira para efeitos de mero gozo intelectual. A Fernanda gostava que a realidade fosse outra coisa e que, sobretudo, o país não fosse aquilo que é. O problema dela é que talvez Cavaco esteja mais perto dessa realidade do que as "cabeças no ar" que apreciavam que a realidade fosse o que vagueia no ar. Todavia, o "progressismo" quase nunca coincide com o "realismo". E - aprendi-o nas aulas de direito - a vida é sempre mais "rica" do que a nossa imaginação. Não se divorcie tanto da realidade, Fernanda. Ainda tropeça nela.

O PSD NO PURGATÓRIO

Deus por vezes deixa certas almas a pairar tempo demais no Purgatório. É o caso do presidente da Câmara de Gaia, o dr. Menezes, que saiu pelo seu próprio pé da liderança do PSD. Menezes, que prometeu recato e silêncio, já vai no segundo artigo de jornal contra Ferreira Leite. Nada contra, nem que seja por causa da liberdade de expressão. Sucede que o dr. Menezes foi um péssimo dirigente partidário, sem autoridade ou um módico de carisma que o impusesse como alternativa. Pareceu sempre mais um "aliado", por demérito, de Sócrates do que o seu principal opositor. Se não fosse a prestação parlamentar de Santana Lopes, o logro teria sido absoluto. Fez com Mendes exactamente o que está a fazer com Manuela. Pode, em abono dele, dizer que "os de Manuela" lhe fizeram o mesmo, em sofisticado. Só que esse círculo vicioso pode ser divertido como telenovela mexicana mas não diz nada ao país. Manuela, algures no tempo que resta até às eleições, vai fatalmente ter de "clarificar" as coisas e, sobretudo, clarificar-se a si mesma. O PSD, se for a votos nas presentes condições, arrisca uma monumental humilhação. E, como diria Mário Claúdio de Guilhermina Suggia, Manuela Ferreira Leite "muito longe demora". Ainda. E esse longe demorar permite a Menezes e a outros este edificante espectáculo em curso em que não há ninguém que não obre sentença. O PSD está a ficar perigoso para Ferreira Leite e infrequentável para o país.

OTELLO, KLEIBER - 2

O "TRIUNFO" DE UMA NOVA "VONTADE"


«No meio da tanta conversa sobre os Jogos de Pequim, quase não se falou dos Jogos de Pequim. Primeiro, da cerimónia inaugural (que vi em repetição), que lembrava irresistivelmente o congresso de Nürnberg de 1934, na versão de Leni Riefenstahl. A coreografia militar daquela massa indistinta e obediente não celebrava qualquer espécie de acontecimento desportivo, celebrava o novo poder da China e prometia o "triunfo" de uma nova "vontade".»

Vasco Pulido Valente, Público

21.8.08

CRIMINALIDADES

Pelo andar da carruagem, a tropa vai acabar por ter de ir para a rua, como ordenou Berlusconi em Itália. Parece que as polícias não chegam. Rui Pereira não chega, de certeza.

OTELLO, KLEIBER - 1



Otello, de Verdi. Dirigido no Alla Scala por Carlos Kleiber, em 1976. Domingo, Freni, Cappuccilli. Um monumento musical verdadeiramente épico e único. Vamos por partes.

INSANIDADES

É mesmo o que nos está a fazer mais falta.

INDIGNIDADES

Até esta desgraça serve para a propaganda.

SUBLIMES OBSCENIDADES


«“Lolita”, a história de um pedófilo francês envolvido com uma ninfeta americana, é superiormente escrita em inglês por um autor russo. Depois de tão nebuloso e improvável puzzle, o leitor está pronto para enfrentar alguma lascívia, que é como quem diz, o carmesim da obscenidade.» Manuel S. Fonseca. Também sou um leitor atento de Lolita. E do famoso posfácio de Lolita. «Quanto a mim, uma obra de ficção só existe se me consegue proporcionar aquilo a que chamo sem rodeios o gozo estético, isto é, uma sensação de estar, de certo modo e algures, ligado a outros estados de ser em que a arte (curiosidade, ternura, generosidade, êxtase) é a norma. Não há muitos livros desses. Tudo o mais é um acervo de lugares-comuns ou aquilo a que alguns chamam "literatura de ideias", a qual não passa muitas vezes de um acervo de lugares-comuns em enormes blocos de gesso, cuidadosamente transmitidos de século para século, até que aparece alguém com um martelo e dá uma boa martelada a Balzac, a Gorki ou a Mann

Adenda: O Carlos Medina Ribeiro tem uma "Lolita", salvo seja, traduzida para oferecer. Escrevam-lhe.

