31.5.07

O RANÇO - 2


Só nesta semana, o dr. José Miguel Júdice apareceu em três encarnações. Uma, como membro de uma comissão arbitral qualquer inventada pelo regime para definir "serviços mínimos" nas greves. Perorou para os media e "explicou" aos putativos grevistas como é que se deviam comportar. Depois, surgiu na escadaria do Palácio da Bolsa do Porto como advogado de um farfalhudo grupo de accionistas do BCP - que representa uma percentagem razoável de votos - a opinar sobre o "futuro" da instituição uma vez "humilhado" Jardim Gonçalves e "defendido" Paulo Teixeira Pinto. Há dias esteve no Prós&Contras sobre crianças desaparecidas com um argumentário que não ocorreria ao careca. Finalmente, é o factotum da candidatura da "união nacional" à CML, a do dr. Costa, até há pouco o ministro mais poderoso de Sua Excelência, o corredor da Praça Vermelha. Tudo somado, é manifesto que Júdice "quer" mais qualquer coisa do regime, já que este é bastante generoso consigo noutro métier. Júdice é muita coisa, desde advogado a empresário, por si ou por interposto filho. E Lisboa, por exemplo, ainda tem alguns - poucos- terrenos "livres", designadamente com vista para o Tejo. Vem isto a propósito da prosa da Constança Cunha e Sá no Público. Está lá bem explicadinha a "união nacional" a partir de Lisboa e que apelidei de rançosa um dia destes. "A comissão de honra do dr. António Costa, ao revelar a força agregadora do poder, revela também a fragilidade de uma "sociedade civil" que se rende perante a força política e se deixa atrair pelos benefícios de uma vitória. Por outras palavras, a farfalhuda lista de nomes que enfeita a candidatura do PS é a prova do desprezo que se tem, em Portugal, pela opinião livre, pelo debate sério e pelos direitos da oposição."

"Vale a pena ler um "livrinho", publicado pela candidatura do dr. António Costa, que revela a lista dos nomes que integram a sua comissão de honra. Não deixa de ser um "livrinho" elucidativo sobre a decadência do regime e a fragilidade dessa mítica "sociedade civil" que alguns liberais querem à força libertar do Estado que hipoteticamente a asfixia. O Estado, no entanto, é o seguro de vida desses hipotéticos asfixiados: garante-lhe os negócios, fornece-lhe os subsídios, oferece-lhes cargos e assegura-lhes a sobrevivência. Sem o acesso ao poder, essa "sociedade civil", que enfeita sempre as listas de qualquer candidato vitorioso, esfumar-se-ia na sua própria insignificância. Não por acaso, nestas eleições intercalares para Lisboa, encontra-se toda, arrumada por ordem alfabética, na comissão de honra do dr. António Costa. Uma pessoa começa a ler o tal "livrinho" e lá estão os mesmos nomes de sempre, os escritores consagrados, os jornalistas do costume, os empresários de sucesso, os advogados do poder, os artistas mais variados, o grão-mestre da Maçonaria, alguns políticos necessitados e o mais que vier à rede, numa lista que está, ao que parece, em actualização permanente. Se o resultado das sondagens se mantiver, é natural que, em Julho, o dr. António Costa possa publicar a sua comissão de honra, em fascículos, depois de ter reunido à sua volta todo o jet set do regime. Como é óbvio, nenhum destes apoiantes conhece o programa do candidato que apoia. Por uma razão simples: o candidato ainda não tem programa. Em contrapartida, tem sérias hipóteses de vencer - o que facilita a adesão e faz subir o entusiasmo. Poder-se-ia dizer que, independentemente, do programa, a personalidade do candidato, só por si, oferecia as garantias necessárias. Infelizmente, a personalidade do dr. António Costa é um enigma. Ninguém sabe bem por que é que resolveu sair do Governo, onde se notabilizou pelo poder que conseguiu concentrar. Muito menos o que vai fazer para a Câmara de Lisboa, onde pretende ficar nos próximos seis anos. Porque tem um projecto para a cidade? Não se conhece. Porque se cansou de ser ministro? Não é provável. Porque pretende substituir o eng. Sócrates à frente do partido quando a oportunidade surgir? Não é suficiente. Isto não quer dizer, naturalmente, que a colorida comissão de honra do dr. António Costa se reduza a um grupo de oportunistas, prontos a tirar partido do seu apoio e da sua aproximação ao poder. Mas isto mostra, com certeza, a asfixia em que vivemos e a dependência em que nos vamos enterrando, num país que, de um modo geral, continua a viver à custa do Estado. Porque sem a vitória quase assegurada nunca o candidato do PS recolheria a fina-flor do regime e o harmonioso apoio da dita "sociedade civil". Só é possível dignificar a Assembleia da República, salvaguardar os direitos da oposição e assegurar a existência de um debate plural, como exigiu, esta semana, o Presidente da República, se a política reflectir uma sociedade livre e independente e não uma massa subserviente que necessita dos benefícios do Estado e dos favores de quem manda."

30.5.07

LER OS OUTROS

"Por que é que as televisões não mostram as urgências hospitalares a funcionar como funcionam sempre, os cafés e restaurantes a abarrotar de gente, o comércio de portas abertas, as empresas idem, e os cinemas, e os serviços do Estado, etc.?", pergunta o Eduardo Pitta a propósito de uma greve que não me interessa se foi geral ou parcial porque me interessa pouco o que o regime produz: greves, governo, sindicatos e televisões. Todavia, com este talento, o Eduardo ainda é convidado para guionista do regime. Perguntistas, já há quanto baste. Guionistas, só o dr. Silva Pereira mas suspeito que, ao contrário dele, não saiba escrever.

MORTE OU GLÓRIA - 2

Só quem serviu as forças armadas, fosse em teatro de guerra, no Ultramar, fosse aqui, após o "25/4", pode perceber o texto que a seguir transcrevo.

"Podem vender arrendar ou destruir o Regimento Lanceiros 2 mas jamais poderão destruir o Espírito de tantos Lanceiros que por aí passaram.Um lanceiro desde Caracas Venezuela da CPM 8247 "OS ÍNDIOS".Um abraço para todos os Lanceiros da velha e nova geração.

Artur Pereira 062511/73."

"Morte ou Glória"

OUTRA COISA


Ora aqui está algo que talvez valha a pena seguir.

O SR. SAMPAIO


O paspalhão que dirige o PS do Porto, um tal Renato Sampaio, da corte mais directa do secretário-geral, veio dizer - ainda nem sequer está concluído o processo da Sra. D. Margarida ao professor da DREN - que este andou a insultar Sua Excelência O Primeiro- Ministro por todo o lado. Depois acrescentou uns detalhes sobre a militância partidária do outro e da mulher do outro para os adereços, como se fosse essa a questão fundamental. Fora o PS, aliás, todos os partidos com representação parlamentar foram muito claros, por uma vez, na condenação deste estalinismo "margaridista" independentemente das opções políticas do professor de inglês. Esta fauna imunda que domina os partidos e que provoca legítimo asco nos cidadãos de boa vontade, tão bem representada na pessoa deste Sampaio, está na linha da frente da decadência em vigor. No fundo, vive dentro destas criaturas um germe - ou verme, talvez seja mais adequado - "Chávez" que os impede de reparar na ridícula figura que fazem. São os senhores Renato Sampaio da plutocracia democrática que, na sua alegre inconsciência, mais fazem pelo desprestígio do regime. E, como são casos terminais, nem vale a pena perder tempo a explicar porquê.

GOVERNO BABY-SITTER

O controlo instituído pelo governo para a vulgaridade de uma greve - em qualquer país civilizado uma greve é tão banal como ir à retrete - deu estes resultados para o Estado por volta da uma da tarde: não chega a 13% de adesão na administração central. Os sindicatos devem indicar a percentagem que falta ou por aí. Não interessa nada. Este governo com mentalidade de baby- sitter leva a melhor.