REALIDADES


«Conheço verdadeiras cavalgaduras alcandoradas por razões que a razão desconhece; conheço pessoas limitadíssimas, quando não mal formadas, quase patológicas, que foram singrando até lugares que exigem grande competência. Conheço, finalmente, pessoas honestíssimas que voltaram costas e se deixaram arrastar pelos acontecimentos, conhecedoras da inutilidade da crítica, do comentário ou do mais pequeno reparo. É decepcionante que um país tão pobre como Portugal continue a promover a mediocridade e atire borda-fora a única riqueza que o poderia retirar do miserável estado de estagnação em que vegetamos. Não que os outros sejam excelentes; nós é que somos maus, nos tornamos azedos e cínicos quando nos damos conta do modus operandi do jogo social português.»


SERENIDADES


Regresso de Filipe Nunes Vicente. «Respeito as vacas. Pastam sossegadas e em boa ordem, são castanhas e não frequentam spas. Também um touro as cheira de quando em vez. Na altura certa cedem sem esforço. Erva há muita.»

INTIMIDADES


«Há pouco [tempo], estive em Portugal e que me comentava o nosso amigo, o primeiro-ministro (José) Sócrates? Que a economia portuguesa está estagnada.» Nicolau Santos? O Gomes Ferreira da Sic-Notícias? O "escritor" Sousa Tavares? Outro papagaio qualquer? Não. O "querido líder" venezuelano, íntimo de socialistas portugueses como Soares e Sócrates ("nosso amigo"), vem afinal desmentir a propaganda oficial estribada nas tradicionais décimas fornecidas de vez em quando pelo INE. Convinha, pois, apurar qual é a verdade. Se aquela partilhada nos desabafos privados "de Estado" com Chávez ou se a exibida intermitentemente com o espalhafato da propaganda, cuja versão mais recente foi expressa, ainda há dias, em Santo Tirso, por um primeiro-ministro bem disposto e com um excelente ar tropical. O "ar" já começa a não ser tudo e, como se prova, não há jantares de borla na Bica do Sapato .

20.8.08

O GESTO


O Chefe de Estado vetou as alterações à lei do divórcio recentemente aprovadas no parlamento pelos amestrados maioritários de Alberto Martins, pelo PC, pelo BE e por meia dúzia de tresmalhados da direita. Fez bem - é um veto político - embora esta mesma gente deva confirmar oportunamente o voto anterior. Cavaco, como qualquer outro PR, representa "qualquer coisa", é suposto ter "valores" e sabe que uma sociedade não subsiste se se transformar num supermercado de direitos sem deveres, atreito a proteger os que mais "sabem" e a prejudicar os que menos "podem". O presidente não se pode comportar como o notário-mor do regime, disposto a assinar a primeira porcaria que lhe coloquem na secretária. Disse aqui, noutra ocasião, que «as pessoas não constituem direitos reais e têm, sobretudo, a liberdade de não casar. Entende-se por pessoas aqueles que, ao contrário dos outros animais, supostamente possuem valores e uma ética. Tal inclui a noção de culpa, a destrinça entre bem e mal. Banalizar estes conceitos, ou anulá-los pela força da lei, é, todavia, o caminho dos "tempos". Como escrevia há dias Vasco Pulido Valente, "o mundo moderno e a opinião que o sustenta autorizam o que autorizam e proíbem, muito democraticamente, o resto. As democracias, como se sabe, produzem com facilidade aberrações destas. Quem não gosta que se arranje ou se afaste.» Eu ainda acredito na força simbólica de alguns gestos. Gestos com este, de hoje, do presidente Cavaco Silva.

19.8.08

O MUNDO QUE EU PERDI - 3



Fiorenza Cossotto e Plácido Domingo em Il Trovatore, de Verdi. Ópera de Vienna, direcção de Herbert von Karajan, 1978.

INTRIGA INTERNACIONAL

Sobre Pervez Musharraf, este post do Miguel Castelo-Branco. Quanto ao Cáucaso, andou por lá o bonzinho Guterres para convencer russos e georgianos a abrir "corredores humanitários" destinados às habituais vítimas da "geoestratégia" e da "geopolítica". Entretanto a NATO "ameaça" a Rússia e pondera admitir uma ou duas daquelas republiquetas que o "ocidente" produziu para servir de testas-de-ferro contra a perigosa Federação de Putin. Uma delas é, tipicamente, a Geórgia. Isto continua a prometer.

O "PONTALISMO"


Mário Crespo continua a saga "silly" em torno do PSD. Esta noite calhou - certamente por mera coincidência - a vez a outro "apoiante" do "jovem" Passos Coelho, o Pedro Marques Lopes. Puxou a ambos o pé para o "pontalismo". O "pontalismo" é uma "ideologia" de veraneio descoberta por meia dúzia de "comentadores" para zurzir em Ferreira Leite e passar os "tempos mortos" de Agosto. Quer o circunspecto Crespo, quer o sorridente Pedro - imaginamos imediatamente qualquer um deles, em Quarteira, agarrados a uma perna de frango assado e esmagados por uma prosa inimitável de Mendes Bota - defenderam que a presidente do PSD devia ter ido ao Pontal como se tal fosse uma obrigação "popular-democrática" irrecusável e o Pontal correspondesse a uma espécie de "convenção" partidária norte-americana onde os "confetti" são substituídos por palitos, bandeirinhas laranja e arrotos. Ora se há coisa que fica bem a Ferreira Leite é não alinhar no "pontalismo". O que é preciso (para sobreviver no saco de gatos desmamados que é o PSD) é que "alinhe" urgentemente qualquer coisa. Sobretudo para evitar que o PSD pareça entregue ao Deus dará e ao vazio apenas preenchido por tagarelas estivais.

AVENTURAS EM PEQUIM


O presidente do comité olímpico português, o quase eterno Vicente Moura (na linha do outro, o Madaíl), anunciou que abandona o posto no fim do ano. Não tenho acompanhado mas parece que a "participação" portuguesa em Pequim não tem sido famosa. Apercebo-me de gente que anuncia fins de carreira, desistências, fartações e outras heroicidades à altura do país que representam. Só a menina Vanessa e um outro qualquer, em "bronze", fizeram as "honras da casa". Vicente Moura pediu "profissionalismo e brio" e veio logo uma a terreiro para dizer que não tinha ido propriamente "brincar" para a China. Moura, por uma vez, esteve bem e respondeu que "a culpa não pode morrer solteira". Sucede que morre. Sempre estas entradas de leão com saídas de sendeiro. Não aprendem nem merecem nada.

FRAGMENTO CRUEL SOBRE A CRUELDADE DA VIDA COMO ELA É - 2

«Enquanto fores feliz contarás muitos amigos; quando o tempo se tornar nublado estarás só.»

Ovídio

18.8.08

O MUNDO QUE EU PERDI - 2



Marilyn Horne e Montserrat Caballé no Festival de Aix-en-Provence de 1980, em Semiramide, de Rossini.

À SOMBRA


Nem Mário Crespo escapou à "saison" idiota. Não arranjou melhor do que o eng.º Ângelo Correia e as suas extravagantes "teorias" políticas para preencher meia-hora do seu "Jornal das 9" . Assim que ele proferiu o advérbio de modo "analiticamente", corri para a rua com o cão. Ângelo, que se saiba, não pertence à direcção do PSD. Depois de a ter posto a correr, Ângelo passou a ser a maior "lebre" do "jovem" Passos Coelho. E, desde o congresso, não larga o osso. Ferreira Leite, apesar do cânone "autoritário", dá mostras de não possuir a menor autoridade sobre o partido de que é presidente. Sei que sou um incorrigível reaccionário, mas um modesto sinal de mando não lhe ficava mal. Com Ângelo no continente, Jardim no Porto Santo ou Lopes aqui, Ferreira Leite arrisca-se a chegar ao final do ano corrente com a sombra de um partido moldado, ironicamente, à sua soturna sombra. Ninguém ganha eleições à sombra.

A CULPA É DELE?

Sócrates regressou de férias. Recomeçou como tinha encerrado a "saison" anterior. Com propaganda. Todavia, o problema não está já tanto nele ou na sua "reprise". Como diriam os americanos, "he is doing his job". A questão é que o deixam sozinho no palco, sem contraditório. Se não se puser a pau, o PSD cai em falência técnica a um ano de eleições. A culpa é de Sócrates?

17.8.08

O MISTÉRIO DO MISTÉRIO


Nesta série de livrinhos Diário de Notícias/Quasi, A Fera na Selva, de Henry James. Uma pequena obra-prima. «O facto de não te teres apercebido de nada é o estranho do estranho, o mistério do mistério.»

ÀS MÃOS DE BRANDO



Como é que dois homens tão diferentes - na carne, na ambição, na vida - aparentemente se amaram, sendo certo que o mais "animal" dos dois amou o outro, o dos óculos, para além do improvável? Este calhamaço dá umas dicas e o direito a "esgaramantear uma laustríbia".