O HUIS CLOS SOCRÁTICO

Está em curso, sob um clima de intimidação e de vigilância, uma greve geral decretada pela CGTP e um ou outro sindicato da UGT. Esta, bem educada na comissão nacional do PS, não aderiu. Eu também não, mas, como Cavaco, considero-a um direito constitucional. Deve ser triste para quem ainda acredita nestes democratas, assistir ao ponto em que as pessoas olham umas para as outras com receio, à promoção da delação e do controlo da forma mais primitiva, ao medo. O saudoso Mota Pinto dizia, citando não sei quem, que a pior forma do medo é ter medo do próprio medo. Nem com aquilo que passa por direita em Portugal se foi tão longe na criação deste "ambiente". Por isso, não me espantou o gesto provinciano e esclarecedor de José Sócrates, em Moscovo, numa corridinha patética às voltas na Praça Vermelha. Sócrates consentiu que o polícia Putin fechasse a Praça a trânsito e a pessoas para que Sua Excelência pudesse correr à vontade. Prisioneiro dos seus fantasmas, da sua insegurança e do seu medo, Sócrates aceitou correr em circuito fechado apenas para ser visto cá, nas saloias televisões que controla. E a sua formatada cabeça permitiu-lhe o gesto e a frase. "A Europa não deve dar lições à Rússia", foi a expressão encontrada por Sócrates para se babar para cima do admirável polícia. Sócrates pastoreia um país à medida mental de uma Praça Vermelha especialmente vedada para a realização da sua fantasia. Um dia ele perceberá que as pessoas, mesmo as mais bovinas, não são uma fantasia encerrável num quadrado onde não se respira ar livre.

29.5.07

OS NOVOS MONSTROS


O "eduquês", representado pelo director de não sei que "gabinete educacional", um tal Carlos Ferreira, estava a falar com Mário Crespo quando saí para passear o cão. Este soixante-huitard, presumivelmente pedagogo, queria convencer-nos que não vem mal ao mundo pela circunstância de os alunos do 4º e 6º darem erros ortográficos em provas de português destinadas à interpretação de textos. Ia ele nas "competências (este repelente jargão semiótico) quando a necessidade de urinar do meu cão falou mais alto. Fui ensinado a não dar erros ortográficos e a ser convenientemente castigado por os dar. Aliás, qualquer um de nós está sujeito a cometê-los. A diferença em relação aos novos monstros é que nós fomos treinados para os evitar, sem o peso da "pedagogia", da "pedopsiquiatria" e das "novas metodologias" em cima da cabeça. Na "primária" ensinava-se sobretudo a ler e a escrever. Hoje ensina-se a brincar com coisas sérias e, por isso, quando escutamos adolescentes nos cafés muitas vezes nos interrogamos sobre que raio de "competência" linguística será aquela. As nossas escolas não preparam ninguém para a complexidade e para a dificuldade. Pelo contrário, pagam tributo ao vício, à preguiça intelectual e à idiotia. É esse o quid da "idade democrática": manter-nos a todos no mesmo plano infantil, imbecilizados, em nome da bendita igualdade e do repouso cívico. Qualquer dia não se distingue um macaco de uma criancinha.

DA DUPLICIDADE

Li a notícia e prestava-me a tecer um comentário - estou à vontade porque trabalhei para a IGAI - quando reparei noutro de um leitor do Público online que, melhor do que eu, explica tudo. "A duplicidade moral da esquerda, com especial incidência naquela esquerda caceteira que se diz libertária, está à vista na comparação dos comentários a esta notícia e à da repressão das manifestações em Caracas. Também já se observou muitas vezes ao longo da história. Outro bom exemplo é o tratamento que esta esquerda candidamente hipócrita e falsamente moralista deu ao golpe de Agostinho Neto em Angola e ao golpe de Pinochet no Chile. Apesar de ter feito dez vezes mais mortos que o golpe de Pinochet, o massacre levado a cabo pelos irmãos de armas destes esquerdistas da caca não mereceu nem a décima parte da visibilidade (Sousa da Ponte, Faro)." Razão tinha o Grande Morto de Santa Comba Dão. Um safanão dado a tempo nunca fez mal a ninguém.

COISAS DE CZARES

O czar Putin mandou fechar a Praça Vermelha para que o nosso pequenino czar Sócrates pudesse fazer o seu ridículo jogging. Coisas de czares.

O PRINCÍPIO DA RAZÃO INSUFICIENTE

"Uma violação aos 13 anos é menos grave do que aos sete. É este o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que considera estar-se a valorizar excessivamente a pedofilia, aplicando-se penas demasiado altas a indivíduos condenados por abusos sexuais de menores", lê-se no Correio da Manhã. Era suposto confiar-se nos tribunais, na "justiça", da mesma forma que era suposto confiar-se nos hospitais, nos médicos, nos enfermeiros e, em última instância, no governo, no Parlamento e no PR. Gastam-se milhares de euros em colóquios nos quais nos explicam que a forma como se desenvolve a justiça dá a medida da "democraticidade" de um país. Pelos vistos, os nossos amigos do STJ seguem o princípio da razão insuficiente de Robert Musil, sem sequer saberem do que se trata. Há dias o governo foi buscar um juiz ao Tribunal Constitucional onde o tinha posto há dois meses. Ele nem tugiu nem mugiu e lá foi de rabo alçado para o governo. Agora o STJ - como o Constitucional, "administrador da justiça" - decidiu assim. Se isto é uma democracia, então eu declaro-me anti-democrata com efeitos retroactivos.

Adenda: Os ilustres membros do "tribunal permanente do correcto e da moralidade jacobina", como a sra. D. Câncio ou do dr. Abrantes, desta vez não têm nada a dizer?

A BANDA COSTA


António Costa - muito provavelmente o próximo chefe de banda em Lisboa - apresentou-se à sua luzidia comissão de honra numa estação de caminhos de ferro, a do Rossio, que ainda não está aberta ao público mas que a REFER - de que o PS e o governo são agora os "donos" - emprestou para o brilharete. Costa tem a vantagem de não esconder que não tem a mais vaga ideia do que é que vai fazer e até já confessou que lhe estão a preparar o "programa". Ou seja, primeiro vem ele, depois os da lista, a seguir os bonzos da "honra" e, com um pouco de sorte, talvez para a semana chegue finalmente um programa. Para já, Costa concentra-se naquilo que faz melhor: a pura politiquice. Quer, à viva força, uma maioria e apresenta-se com a fachada do "rigor". Quem não? Não a terá, naturalmente, pelo que os seus talentos de um vida dedicada à conspiração partidária e ao jacobinismo mais perfeito terão de ser canalizados, não para a realização de um "programa" obscuro que não lhe interessa nada, mas para fazer, na Praça do Município, o que mais gosta. Costa, do circo de candidatos, é o único que possui uma "agenda" própria, a seu tempo contrária à de Sócrates. Será mais um a servir-se da CML como trampolim. Não se esqueçam de votar nele.

Foto: Kaos

28.5.07

28 DE MAIO - 5

"A seriedade é antes de mais a conformidade dos sentimentos com as ideias e a conformidade dos actos com os princípios. Na vida pública como na vida privada, a falta de sinceridade desalenta e fatiga: nenhum regime político que emprega a mentira como método de governação (ou se limita a verdades convencionais) pode ter crédito na alma popular."

Como se levanta um Estado, 1937

A "ESQUERDA MODERNA"


O sr. Zapatero - o campeão das paridades e do sexualmente correcto até nos concurso televisivos - levou uma sova nas "municipais" espanholas. Não porque o seu PSOE tivesse perdido muito e o PP ganho estrondosamente. Em Madrid, sim, o PP arrasou o sr. Zapatero e, no país, ficou à frente com apenas quase 200 mil votos. Levou uma sova porque o sr. Zapatero decidiu "mudar" a sociedade espanhola como se muda de camisa à conta do "correcto". Ora o "correcto", sendo muito bonito e colorido, e servindo para colar o rótulo de modernaço, não muda a essência das coisas. Zapatero, afinal, e apesar dos adereços, era demasiado pequeno para tamanha chinela. Como no resto, aliás, não se tem distinguido por manter os níveis de adrenalina política e de crescimento a que a Espanha estava habituada com o PP do inspector de finanças Aznar. A estupidez final deste deu o poder de bandeja a Zapatero que, coitado, quis ser um "socialista do século XXI", moderno, como eles dizem. Nós também temos um destes da "esquerda moderna" e é o que se vê. Aos poucos, a "esquerda moderna" que começou em Blair começa a mostrar o que vale. Sem os alicerces e a biografia que davam vigor à "antiga", esta "esquerda", na hora da verdade, pouco mais vale que uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Cá não será diferente.