FRAGMENTO CRUEL SOBRE A CRUELDADE DA VIDA COMO ELA É


«Todas as coisas que amei ou acarinhei me foram roubadas. (...) Morremos albergando em nós uma miríade de amantes e de tribos, de sabores que provámos, de corpos como rios de sabedoria onde mergulhámos e nadámos contra a correnteza, de personalidades como árvores a que trepámos, de medos como grutas onde nos escondemos. Quero tudo isto marcado no meu corpo quando morrer. Acredito nessa cartografia - quando é a natureza que nos marca, em lugar de apenas inscrevermos o nosso nome num mapa, como os nomes dos ricos nas fachadas dos edifícios. Somos histórias colectivas, livros colectivos. Não somos escravos nem monogâmicos nos nossos gostos ou experiências. Eu só desejava caminhar por uma terra assim, onde não existissem mapas.»

O Doente Inglês, Michael Ondaatje

À BALA


Ocorreu mais um "momento favela" em Loures. Com mortos e feridos entre "grupos rivais" da "Quinta do Mocho". A polícia só lá foi depois de tudo estar consumado. Se calhar fez bem. A avaliar pelos disparates que se têm escrito e dito sobre a "autoridade policial", tudo indica ser mais correcto deixar os "bons selvagens" (os "jovens" na linguagem de "massagista social" das televisões) entregues a si mesmos, entretidos a liquidarem-se uns aos outros, do que ter a força policial no "terreno" já que esta, segundo os tais "pensadores" rousseaunianos, é a fonte do mal. Parece, segundo esta "doutrina", que existe esquerda e direita nestas matérias. Talvez estes "grupos rivais" passem a atirar livros uns aos outros em vez de balas, sinal de que escutaram a voz avisada e democrática das sibilas dos jornais e das televisões. Todavia, enquanto as coisas forem o que são, tiros são tiros. E não há esquerda nem direita no meio deles. Um malandrim de rua não tem "doutrina". Tem uma arma de fogo que é algo muito diferente de um computador. Apoucar permanentemente as polícias neste "contexto" de insegurança crescente, é colocar mais uma arma de fogo nas mãos dos malandrins. E isto não se ensina nos frívolos cursos de "comunicação social e cultural" nem se resolve nas "comissões" de assistentes sociais - que vivem inteiramente fora da realidade - ou com "teorias" de "proximidade" manifestamente fracassadas. Aprende-se na rua. À bala.

DORIVAL CAYMMI (1914-2008)

WAGNER 2007



Nina Stemme na produção de Nikolaus Lenhoff de Tristão e Isolda para o Festival de Glyndebourne de 2007. Quatro horas magníficas de emissão no canal Mezzo para redimir o horrível mês de Agosto.

16.8.08

CINQUENTONA



Barcelona,1990.Vestida por Jean Paul Gaultier.

O LOGRO

«Quando nos cruzamos com um ex-amigo e não nos cumprimentamos, pesa no coração o logro que é a fraternidade.»

Pedro Mexia, Público

ITÁLIA E CUBA

Vistas pelo Miguel Castelo-Branco e pelo Jansenista, via Miguel.

O UNIVERSO DE BOTA


O Diário de Notícias - sem link e, pelos vistos, sem se rir - num suplemento apelidado de "gente", entrevista, numa daquelas entrevistas idiotas de verão, o sr. Mendes Bota, dirigente máximo do PSD algarvio. O sr. Bota provavelmente tomou a entrevista a sério. Tal permitiu revelar a sua extraordinária personalidade. O título escolhido é, como se costuma dizer, todo um programa: "gosto do Donald e de todo o universo Disney". Livros à cabeceira? Bota costuma "ter um exemplar da National Geographic". "Sou assinante. Todos os dias leio três ou quatro páginas da revista antes de dormir" (fim de citação). Tem "o hábito de contar anedotas", uma coisa que "diz bem" com aquele facies e com aquela toponímia capilar. Relaxa na sua casa "a escutar os pássaros e a ver o mar". Não está "preparado psicologicamente" para casamentos gay (não sei se a pergunta era de teor pessoal) e "acredita" que somos nós que "construímos o paraíso". Bota já foi deputado europeu, presidente de câmara e é presentemente deputado da nação. Isto é, há muitos mais como ele. Por aí ou ainda por vir. O país está perigoso.

UM BÁLSAMO

«A doença do demérito está a ameaçar a sociedade portuguesa, que gosta de festejar mas não preza o caminho até lá. Confunde sucesso com aparecer na televisão. Não estou pessimista; acho, apenas, que é preciso mudar. As derrotas são um bálsamo para o carácter.»

Francisco José Viegas, Correio da Manhã

PSD BIPOLAR


O Pontal revelou a coexistência de dois PSD apesar da recente eleição directa da líder. Em torno de Manuela Ferreira Leite está o PSD "mistério", a "reserva 2009" que nos "salvará" de Sócrates. No Pontal - ou melhor, no que o Pontal significa politicamente se é que significa alguma coisa para além da febra e da coca-cola - estava o PSD "Sócrates friendly", aquele PSD "básico", o sonho de qualquer dirigente no poder. Entre o "mistério" e o "friendly" é natural que as pessoas se sintam, na sua complicada insegurança, mais "seguras" com o que está. Sócrates regressa segunda-feira para a longa caminhada até às eleições. Com o maior partido da oposição neste estado bipolar, podia perfeitamente continuar de férias.

15.8.08

À SOLTA

A RTP mandou o "escritor", repórter e jornalista José Rodrigues dos Santos para a Geórgia. Com tanto rapto que ele relata, talvez não fosse má ideia dizer aos russos que anda um pseudo-Pasternak português à solta na Geórgia.

ECCE HOMO?


Alguma opinião que se publica faz assim as contas. Entre o ano tal e tal morreram tantos "civis" por causa da polícia. Em "compensação", no mesmo período, morreram "só" tantos polícias. Para estes idiotas, um "civil" e um "polícia" não pertencem as mesmo registo humano. Para eles, há humanos mais humanos do que outros. Bardamerda.

14.8.08

REALIDADE E FICÇÃO

Quem ouvisse Miguel Sousa Tavares, há pouco, na TVI, podia julgar que Portugal é o país com a melhor economia na Europa. Tudo o que devia descer, desceu, neste trimestre "primavera-verão", e tudo o que devia subir, subiu. Falamos naturalmente de décimas e de aumento de postos de trabalho "líquidos" (nunca tinha ouvido semelhante expressão mas acredito que o "líquido" é um bom sinal). O governo tem méritos nisto? Tem. Sucede, porém, que Portugal é periférico e dependente. E aqueles dos quais depende mais - Espanha, Alemanha ou França - não possuem um Miguel Sousa Tavares nem uma economia tão "contentinha" e "segura" como o nosso escritor defendeu. Pelo contrário. O crescimento, neste países, está seriamente comprometido e isso colar-se-á a nós como uma lapa a curto ou médio prazo. Acresce que, entre o crescimento de o,9 de agora e o de 1,9 do período homólogo de 2007, há uma ligeira diferença. Convinha a Sousa Tavares não deixar o seu lóbulo de ficcionista tomar conta do outro, o de comentador.

LES CHÊNES QU'ON ABAT...

«A intenção de Salazar era eliminar-me», diz Mário Soares na Visão. Já nessa altura, pelos vistos, o dr. Soares se tinha em grande conta. Talvez, porém, Salazar pensasse o mesmo que de Gaulle. Os grandes homens morrem assassinados ou fulminados pela natureza. Ora, graças a Deus, Soares está bem vivo.

13.8.08

EM NÓS


«Salazar está em nós. (...) Oculto ou dissimulado, Salazar tem estado sempre omnipresente na nossa memória e, inclusive, nas nossas acções e nas nossas pessoais rejeições e repulsas. Porém, não creio que esteja na moda, no sentido tardo-nostálgico da expressão. Penso, até, que um absurdo temor tem procurado atrasar e, até, suprimir, a experiência crucial por que passámos. Também os mais novos, ocasionalmente com a satisfação maligna de "não serem desse tempo", continuam lacrados com o sinete de uma ideologia, de uma época e de um homem. Implorar à História que se apague é uma indignidade obscena.»

Baptista-Bastos, Diário de Notícias

NO MEIO DE NÓS

Não vale a pena iludir a questão com a retórica académica do ministro Rui Pereira. Nem tão-pouco ressuscitar das profundezas da pior sociologia a "teoria do coitadinho". Existe, de facto, um "clima" adequado à proliferação da pequena criminalidade perigosa, isto é, daquela que pode perfeitamente acabar mal, seja para que "lado" for. O menino de doze anos que faleceu por causa de um tiro não se encontrava a brincar no recreio, em casa ou na praia. Não há "racismo". Houve, sim, azar no cumprimento da lei (parece que o termo adequado aqui é mesmo "dano colateral") e irresponsabilidade familiar. O menino não vivia no meio de "santos". Aliás, o "santo" do pai "anda a monte" há oito anos depois de ter fugido da prisão. Ninguém deu por nada aquando da identificação e o cavalheiro saiu do tribunal montado numa bela carrinha Mercedes. De resto, dia sim, dia não, a tal pequena criminalidade perigosa manifesta-se. Em dependências bancárias, em estabelecimentos comerciais, numa gasolineira, na rua. Neste "ambiente", não é saudável tratar as forças policiais como "inimigos sociais". Pelo contrário. O "inimigo" está no meio de nós. E não é, de certeza, a polícia.