SÃO CARLOS, CINCO ANOS DEPOIS


Faz hoje cinco anos entrei pela primeira vez no São Carlos como fugaz membro da sua direcção. Ia lá desde os concertos para jovens geridos por José Atalaya, com os meus pais, aos domingos de manhã. No liceu, assistia, das defuntas "torrinhas", ao que se passava lá em baixo. Corria para o Coliseu, às "récitas populares", cedinho para apanhar bom lugar na "geral", com uns binóculos de caça que o pai de uma colega emprestava. Ouvi Kraus, pela primeira vez, na varanda do Coliseu de pé. Sim, porque o Coliseu, quando era vivo, era indissociável do São Carlos. Nesse tempo o Coliseu tinha um bar, um inesquecível bar, a que o saudoso Manuel Rio de Carvalho dedicou um magnífico artigo no Jornal de Letras, algures nos anos oitenta. Os bingos e a remodelação mataram esse esprit. Depois veio a Zampieri, a fogosa Zampieri com o Don Carlo, Il Trovatore e a Aida. Veio e ficou por muitas e felizes récitas, desde Luisa Miller à Força do Destino, da Norma à Manon Lescaut. Ribeiro da Fonte falhou uma Semiramide com Marilyn Horne, mas a Horne veio em forma de concerto. Pizzi encenou o mais belo Rinaldo a que assisti, com Tereza Berganza. Nos últimos anos de vida, João de Freitas Branco regressara ao teatro onde tinha, em pleno "fascismo", acabado com a obrigatoriedade do "black tie". Depois da EP - com João Paes, Serra Formigal, Manuel Vaz, Luís Barbosa e Ribeiro da Fonte - chegou a Fundação, o primeiro e mais decisivo passo para o abismo. Seguiram-se o instituto público e dois directores artísticos, um nacional e Paolo Pinamonti. Amaral Lopes, em 2002, convidou-me para integrar o conselho directivo com Pinamonti e uma senhora cujo nome já esqueci. Percebi rapidamente, como José Figueiredo com Salazar (não é presunção, é uma realidade), que o São Carlos só podia ser dirigido em ditadura. Mantenho-o. O actual governo acabou com o instituto e com Pinamonti, e criou uma entidade pública empresarial para pastorear o teatro e a Companhia Nacional de Bailado. A temporada em curso - que prossegue esta semana com o Macbeth - é ainda da responsabilidade de Paolo Pinamonti. Do senhor alemão escolhido pelo comissário Vieira de Carvalho, pouco se sabe e ele, seguramente, pouco há-de querer saber. Os novos responsáveis pela gestão, oriundos do ISCTE e do INH, só terão sucesso se efectuarem uma profunda ruptura no funcionamento da casa, agora com a CNB incluída. Ruptura que passa por acabar com sinecuras inexplicáveis, com disparidades salariais incompreensíveis e com uma burocracia interna totalmente desajustada e macrocéfala. O teatro deve concentrar os seus esforços e o dinheiro dos contribuintes na valorização dos corpos artísticos - coro, orquestra e, agora, bailado -, simplificando e reduzindo ao mínimo a componente "administrativa", ou seja, não adicionando os "vícios" do teatro com os da CNB. Quando me demiti - uma coisa que me doeu como doença incurável - defendi, como continuo a defender, que o teatro necessita de ser fechado para para se "reformar". O "show must go on" a qualquer preço não serve, a prazo, os interesses do teatro e, em última instância, os do público que desconhece "da missa a metade". O São Carlos é apenas uma ilha no meio da desgraça e da miséria gerais. Será. Salazar, todavia, considerava-o a "sala de visitas" do país e por isso o protegeu. Este regime e os seus serventuários têm-se servido mais do São Carlos do que jamais o serviram a ele. Não temos outro. Convinha, mesmo a quem não sabe dar-se ao respeito, respeitá-lo.

27.5.07

SÓCRATES KREMLINIZADO

Sócrates fica alojado no Kremlin a convite do ex-KGB Putin. Será que Putin admira secretamente o absolutismo democrático do primeiro-ministro português?

AFORISMO FUTEBOLÍSTICO

O treinador do Sporting evidencia tamanhos níveis de literacia e de loquacidade que se arrisca a fazer parte de um próximo governo, porventura ainda do actual.

DOMINGO, MALDITO DOMINGO

Já ouço os grunhos da bola a uivar pelas ruas e a buzinar nos carros. Este "ambiente" é o que mais convém à "situação". Putas e vinho verde. Verde, et pour cause.

ENTIDADE MORAL


"A Nação é sobretudo para nós uma entidade moral."

Porto, 7 de Janeiro de 1949

28 DE MAIO - 4

"Advoguei sempre a política do simples bom senso contra a dos grandiosos planos, tão grandiosos e tão vastos que toda a energia se gastava em admirá-los, faltando-nos as forças para a sua execução."

António de Oliveira Salazar, em 9 de Junho de 1928, discurso aos oficiais da Guarnição Militar de Lisboa, in Discursos, Vol. I.

O AMBIENTE DE SÓCRATES

"O estilo de Sócrates consolida-se. Autoritário. Crispado. Despótico. Irritado. Enervado. Detesta ser contrariado. Não admite perguntas que não estavam previstas. Pretende saber, sobre as pessoas, o que há para saber. Deseja ter tudo quanto vive sob controlo. Tem os seus sermões preparados todos os dias. Só ele faz política, ajudado por uma máquina poderosa de recolha de informações, de manipulação da imprensa, de propaganda e de encenação. O verdadeiro Sócrates está presente nos novos bilhetes de identidade, nas tentativas de Augusto Santos Silva de tutelar a imprensa livre, na teimosia descabelada de Mário Lino, na concentração das polícias sob seu mando e no processo que o Ministério da Educação abriu contra um funcionário que se exprimiu em privado. O estilo de Sócrates está vivo, por inteiro, no ambiente que se vive, feito já de medo e apreensão. A austeridade administrativa e orçamental ameaça a tranquilidade de cidadãos que sentem que a sua liberdade de expressão pode ser onerosa. A imprensa sabe o que tem de pagar para aceder à informação. As empresas conhecem as iras do Governo e fazem as contas ao que têm de fazer para ter acesso aos fundos e às autorizações. Sem partido que o incomode, sem ministros politicamente competentes e sem oposição à altura, Sócrates trata de si. Rodeado de adjuntos dispostos a tudo e com a benevolência de alguns interesses económicos, Sócrates governa. Com uma maioria dócil, uma oposição desorientada e um rol de secretários de Estado zelosos, ocupa eficientemente, como nunca nas últimas décadas, a Administração Pública e os cargos dirigentes do Estado. Nomeia e saneia a bel-prazer. Há quem diga que o vamos ter durante mais uns anos. É possível. Mas não é boa notícia. É sinal da impotência da oposição. De incompetência da sociedade. De fraqueza das organizações. E da falta de carinho dos portugueses pela liberdade."

António Barreto, in Público

O RANÇO

Amanhã, 28 de Maio, vai ser apresentada a comissão de honra do dr. Costa. Há trinta e três anos que esta porcaria de regime não consegue apresentar uma novidade. São todos e é tudo demasiado previsíveis. Nesse sentido, a comissão de honra do dr. Costa é uma espécie de mini-câmara corporativa a que nem sequer falta gente que pertenceu à verdadeira, como Freitas do Amaral. Um deles, na ânsia de agradar, até "pediu suspensão" do partido a que pertence - o CDS - mas que não lhe paga o ordenado: Basílio Horta, esse virtual angariador de investimentos do dr. Manuel Pinho e que noutra encarnação apelidou Soares - que há-de ser seu colega na comissão - de "padrinho". Já foram todos qualquer coisa, são ou ainda esperam ser. É mais do mesmo ranço que "governa" o país a partir dos escaparates, das televisões, das corporações "democráticas" e do alto da sua sem-vergonha congénita. Costa que se contente com esta sua pequenina maioria absoluta de serviçais. Porque é a única que vai ter.

26.5.07

LA NAVE VA


Em compensação, a "comissão de honra" do dr. Costa é uma espécie de la nave va do regime. À míngua de ideias - o "rigor" não é monopólio do dr. Costa e do prof. Saldanha Sanches - o candidato do PS vai enchendo o seu circo de gente. E a coisa ainda nem sequer começou.