A MÃO DO GENERAL



«Charles de Gaulle est le seul chef d’Etat français, et l’un des rares dans l’histoire mondiale, dont on puisse dire qu’il fut un essayiste, un mémorialiste et un épistolier de premier rang porté une culture classique et un style de haute volée. Tant et si bien qu’on se dit avec le recul que si le prix nobel de littérature a bien été attribué à Winston Churchill, ce ne peut être qu’à la suite d’une erreur d’aiguillage (même si les Mémoires de celui-ci valent vraiment le détour). Ne jamais oublier que sur sa photographie officielle, le premier président de la Vème République regarde au loin, la main posée sur des volumes reliés, comme d’autres avant lui, mais devant la bibliothèque de l’Elysée, comme aucun de ses prédécesseurs ne l’avait fait avant lui. Le premier des Français n’est pas un enfant de la télé mais un homme du Livre et des livres, c’est de là qu’il vient et de là qu’il procède. Les plus déterminés des antigaullistes devront s’y faire : s’il est un point sur lequel la postérité s’accorde unanimement, c’est bien sur la qualité d’écrivain du Général. Même le féroce pamphlet de Jean-Francois Revel sur Le style du général ne tient plus la route : un demi-siècle après, il fait penser à une correction de copie par un professeur abusivement pointilleux. Car même s’il n’avait pas rencontré l’Histoire, Charles de Gaulle aurait été un écrivain. Tout en lui y tendait. L’exploration de sa bibliothèque personnelle témoigne de ce qu’il s’agit d’une bibliothèque de famille, ni de celle d’un officier plus intellectuels que les autres, mais bien de la bibliothèque d’un écrivain qui aimait lire (trois livres par semaine), écrire et réécrire à la recherche du mot juste et du parfait équilibre. L’officier avant-guerre avait marqué par ses trois textes : d’abord un essai de philosophie historique La discorde chez l’ennemi en 1924 puis deux traités militaires : Vers l’armée de métier en 1934 suivi quatre ans après par La France et son armée. Des essais techniques et spécialisés qui révèlent déjà un style, un ton, un son particulier, reflet d’une solide culture classique, tant littéraire qu’historique, et notamment l’influence du Pascal des Pensées, culture sur laquelle se greffera le goût de certains auteurs contemporains. On le sent déjà pointer dès l’incipit de second traité puisque Charles Péguy y est invoqué : « Mère, voyez vos fils qui se sont tant battus ». Mais c’est bien entendu le mémorialiste en De Gaulle qui le consacrera écrivain, dès la parution des 3 volumes de ses Mémoires de guerre au milieu des années 50 : L’appel, l’unité, le salut. Un massif historique auquel il faudra adjoindre ce que Georges Duhamel appelait « les pièces justificatives », des milliers de documents d’archives qu’une petite équipe de chercheurs dirigée par Olivier Germain-Thomas publiera en plusieurs tomes sous le titre Lettres notes et carnets où l’on verra l’épistolier et le diariste épauler le mémorialiste sans jamais rien céder sur le style et donnant une touche privée qui manquait aux mémoires.Voilà pour l’œuvre publiée mais quel est son terreau, où plongent-elle ses racines, dans quelle tradition ? Où que l’on cherche, les Grecs et les Latins ne sont jamais loin. C’est la base, l’origine et la matrice. Mais encore ? Tous ses registres ont une source. Non que son inspiration fut sans mystère mais elle trouve toujours une origine dans de grands textes, encore fallait-il avoir le talent de les transcender et le génie d’accorder leur grandeur passée à celle de l’époque. Adopte-t-il le ton de la confession, fût-ce en s’adressant au plus vaste des publics, et l’on croit entendre en surimpression les accents de Saint-Augustin et de Rousseau. Lui qui est tout le temps dans la domination de soi et la maîtrise de l’émotion, le voilà qui fait ses aveux, reconnaît que sa vie publique a été un échec. Comme si le héros de la France libre, l’homme de guerre et de combat avaient tant chassé le naturel qu’il lui revenait sous sa forme la plus pure, la plus vraie s’agissant d’un tel solitaire, la forme de la mélancolie.»


12.8.08

GRÉCO



«Será por isso que a porta vai rodar de novo, silenciosamente, e eternamente vestida de negro, de cabelos negros, de olhos negros, de luminosas palavras enegrecidas pelo metal da voz, Juliette Gréco poderá aparecer: atravessou rostos e paisagens, portos e bares gingados, manhãs cinzentas de tédio, os filmes de vidas suspensas em torno de um copo de vinho, ouviu o riso do acordéon, brincou com o garota na esquina da rua des Blancs-Manteaux, e recomeçará a dizer com a sua voz felina e espreguiçada: "Désabillez-moi/ Désabillez-moi/ Oui, mais pas tout de suite/ Pas trop vite."(...) Havia um pássaro e havia um peixe, e havia entre eles um amor de ternura sem fim: mas como fazer quando um está na água, e o outro lá em cima? Uma formiga de dezoito metros com um chapéu na cabeça - não existe, não existe. Uma formiga puxando um carro de pinguins e de patos feios - não existe, não existe. Mas porque não?, mas porque não? - perguntam os poetas. Mas porque não? - pergunta a Gréco. Ainda. Sempre. Com ela estaremos de novo mais altos do que no dia, mais longe do que na noite. Estaremos (vê, ouve, está) na luz deslumbrante do primeiro amor.»

Eduardo Prado Coelho

(
Nota: Gréco vem, de novo, em Outubro, a 14 e a 16, respectivamente à
Casa da Música, do Porto, e ao CCB, em Lisboa)

INDEPENDENTEMENTE DE TUDO

A Helena Matos deixa a questão correcta antes da "correcção" começar (já começou) a mostrar as suas garras contra a GNR. Como no episódio de Campolide era difícil o exercício, eis agora um excelente pretexto para derrames e delíquios. E, sim, independentemente de tudo.

FELIZMENTE HÁ BLOGUES

Esta «desmontagem literal de mais uma peça de marketing do Governo que os jornais e as televisões engoliram sem o prévio trabalho de casa. Ao contrário do que pretende Miguel Sousa Tavares, felizmente há blogues...»


BOM GOSTO


Bela sequência fotográfica - e de textos com excepção do primeiro que é um tanto ou quanto "deslocado" - sobre a "pesca da sardinha ao largo de Montegordo" no Jumento. Ficamos sem saber se o autor é algarvio ou, por exemplo, um transmontano a passar férias em Vila Real de Santo António. Também não interessa. Tem bom gosto.

A LIBERDADE E OS SEUS SALVADORES


Há dias recomendava, por causa da liberdade, que se lesse mais Isaiah Berlin. Estes juízes, por exemplo, não perdiam nada, entre turnos e férias, em ler o livro da foto. Os autores escolhidos por Berlin estiveram, coitados, na base de muito bom acometimento anti-liberal perpetrado por gente cheia das melhores "ideias" e intenções para a salvação da humanidade. Quem administra a justiça também julga que "salva" a humanidade.

NABO E OS MECANISMOS


O sr. Murteira Nabo pertence àquele "núcleo" inamovível de empresários políticos com que fomos brindados pela democracia. Esteve - como podia não deixar de ter estado? - em Macau. É do PS mas, como convém a um homem de negócios, não se comove com "ideologias" tal como muitos "camaradas" seus ou do PSD. A propósito da GALP e do preço dos combustíveis, veio "explicar" que a dita «não tem capacidade de intervenção na política de preço» embora deva «tentar informar de forma didáctica o cidadão» uma vez que, «muitas vezes, as posições públicas contra a Galp são porque os cidadãos não conhecem bem os mecanismos.» O regime tem de dar graças a Deus por albergar pessoas como o eng. Nabo. Pessoas que, ao contrário do imbecil do contribuinte, "conhecem bem os mecanismos". E que, por isso, defendem sem hesitações as empresas do mesmo regime. Andamos há trinta e tal anos nas mãos destes "eleitos" que "conhecem bem os mecanismos" e que tratam dos "mecanismos" por nós. Chamam a isso democracia e, sem se rirem, representativa e de "mercado". Afinal, quem é que esta gente representa a não ser eles próprios?

11.8.08

A SEGUIR



No Abrupto "os fragmentos de leitura para o mês mais cruel". Se JPP me permite, sugeria uns "fragmentos" de autores russos. A propos.

O RUMOR DA LÍNGUA


Nenhuma revolução "verdadeira" se faz sem sangue. Por cá houve cravos e viu-se. Na Geórgia, em 2003, salvo erro, ocorreu uma coisa a que apelidaram alegremente de "revolução das rosas". Foi apaparicada pelo "Ocidente" e, muito em especial, pelos EUA. Bush entretanto teve mais com que se preocupar do que com o folclore eslavo. Agora "ordena" à Rússia - ou seja, a Putin e sem se rir - que deixe a Geórgia em paz. Sucede que o actual presidente georgiano é o improvável fruto das "rosas" da "revolução" que Bush e o "Ocidente" celebraram. Enquanto Putin se exprime na televisão em russo - e, presume-se, para "glória" e consolação da "alma russa" - o dito presidente comunica, tipicamente, em inglês. Se há locais no mundo onde não se recomendam revoluções de florista é naquela zona. Muito menos "conselhos". Putin anda a "explicar" isso na sua língua-materna, a única que ele admite que se fale.