Foto: cortesia forçada do Kaos

O HOMEM DE PALHA

O candidato do PSD à CML, Fernando Negrão, podia perfeitamente ser candidato a uma junta de freguesia que não se notava a diferença. Pior do que isso, ameaça enfiar na sua "lista" alguns dos caciques que acompanharam Carmona Rodrigues na sua infeliz encarnação dos últimos dois anos. Todavia, Negrão deu uma entrevista inócua em que acusou Carmona - e, por tabela, os seus "colegas" - de ser o responsável pela "desgraça" de Lisboa. Vê-se mesmo que este candidato de última hora desconhece o que se passa em Lisboa desde o dr. João Soares "dos últimos dias", para não recuarmos mais atrás. A famosa "dívida" da CML não foi inventada por Carmona. Já lá estava e apenas se agravou. Carmona ficou prisioneiro da sua inabilidade política - Negrão, então, não tem nenhuma - e dos oportunistas das secções do PSD/Lisboa que encheram a Câmara de pulgas. Aqui me penitencio de ter defendido Paula Teixeira da Cruz que, de uma cajadada, "tramou" simultaneamente Carmona e Marques Mendes, aparecendo agora ao lado de Negrão a assobiar para o ar. Enquanto os partidos não se libertarem da canga dos inúteis dos aparelhistas locais que os atrofiam, não vão a lado nenhum. Vale para todos, do BE ao PP, indo da esquerda para a direita. Negrão presta-se a ser o "homem de palha" dos homúnculos das cavernas das secções do PSD onde rareiam formas de vida inteligente. Vai ter um belo fim.

A BUSCA DA FELICIDADE


Kierkegaard contempla três estados para a nossa vida: o estado erótico, o estado ético e o estado religioso, por esta ordem. Devo andar entre o segundo e o terceiro. "The pursuit of happiness" é um velho objectivo, pessoal e colectivo. Por exemplo, Gore Vidal, logo nas primeiras páginas do primeiro livro de memórias, a propósito de uma paixão funesta (a única), explica por que nos devemos contentar com "satisfying lesser states, fragments" em vez de passar a vida a marrar em muros. "Where there is no desire or pursuit, there is no wholeness", diz o autor sem pingo de melancolia. Paciência. Em "Inventing a Nation", sobre os EUA, Vidal conta a história dos "founding fathers" que, na Declaração de Independência, colocaram "a busca da felicidade" entre os grandiosos propósitos da nova nação. Haverá povo mais contentinho, gorducho e satisfeito consigo mesmo que o americano? Nós por cá "dissertamos" sobre a felicidade e supomos, now and then, que somos felizes. Por isso, talvez valha a pena dar um salto à Culturgest, em Lisboa, entre o dia 31 e Maio e 2 de Junho. Nem todos os nomes são "apetecíveis". O tema é.

BICHOS


"Porque hoje em dia a blogosfera está na primeira linha de defesa da liberdade de expressão", escreve o José Medeiros Ferreira nos dois anos dos Bichos Carpinteiros. Ele, pelo menos, sempre esteve. Parabéns pela vitalidade.

PORTUGAL AMORDAÇADO


Mário Soares, depois da humilhação a que se sujeitou e a que o sujeitaram nas presidencias, só apareceu uma vez nos trinta e quatro anos do PS para babujar José Sócrates. Sócrates, na circunstância, até fingiu que se comoveu com tamanha prova de solidariedade que é um sentimento que ele deve ignorar. Soares, com todos os seus defeitos, é maior que o PS. Sobretudo tem uma biografia que o autoriza - e obriga - a verberar "este" PS e este governo asfixiante. Há um clima doentio na sociedade portuguesa e não fica bem ao homem que um dia disse que, onde lhe fechassem uma porta, ele saía pela janela, assistir cumplice e silenciosamente a esta crescente menorização da vida pública nacional. Por respeito por si próprio e por nós, Soares deve falar. O pior é que é bem capaz de falar para nos vir impingir o dr. António Costa em Lisboa. O filho já o engoliu. Se Soares-pai lhe seguir os passos, isso significa que passou ao "estatuto Almeida Santos". Sócrates agradece um museu de cera no Largo do Rato.

25.5.07

O HOMEM DESFOCADO

Ao dr. Costa - o candidato que pretende rapidamente fazer terraplanagem da Portela tal como Carrilho queria fazer do Parque Eduardo VII - ocorreu-lhe que o espaço onde se encontra o aeroporto internacional de Lisboa, afinal, é muito bom para um novo Monsanto, um "pulmão da cidade". Em menos de uma semana, o dr. Costa - que, tal como se previa, não possui uma ideia de jeito para a capital a não ser tomá-la para lhe servir de fortaleza para outras coisas - já falou uma boa meia dúzia de vezes na Portela. Costa exprime-se mais como o "número dois" do governo da Ota que ainda é mentalmente do que como o candidato autárquico que imagina ser. A multiusagem tem destas coisas. Torna um homem desfocado.

GRAMÁTICA GOVERNAMENTAL


No governo existem pelo menos dois ministros pouco dados à gramática. O ministro da Agricultura, um rapaz de Bruxelas, quando quer dizer "talvez possamos", diz "talvez póssamos", com acento naquele "o". Já Mário Lino, em entrevista ao maior escritor português vivo (em conta-corrente), José Rodrigues dos Santos, quis dizer que "tinha sido gasto" e saiu-lhe "gastado". Gastam-se depressa estes ministros. Vocês "hadem" ver.

DOS TOMATES


Apesar de, tal como aos discípulos de Emaús, também para mim "começar a cair a tarde", ainda existem amigos (que também os têm) e quem entenda que este blogue tem tomates". Diria que mais do que tomates, tem dias. E não há como um dia depois do outro. Gracias.

28 DE MAIO - 3

Uma leitora, por sinal sempre a mesma, que assina "Clara" e que vibra orgasmicamente com o PS e o seu cortejo de sonâmbulos voluntários, chamou-me a atenção para a sondagem da Marktest do Diário de Notícias. Porquê? Porque devolve ao "nosso" Sócrates a putativa maioria absoluta que teria "perdido" noutra sondagem qualquer. A "Clara", quando crescer, gostaria certamente de ser uma Margarida Moreira e, no mínimo, directora-geral de uma merda qualquer. A "Clara" revê-se alegremente numa sondagem que, valendo o que vale, vale a leitura do livro de Ruben A. A Torre da Barbela, uma magnífica metáfora literária de 1964 sobre os tontinhos que nós, portugueses, somos. Se calhar a "Clara" tem razão. Portugal merece Sócrates e os seus action men de trazer por casa e eles merecem Portugal. Quem ouve o candidato a líder do "centro-direita" - por que é que ele teme dizer direita? -, o dr. Portas, ou não ouve o dr. Mendes, fica com vontade de fugir. Já não é de um congresso extraordinário na cabeça deles que precisam. É - e o país todo com eles- de um novo "28 de Maio". É por isso que, no dia 13 de Julho, vou de férias. Para deixar Lisboa por conta das "Claras" e dos seus pequeninos ícones democráticos de "fazer de conta".

O REGIME DE SÓCRATES

"Sócrates, com imensa bondade, assegurou à Pátria a liberdade de expressão e o prof. Cavaco, do lugar etéreo onde subiu, espera que o "mal-entendido" (repito: o "mal-entendido") se esclareça. Não chega. Ninguém se lembraria, como ninguém de facto se lembrou, de acusar (ou de punir) alguém por uma graçola ou um "insulto" a outro primeiro-ministro. O crescente autoritarismo do poder e o extravagante culto da pessoa de Sócrates, que o Governo promove e alimenta, é que pouco a pouco criaram o clima em que se vive e que inspirou o "caso Charrua". Escrevi aqui há meses que bastava ouvir o dr. Augusto Santos Silva (com quem, aliás, Margarida Moreira colaborou) para temer o pior. A história da prepotência e do arbítrio não começou na DREN, não vai acabar na DREN e com certeza que não se limita à DREN."

Vasco Pulido Valente, in Público

24.5.07

ARTIFICIAIS

O artificial ministro Silva Pereira disse que a irritação gerada na opinião pública com Mário Lino era artificial. Que dirá Silva Pereira quando, finalmente, os portugueses descobrirem que, afinal, é tudo artificial?