COMO DE ROSAS



Quando entregámos o resto ultramarino ao Sr. Jiang Zemin, em Dezembro de 1999, ele começou o seu discurso com um poema chinês:«nesta noite cheia de luar, sopra a brisa refrescante, e o mar é sereno como de rosas.» Disseram-me que a "cerimónia" de abertura dos jogos olímpicos terminou com uma enorme pombra branca desenhada por humanos. Estes interregnos desportivos de "paz celestial" são sempre comovedores e "serenos". Como de rosas.

HÁ DEMASIADO TEMPO


Enquanto por cá não se passa convenientemente nada, a Rússia, a velha Rússia que aprendemos a admirar na melancolida eslava e cruel inscrita nas entrelinhas da sua melhor literatura, demonstra ao mundo que, apesar da desagregação dos impérios (o dos czares e o do PC), é uma potência e possui um exército. Pode não ser o glorioso "exército vermelho", mas é a mesma "ideia" de exército e de poder militar independentemente da sua cor, uma coisa de que, por cá, no "ocidente", nos desabituámos por termos transformado as tropas em meritórios "exércitos de salvação"e em panfletos "humanitários". A Rússia de Putin - não vale a pena sequer mencionar o outro senhor, o presidente - tem uma noção de prestígio e de território que é impossível de entender pelos "registos" correctos em vigor. Pelo sim, pelo não, leiam os russos. Aproveitem a idiotia corrente e a modorra estúpida do verão para perceber "este" mundo. Está lá tudo dito e redito há demasiado tempo.

9.8.08

IMORTALIDADES


De manhã, na Pastelaria Nacional, de Portimão, uma senhora bebe delicadamente o seu café. Pousa a chávena e tira o livro do saco. Lê, imperturbável, A Imortalidade, de Kundera. No Continente da mesma cidade de Portimão, os microfones anunciam a presença do ex-inspector Gonçalo Amaral para daqui a pouco. Vai autografar, entre margarinas e óleos para a praia, o seu livro. A sua "imortalidade". Um fim-de-semana inesperado. Passado entre escritores.

POR VEZES É BRUTAL


«Quanto ao directo televisivo, é mesmo assim: o poder enorme do directo é romper com as convenções de toda a gente e de não estar sujeito a censuras, autocensuras, convenções e tabus. A realidade em bruto. Por vezes é brutal. A liberdade também. »


8.8.08

MARCO E A "SAISON" IDIOTA

O sr. Marco António, um indefectível de Menezes e mais um sério candidato a salvador da pátria, "não interpreta" a ausência de Ferreira Leite da "festa do Pontal" do PSD. A dita "festa", para efeitos políticos, está morta e enterrada há muitos anos. Cavaco enterrou-a logo depois de sair, ao dar azo à manifestação da "concorrência" na "Pontinha", em 1995, contra o pobre dr. Nogueira. Daí para diante, só tem servido de pretexto para exibições ridículas do vate Bota e pouco mais. E para "criar" pequenos mitos partidários do calibre do sr. Marco e ressuscitar inocuidades como o mencionado vate. É, pois, difícil imaginar como é que o país e Manuela Ferreira Leite podem sobreviver sem esta solene "interpretação" do sr. Marco António. Isto chegou a um ponto tal que as divagações de um Marco António são notícia. Não consta que seja um "promeneur solitaire". Ele sabe lá o que isso é.

QUASE SELVAGEM


Este homem cada vez escreve melhor. Faz-me pensar umas quantas vezes no prosseguir. «Lendo [Agosto]1914, há ali potência, complexidade e naturalidade que fazem uma obra de arte. É o retrato completo e panorâmico de uma certa sociedade que morreu, talvez o último momento em que à inteligência foi dada voz. Depois, foi o ascenso das massas, das carnificinas, das demolatrias e sua crueldade, ódio e incapacidade para ver para além da gamela e do porta-moedas. Recomendo-o vivamente, pois ali está toda a sociologia, toda a política, toda a filosofia e toda a economia de uma Europa à beira do suicídio. Solzhenitsyn não teve vida fácil, nem após a queda do comunismo. O seu nacionalismo moderado mas firme concitou ódios entre os patetas ultra-nacionalistas - os tais que pregam "os valores" e o "orgulho nacional" mas nunca leram um livro, não conhecem um monumento, não cultivam a língua nem sabem da história do seu próprio povo - como ofendeu quem pensava poder atraí-lo para as delícias do mercado. Manteve-se, sempre, obstinado e quase quadrado, agarrado à visão de uma Rússia imperial, ortodoxa, arcaica e quase selvagem.» Para perceber melhor isto, isto. É assim, desprovido naturalmente do talento, que tendo a acabar:bisonho, terrífico e anti-moderno. Quase selvagem.