GOSTAVA DE TER ESCRITO ISTO


"A nostalgia é sempre uma condenação e um libelo contra o que está. A torrente de obras sobre Lisboa, que invade as estantes das livrarias, tem uma explicação: os lisboetas detestam a cidade onde vivem, olham para a cidade perdida com um misto de misericórdia e saudade. Lisboa foi assassinada por portugueses. Hoje, é buraco, são grafittis, portas e janelas emparedadas, obras suspensas, jardins devastados, árvores ressequidas, lixo, mendigos e gente esfarrapada, urinóis contra as paredes, fachadas escalavradas. Lisboa já não é cabeça de nada. O império morreu, os ministérios estão entregues a provincianos boçais que a invejam e detestam, os ricos dela se ausentaram, estabelecendo-se nas Cascais e Belouras. Lisboa morreu. Só não demos conta disso porque há por aí alguns necrófagos que querem acabar o trabalho por outros entusiasticamente iniciado."

in Combustões

EXCELENTES

O governo inventou a categoria dos "excelentes" funcionários públicos para evitar promover quem que que seja. A categoria depende de quem classifica o "excelente". E quem classifica o "excelente" pode acabar na dependência de alguém prestimoso como a directora regional do norte do ministério da Educação. Eles andam - estão - aí.

AS PERSONALIDADES DO OESTE

Estas "personalidades do oeste" são, como se costuma dizer agora, todo um programa. Pelos vistos, do oeste, nem bons ventos, nem bons casamentos. Nem sequer falta o folhetineiro Moita Flores, um todo-o-terreno do regime.

A OTA E A DINAMITE

O presidente do PS, o venerando Almeida Santos - que, para além da política, foi sempre um homem com "olho para o negócio", desde os idos de Moçambique - veio agora com a peregrina tese de que um aeroporto na margem sul do Tejo requer uma ponte e que a ponte pode ser "dinamitada". "Um aeroporto na margem Sul tem um defeito: precisa de pontes. Suponham que uma ponte é dinamitada? Quem quiser criar um grande problema em Portugal, em termos de aviação internacional, desliga o Norte do Sul do país", esclareceu a veneranda figura. Mário Lino, o do jamais (em francês) e do cancro no pulmão - só pela "beleza" da imagem, Lino devia ser agraciado com um prémio qualquer para desenhos animados - anulou, por conta da Ota, uma parte do país. Na estranha cabeça do ministro, as gentes que andam nos comboios da Fertagus, nos barcos e que passam todos os dias a ponte Salazar, não existem. São pura imaginação daqueles que objectam a Ota. Almeida Santos, com o aproximar da senectude, até consegue ver pontes destruídas à bomba neste perigoso cantinho do mundo ocidental. Não haverá, no SNS semi-destruído por outro visionário, o dr. Campos, ninguém que os trate?

OS ABAFADORES

"Infelizmente, a impunidade que se instalou no Governo e na sua maioria conta com a inexistência de um Presidente da República que, com os olhos postos na reeleição e em nome de uma nebulosa "cooperação estratégica", se demitiu das suas funções e se transformou num mero ornamento do regime, que se distingue pela vacuidade dos seus discursos e pela natureza táctica das suas intervenções. O desaparecimento do PS, a fragilidade da oposição, a ausência de fiscalização parlamentar, a indiferença do Presidente da República e a complacência de todos os que dependem do Governo transformaram a vida política num circo de abusos e de arbitrariedades que a propaganda disfarça e o consenso que invariavelmente se gera à volta do poder tem o condão de abafar. Só assim se compreende a falta de pudor de uma governadora civil que, depois de ser desautorizada pelo Tribunal Constitucional, decide zarpar, de "consciência tranquila", para a candidatura do dr. António Costa. Ou o convite para integrar o Governo feito pelo primeiro-ministro a um juiz do Tribunal Constitucional que a Assembleia da República tinha eleito há dois meses para um mandato de nove anos. Ou a vontade expressa do ministro dos Assuntos Parlamentares de acabar com aquilo a que ele chama "jornalismo de sarjeta". Ou o estatuto dos jornalistas que está, neste momento, em preparação. Ou a junção das polícias sob a tutela do mesmo ministro. Ou a colocação dos serviços de informação na dependência directa do primeiro-ministro. Ou as reconhecidas pressões do Governo junto da comunicação social. A lista está longe de ser exaustiva. Mas mostra claramente os excessos a que chega o Governo na sua ânsia de controlar. Como mostra também a fragilidade de uma opinião pública que confunde o acessório com o essencial e privilegia o acesso ao poder em vez da liberdade individual. Como já foi assinalado por Pacheco Pereira e por Rui Ramos, a lista do dr. António Costa para Lisboa, com as atracções especiais, é um bom espelho desta triste realidade."

Constança Cunha e Sá no Público. O título é meu.

23.5.07

O ROMANCE ANTI-LAURENTINO - 2

À consideração do Eduardo Pitta. Com a minha concordância genérica. A literatura é boa ou é má independentemente de ter dois ou três olhos.

O RAMALHETE


Carmona Rodrigues enternece-me. Palavra de honra. Aquela candura ávida com que almeja pertencer aos quadros do regime. Aquela genuinidade manhosa que quer competir com tralha partidária com mais de duas dezenas de anos no activo. Alguns deles começaram de bibe e nunca mais largaram o osso. De Costa, a Garcia Pereira, de Roseta a Telmo, de Ruben a Sá Fernandes (que já nasceu velho), de Negrão, um cristão-novo maleável, a Monteiro, etc., etc., todos têm o rabo peladinho como o macaco. Carmona não. Carmona foi gerado pelo mais extraordinário lança-chamas da política portuguesa, o dr. Santana Lopes. Emancipou-se - ou emanciparam-no - e vem falar de igual para igual com a tralha instalada no paredão do regime. Merecia e precisava de recato, porém não resistiu. Vai à luta, no boletim de voto, com os do métier. Tem todo o direito porque, até prova em contrário, é inocente. Em todos os sentidos. Estava a fazer falta ao ramalhete.

A FARTURA DA MISÉRIA

Lisboa já vai em onze - 11 - candidatos para o dia 15 de Julho. Não há miséria que não dê em fartura.

MILHÕES

Vejo o ministro Mário Lino a urrar "jamais" (em francês) e a dar murraças num púlpito, a jurar pela Ota e a classificar a "margem sul" como pouco mais que o Sahara, imprópria para hotéis, pessoas, escolas e, naturalmente, um aeroporto. Já se percebeu que Lino é um incontinente verbal, apesar de inscrito na Ordem dos Engenheiros. E um mitómano perigoso. Vai-nos custar milhões.

PARA O ABISMO

O Marquês de Pombal fundou a Casa do Douro e criou uma "zona de capitalismo agrário" que se inseria numa estratégia mais vasta - político-diplomática e económica - de defesa do interesse nacional que viabilizava e valorizava, como produto exportável, o nosso vinho. A internacionalização do vinho do Porto tinha, aliás, sido o primeiro passo. Agora, a Casa do Douro vende os seus imóveis para se viabilizar. "Portugal a concelho", lê-se numa rua de Lisboa. Na realidade, um país que não sabe cuidar do seu património não merece a designação de país. É um sítio, ainda por cima pessimamente frequentado, que caminha, com alegria, para o abismo.

O "PESO-PESADO"



A nomeação de António Costa

por Rui Ramos*

Coitados dos políticos - na semana passada quase tivemos pena deles, tantos foram os analistas a demonstrar a solidão dos líderes e a falta de gente dos partidos. Os factos não pareciam autorizar interpretações menos melancólicas.
Perante uma eleição em Lisboa, o PS teve de gastar um ministro de Estado, e depois ir buscar um juiz ao Tribunal Constitucional, eleito há dois meses, para o substituir. O PSD dispôs-se a sacrificar o presidente de outra câmara. O CDS recorreu ao seu líder parlamentar, à frente de uma lista em que foi preciso pôr quase metade do estado-maior do partido.
Todos analisámos este generalizado rapar dos tachos com a conveniente dose de angústia democrática. Mas, enquanto o país se preocupava com a escassez de políticos, os nossos políticos, que não sentem que haja funcionários a mais, também não deram sinais de sentir que há políticos a menos. Basicamente, porque julgam que têm tudo muito bem controlado.
Viu-se pelo modo como, apesar de estar prevista uma eleição para Julho, o Governo tentou nomear um dos seus ministros presidente da Câmara de Lisboa.
Há que admirar a mestria. Tudo foi coreografado para provar que, enquanto os outros iam a votos, António Costa descera do ministério à terra para tomar posse. Perante a encarnação autárquica do verbo governamental, os animadores de serviço ergueram as palmas e juncaram o caminho de flores, entoando cânticos à "aposta fortíssima" e ao "peso-pesado". Vale a pena reflectir sobre esta transfiguração de um simples mortal num ser "fortíssimo" e "pesado".
Está aqui a chave da nossa política. O currículo atesta que Costa já foi nomeado para quase tudo. Mas na única vez em que arriscou uma candidatura pessoal - Loures, em 1993 -, perdeu. De resto, foi sempre eleito em lugar secundário nas listas. Não discuto as virtudes de Costa: admito que tenha todas. O ponto é este: noutras democracias, "pesos-pesados" são políticos com um apelo eleitoral testado - e não alguém cujo talento foi sobretudo reconhecido pelos correligionários. Os nossos políticos julgam-se capazes de atingir a grandeza pelo singelo método de se promoverem uns aos outros, como a nomenklatura da antiga União Soviética.
Para esta política reduzida a um clube de elogio e promoção mútua, é natural que o país não conte - compete-lhe apenas deixar-se impressionar pelo ruído que lhe chega do clube. Não devemos cometer o erro de tomar os nossos políticos por bacocos. O Governo fez um cálculo. Previu que os oligarcas do PSD estariam mais interessados em afundar Marques Mendes do que em reter Lisboa, e que portanto não haveria outro candidato com a folha de serviço de Costa. Entretanto, apagou do quadro o comprometedor PS local, e aproveitou o charme discreto do poder para arrebanhar atracções.
Entre candidatos e mandatários, no circo Costa há de tudo. O eleitor é do PSD? Tem o exemplo de José Miguel Júdice. Desconfia da "malandragem"? Tem Saldanha Sanches. Não gostou de Carrilho? Tem Manuel Salgado. Gostou de Alegre? Tem Ana Sara Brito. Até as directoras da Ciência Viva e do Serviço Jesuíta aos Refugiados vieram na rede. Isto não é uma candidatura: é o regime sujeito a um arrastão. Alguém ficou de fora?
Só havia um problema para consumar a nomeação: os candidatos independentes. As sondagens mostravam Carmona e Roseta com mais intenções de voto, em conjunto, do que o "peso-pesado".
Como de costume, o povo, sempre ignaro e ingrato, ameaçava estragar o passeio. Felizmente, é para prevenir este género de escândalos que existe a burocracia do Estado, com os seus procedimentos e prazos jeitosos. O governo civil removeu assim a dificuldade com um passe mágico do calendário. Estavam as favas a ser contadas, quando, de repente, o sistema deu sinal de anomalia. Geralmente tão fiável, a justiça constitucional abriu brecha na muralha. E foi assim que as eleições de Lisboa, até aí reduzidas a uma oportunidade para o Governo, se tornaram também uma oportunidade para os cidadãos. Por exemplo, para explicarem a estes ministros que a democracia não é uma coisa para ficar calcada debaixo de um qualquer "peso-pesado".
É que há mais em jogo do que uns automóveis mal estacionados. Enquanto o Governo exibia Costa à cidade e ao mundo, soube-se que, numa qualquer direcção regional, um professor tinha sido suspenso por causa de uma piada à custa do primeiro-ministro.
Eis o que está nas mãos dos lisboetas: garantir que, depois de Julho, podem continuar a contar-se anedotas sobre Sócrates na câmara municipal. Porque é preferível lixo nas ruas do que lixo nas almas.

*in Público de hoje. Edit meu e vénia ao autor. Foto Kaos.

22.5.07

O VEREADOR COSTA


Jorge Sampaio "quebrou" o silêncio - sim, ele é uma eminência internacional que acedeu a descer por breves instantes à Baixa lisboeta - para pedir uma maioria absoluta camarária para o camarada Costa. Sampaio raramente acerta. Desta vez não foi excepção. Se existe alguém a quem adequadamente os lisboetas não devem conceder tamanho privilégio, esse alguém é António Costa. Acaba de sair de um governo de absolutismo democrático dividido a meias com Sócrates e, francamente, a experiência foi péssima. Quase deixou irreconhecível o ex-garboso e tolerante Costa dos anos 80. Por exemplo, a sra. D. Margarida, a censora-ouvinte de bufaria, está directora-regional da Educação no Norte porque foi nomeada pelo governo de que Costa era o "nº2". E Mário Lino, o da Ota, era seu colega. Quem garante que, na "turma autárquica" que Costa vai arranjar, não aparecem "margaridinhas" e bufos reinadios? É para este peditório absoluto que Sampaio quer que os lisboetas contribuam?

OTA A VOTOS

Helena Roseta começa bem ao colocar a Ota a, por assim dizer, referendo dos lisboetas a 15 de Julho. António Costa também já o tinha feito indirectamente quando, na prática, deitou por terra o aeroporto da Portela. Por isso Sampaio não tem razão. É também uma opção do governo - de que Costa era "nº 2" até há dois dias - que vai a sufrágio em LIsboa. E Costa, seu defensor, com ela.

A SANTÍSSIMA TRINDADE

O dr. Costa reuniu ao almoço os anteriores ornamentos socialistas na CML, a saber, Aquilino Ribeiro Machado, Jorge Sampaio e João Soares. O primeiro conta pouco. Ninguém se lembra dele e ele deve lembrar-se de pouca coisa. Sampaio, essa notabilidade da ONU para a luta contra a tuberculose e para o "diálogo das civilizações", botou faladura e avisou que não se deve o punir o governo nas intercalares de Lisboa, não vá o diabo tecê-las. Soares, ainda mal refeito da desfeita que o seu secretário-geral e o PS lhe fizeram, disse que o facto de não ter sido ele o escolhido era "irrelevante". Pois. A gente finge que acredita e eles os três fingem que gostam muito uns dos outros. João Soares tinha o dever cívico-político de questionar publicamente o seu candidato sobre a Ota. Soares, presidente da CML, era um firme opositor da Ota e um coerente defensor da Portela. Costa já só sonha com os terrenos devolutos da Portela. "O peixe era fresco, a conversa foi interessante, as fotos foram feitas. A vista do "Faz figura" é deslumbrante. Não creio que tenhamos feito má figura, hoje ao almoço, no "Faz figura". Tem a certeza, João Soares?

DA CLAUSTROFOBIA


"Em Itália, sofredora dos males do autêntico fascismo, mas que rechaçou em devido tempo as sereias do anti-fascismo, mudando o nome ao partido comunista e expurgando-o de resquícios estalinistas, alguém da Administração Pública se atreveria a censurar, suspendendo-lhe as funções, a conduta de um funcionário que se atrevesse a apelidar de Belzebu, o primeiro ministro do país? Alguém já se deu ao cuidado de ler de vez em quando o Charlie-Hebdo francês ou até o Canard Enchainé? Haja alguém que veja as caricaturas dos detentores do poder e compare com o caso português.Não há desenhadores, em Portugal, para que o humor desenhado nos jornais, se fique pelas meias tintices correctas, de um Luís Afonso? A claustrofobia democrática também passa por aqui. E a palavra do poder é muitas vezes a mentira."

in Grande Loja

*Foto: "gentilmente" cedida pelo Kaos

PORTUGUÊS TÉCNICO


"Evoluímos para melhor", sentenciou José Sócrates", lê-se no Jornal de Notícias. Quem discutir "português técnico", leva.

UMA COISA EM FORMA DE SÍMBOLO


Já lhe tinha ouvido chamar muita coisa. Agora, a pretexto de integrar a lista do dr. Costa para Lisboa em último lugar, António Mega Ferreira, um dos mais conhecido multiusos do regime e que cobiçou a CML, tal como cobiça tudo o que puder apanhar, designou-se a si mesmo com "forma simbólica". Estar em último lugar da lista do betoneiro da Portela é, para esta modesta criatura, a "forma simbólica" de o apoiar e, de caminho, se apoiar já que gente desta não faz nada de borla. Já lá estavam o arquitecto Salgado e, também em forma de símbolos, Saldanha Sanches e José Miguel Júdice, o "patrão" da direcção-geral "paralela" mais famosa do regime. A candidatura de Costa é uma espécie de reedição da "expo 98" dos pequeninos. Estão lá todos. Os mesmos, naturalmente.

A CHAGA DE LISBOA


Terminados House e Desperate Housewives, na FOX, passo pela RTP. Desta vez a D. Fátima tinha trazido o Carlos até Lisboa, mais o ex-Maquiavel Proença de Carvalho, mais Paulo Varela Gomes e mais Rui Godinho, um eterno da defunta coligação PC/PS na CML que julgo estar "arrumado" na administração de uma coisa qualquer do regime. O PS tinha Vasco Franco, o PC tinha Rui Godinho. Talvez por isso Medeiros Ferreira o achasse "o mais seguro" do programa. Quanto a Varela Gomes - não tive pachorra para ver o programa até ao fim - ouvi-lhe uma intervenção (talvez a da "repressão" dos coitadinhos dos lisboetas) que aplaudi. Para além dos partidos e das suas infames intrigas que conduziram a governação da cidade ao estado em que ela se encontra - todos, sem excepção -, também os lisboetas, feios, porcos e maus, têm contribuido alegremente para a anarquia mansa instalada. Ora agindo, ora pela sua bovina indiferença. O Carlos, que não é de cá, podia ter "puxado" por este lado da coisa. Os autoctónes não são gente que se recomende. Varela Gomes, com alguma violência verbal, é certo - mas não conheço outra maneira de falar a cegos, surdos e mudos intelectuais - colocou o dedo na chaga. E a chaga, caro Medeiros Ferreira, somos nós.

Nota: Na foto, carros em Lisboa parados em "3ª fila". Depois não me venha com a "repressão", JMF. Quando me "bloqueiam" o carro com outro, não buzino, que considero um acto incivilizado. Chamo o "tow".

21.5.07

OS SENHORES DA TERRA

Mário Lino só pensa em alargar os terrenos para a Ota. António Costa já pensa nos terrenos da Portela. Os meus terrenos são maiores que os teus.

LAPSO FREUDIANO


"Quero deixar-vos também uma palavra de confiança, confiança em vós, nas vossas famílias e a certeza que cada um de vós dará o seu melhor para um país mais justo, para um país mais pobre... perdão, para um país mais solidário, mais próspero, evoluído", afirmou Sócrates a uma plateia de imigrantes que, coitados, querem ser portugueses. Não há nada de mal neste lapso do chefe do governo. Aqui, pelo menos, ninguém o pode acusar de mentir.

INCOMODAR A ESTUPIDEZ


De vez em quando está na "moda" falar-se dos "livros da minha vida". Quando escrevi para o Semanário de Vitor Cunha Rego, em 1985, também produzi uma coisa semelhante, "consultando" não sei quantos escritores para indicarem 10 livros. Joaquim Manuel Magalhães, pelo meio, escolheu Amores no Campo, de Sara Beirão, e depois mandou-me um postal para o retirar. Estava, dizia ele, "a gozar". Ontem, um acaso cinematográfico, levou-me a um dos livros "da minha vida" que perdera na voragem dos empréstimos. Trata-se de "Iniciação Filosófica", de Karl Jaspers, da Guimarães. Li-o no verão de 1977, com dezasseis anos, para "entrar" no curso de direito da Católica, isto no tempo em que era preciso saber ler, escrever e pensar para aceder a um curso universitário. Já anteriormente os dois tomos antológicos da Sá da Costa sobre filosofia - de Jorge Borges de Macedo e Joel Serrão - me tinham, por assim dizer, "iniciado" na filosofia que, de acordo com Nietzsche, tem a nobre função de "incomodar a estupidez". Hoje, às e aos jovens universitários basta-lhes saber usar o preservativo - quando usam, quando sabem - e as diversas bocas, as de trás e as da frente, mesmo que nenhuma delas saiba falar ("cu que não fala é cu sem opinião", já escrevia o pueril Augusto Gil, o da "balada"). Só são virgens - e assim permanecem uma vida inteira - da cabeça de cima. Não vale a pena.

28 DE MAIO - 2

Não lhe ficas atrás, está descansado.

20.5.07

AS "MARGARIDINHAS"


Já se ergueram alguns moralistas em defesa da honra anti-fascista. Isto porque Vasco Pulido Valente - a propósito deste caso - escreveu que, com Salazar e Caetano, ninguém foi perseguido por ter feito "um comentário jocoso" acerca de ambos e que, agora, respira-se "um "ar" de subserviência, oportunismo, intimidação e medo." De facto, as revistas do defunto Parque Mayer não faziam outra coisa - e alguns filmes "do regime" também não - senão "gozar" com a sociedade "salazarista". Em casa, por exemplo, um utensílio de cozinha que servia para bolos e para "rapar" o tacho, era designado por "salazar". Nunca a PIDE entrou pela casa de ninguém por causa deste "salazar". Esta gente em quem nós votamos há 33 anos, não suporta ser escrutinada e, no limite, como tantas vezes merece, gozada. Paciência. Fossem para gasolineiros ou empregadinhas de call center. Eu próprio, no local onde trabalhava há dois anos, fui alvo de um processo porque um tonto lembrou-se de divulgar publicamente um e-mail que lhe era dirigido e no qual, a um jargão de um guru qualquer em "administração", respondi dizendo que, jargão por jargão, preferia esta frase de Desperate Housewives: "It's like my grandmother always said. An erect penis doesn't have a conscience." Quiseram repreender-me por escrito. Foi em 2005. Não foi em 1965. O que abunda por aí são "margaridinhas".

28 DE MAIO - 1


Estamos a oito dias do "28 de Maio", infelizmente de 2007. Todavia, e dado que o nosso exército está reduzido a um generoso grupo de cipaios da ONU, é bom que, a partir das palavras e das ideias, se comece a preparar um novo "28 de Maio", sem tiranetes, nem cabos de esquadra partidários. Tal como o Natal, é "28 de Maio" quando um homem quiser.

CAMBRA E CAMBRÕES


"Na corrida à "Cambra" de Lisboa parece haver um braço de ferro para apresentar o maior número possível de repelentes à participação do corpo eleitoral. Olho para os candidatos e confesso ali não encontrar um só fácies convidativo; são todos repetentes, trepetentes estafadíssimos, gastos como as pedras da calçada, desengonçados e cativantes como um prato de batatas fritas enregeladas cobertas de molho de peixe crú. Pergunto-me se não há melhor ou se a actividade política terá chegado ao grau zero da respeitabilidade, só mobilizando os restos frios e o bolor. Assusta-me que partidos e respectivas lideranças não tomem consciência do plano inclinado em que caiu a actividade política aos olhos do povo comum. Em 1925, antes do advento da ditadura, já só votavam 20% dos inscritos nos cadernos, tamanho era o desinteresse por esses rostos de queixadas largas e olhar de robalo congelado que enchem paredes sempre que abrem a concurso lugares na governança."

in Combustões

REFRESCAR

Na madrugada, em Torres Novas, o dr. Paulo Portas, no seu congresso privativo, falou em "refrescar" o partido. Com os mesmos tristes de sempre atrás dele, a começar por essa "novidade" chamada Telmo Correia para Lisboa, ele pretende "refrescar" exactamente o quê?

EMBAIXADOR E BETONEIRO

Por uma vez, o polícia municipal Sá Fernandes teve graça. Chamou "embaixador da Ota" ao dr. Costa, o candidato lisboeta do PS. De facto, o "embaixador", ao Expresso, não pôde ter sido mais claro: "se for eleito presidente o que vai acontecer ao aeroporto de LIsboa? - Deve ser desactivado. O futuro grande debate em Lisboa deve centrar-se no destino a dar aos terrenos devolutos." Embaixador da Ota e betoneiro em Lisboa, eis um bom retrato do dr. Costa.

A MANDARIM


Esta senhora, como se costuma dizer, anda a pedi-las. Recorde-se que, institucional e legalmente, é ela quem marca as eleições em Lisboa. É uma "cidadã" como eu ou como os sem-abrigo que dormem debaixo do parapeito do seu governo civil e das colunas do vizinho São Carlos ? É, só que nem eu nem os sem-abrigo temos poder para marcar eleições autárquicas, passar revista aos bombeiros e proibir manifestações. "Adelaide Rocha, que assistiu ontem à apresentação da lista de candidatura de António Costa "como cidadã", desvalorizou também as críticas de outros candidatos que consideram 15 de Julho uma data propensa a maior abstenção. "As eleições são marcadas quando têm que ser marcadas." Foi com esta frase alarve e denunciadora da tiranete que a senhora é, que Adelaide justificou duas coisas. A primeira, marcar uma data que até incomoda o seu candidato. "É um dia como outro qualquer", disse a mandarim. Depois, ter falado de uma decisão institucional numa apresentação da mini-união nacional de Lisboa, a do dr. Costa e do poder. Este episódio vem complementar o do Tribunal Constitucinal em que este foi tratado por Sócrates como mais uma secção do partido onde se recruta pessoal para o governo. Foi assim que o PS autista de Guterres começou a borregar. Quando imaginou, num dia infeliz, que era dono disto. É assim que estes - os mesmos - começam a cair.

19.5.07

DO CARÁCTER


Sócrates não respondeu a uma carta de uma senhora, na circunstância a sua colega de partido, Helena Roseta, que lhe foi endereçada em Fevereiro. Em 2005, Sócrates mostrou-se interessado, junto de José Medeiros Ferreira, em que este fosse para o Conselho de Estado em nome do PS. Até hoje, não lhe disse mais nada sobre tal tema. Sócrates permitiu que João Soares - o melhor presidente da CML que o PS teve - aparecesse como alguém interessado, e com biografia política justificada, nas intercalares de Lisboa, e não lhe deu uma palavra sobre a escolha de António Costa. Sócrates não saudou nem se solidarizou publicamente com Jacinto Serrão, o seu homem na Madeira, no momento da derrota. Moral da história: Sócrates, humanamente, não é recomendável. Aliás, em matéria de carácter, alguns dos socialistas e "cristãos-novos" que conheço, deixam muito a desejar. Não é gente de palavra.

O "BLIND TRUSTEE"


Isto é o que se chama "conversa da treta". Quanto ao "número 2", Manuel Salgado, um cortesão do regime, Carrilho, o perigoso ressabiado, já disse tudo em letra de forma:

"Este almoço foi todavia, para minha inteira surpresa e, devo dizer, não menor perplexidade, precedido de vários recados, de proveniência muito diversa mas de conteúdo sempre idêntico - O Salgado quer ser vereador. A minha perplexidade decorria de eu saber que Manuel Salgado tinha muitos projectos em curso na cidade de Lisboa, o que configurava uma situação de óbvio, e perturbante, conflito de interesses. Foi isto, de resto, depois de ele me confirmar o seu desejo de integrar a minha equipa, que eu lhe disse com toda a frontalidade. Ele reconheceu que havia dificuldades, mas que juridicamente havia soluções, que se podia pensar num blind trustee para dirigir o seu atelier. Tudo me pareceu pouco claro, pelo que ficámos de pensar melhor no assunto - mas eu fiquei muito preocupado, não só juridicamente mas também eticamente, com os contornos desta inesperada situação."

in Manuel Maria Carrilho, SOB O SIGNO DA VERDADE, D. Quixote, página 53.

GRANDES FRASES


Para António Leite-Matos, prestamista do século XXI, com futuro

"O mal não se perpetua senão no pretender-se que não existe, ou que, excessivo para a nossa delicadeza, há que deixá-lo num discreto limbo. É no silêncio e no calculado esquecimento dos delicados que o mal se apura e afina - tanto assim é, que é tradicional o amor das tiranias pelo silêncio, e que as Inquisições sempre só trouxeram à luz do dia as suas vítimas, para assassiná-las exemplarmente. Por outro lado, o que às vezes parece amor do mal é uma infinita piedade de que os "bondosos" e os "puros" se cortaram: uma compreensão e um apelo em favor de que o amor do "bem" não alimente nem justifique a monstruosidade do mal, tanto mais monstruoso quanto mais, psico-socialmente, a idealização desse "bem" o confinou a ser. [A vida] só é monstruosa, não porque algo o seja em si, e sim porque o repouso egoísta, a ignorância, a falsa inocência, são sempre feitas de um crescente juro de monstruosidade. Nenhum realismo o será, se recuar aflito, mas porque, aflito, não recua."

Jorge de Sena, 1971

A SEGUIR

Blogosfera Futura. Contra o maltrapilhismo em curso - nas cabeças, no poder, na sociedade "civil" - e contra a ciganização do país, sem ofensa para o bom povo nómada que não tem culpa das más imitações a cheirar a Armani e a Chanel 5. E contra, naturalmente, a blogosfera do tricot e do croché. Pela crueldade virtuosa das palavras.

O CORNO TRICOLOR


No Actual do Expresso, um cronista zurze Sarkozy com um argumentário digno da Madame de Staël. Assenta, sobretudo, no seu alegado estatuto de "cornudo" intermitente que, na opinião do cronista, lhe terá, entre outras coisas, dado a vitória subreptícia. Ou seja, não sei quantos milhões de franceses seguiram o homem, não por causa dele, mas apesar da sua circunstância e por causa da sua - tem dias - Cecília. Estas peripécias de alcova, tão cara aos cortesãos, não anula o significado político da vitória de Sarkozy e do regresso do PS francês ao registo que sempre foi o seu, antes e depois de Mitterrand: uma pequena feira de vaidades inompatíveis. Bem andou Mitterrand quando se serviu do PS para seu gozo pessoal e o deixou entregue, como certas honras e pessoas, aos cães. Infelizmente o que falta ao nosso PS em "Mitterrands" sobra-lhe em "racaille". Não tarda nada, perceber-se-á que é assim.

O TEMPO DAS CEREJAS - 2

Quando a violência da primavera voltar
acolhe o que resta das visões
e o espírito voga aquém da alma.
Não sei o que dirão de mim.
Eu quis amar e não pude.


******

Pouso no papel deste poema, a minha boca
na tua boca e os beijos não existem,
nem sequer ao vento uma leve cortina
que esvoace. Nada, rapace, nada sente
essa boca distante, a tua boca,
o peso de algodão da pena de uma ave,
lábios, língua, dentes, saliva.
Por quanto tempo ainda, noite em noite,
irei pela cidade sem beijar, sem
de verdade beijar em qualquer boca
essa fome que não beijei, a tua.


Joaquim Manuel Magalhães

OS ANDRÓIDES SONHAM COM CARNEIROS ELÉCTRICOS?


Isto é o absolutismo socrático em todo o seu esplendor. Normalmente, como no passado, os serventuários e os polícias são sempre mais perigosos do que os que os mandam servir. Colocam-se em bicos de pés para agradar. Cavaco deve apreciar zelotas deste género. Há, pois, que fixar este nome: Margarida Moreira, directora regional de educação do norte, quiçá uma candidata a venera no 10 de Junho por tão elevado serviço prestado à nação. Junta-se a isto o controlo das greves através de uma base de dados exaustiva dos funcionários públicos, e temos o ambiente Blade Runner, versão portuguesa de 2007. Por que é que Sócrates não cria uma "unidade de missão", com os camaradas mais estultos - pode aproveitar o know-how do novo MAI -, e espeta-nos a todos um chip no braço? Fica tudo mais fácil e transparente.

OS DONOS

António Costa e o seu petit comité não gostaram nada do episódio Independente que envolve o secretário-geral do PS e que, se ainda subsistirem restos de seriedade ao regime, não ficará esquecido. O dilema "verdade-mentira" paira nestes cérebros ambiciosos como agora, por dever de ofício e de autonomia política, paira a Câmara de Lisboa. Grave na candidatura de Costa não é este lento desembraiar do eucaliptal armado por Sócrates com a complacência do futuro vereador da CML. Grave é essa candidatura usar Lisboa como pretexto para a pura mercearia partidária. A presença do sr. Perestrelo em terceiro ou quarto lugar da lista - a Ana Brito já lá estava e o "homem das finanças" é da comissão executiva transitória- é sinal de que o PS usará a CML como mais um estaleiro institucional para resolver as "panes". Se o Tribunal Constitucional serviu, por que é que uma mísera autarquia não há-de servir?

PARA O LARGO


O CDS/PP tem razão. Adelaide Rocha devia ser devolvida ao Largo do Rato. Não tem dimensão institucional para ser governadora civil de Lisboa.

PANTOMINICE - 2

Ouvi com alguma atenção o dr. António Costa na TVI. Ainda não sabia que as eleições intercalares de Lisboa tinham sido suspensas. Costa irritou-se fortemente quando questionado sobre a Ota. Falou no "aproveitamento" dos terrenos da Portela , dando como assente a terraplanagem da zona. É bom que os lisboetas retenham isto. António Costa, o candidato do PS, do governo e do sr. eng.º da Ordem dos Engenheiros, Mário Lino, é favorável à Ota. Depois, percebeu que se tinha excedido e ainda esgrimiu com a "hipótese" da Margem Sul. Mentira. Ele sabe que nós sabemos qual é a sua opção. Afinal, ainda há menos de vinte e quatro horas, Costa era o "número dois" de Sócrates e, consequentemente, um "superior" de Lino. Costa e todo o "paredão partidário" averbaram uma primeira derrota com a dilação do sufrágio lisboeta graças a um pequeno partido, "o Partido da Terra". Esta eleição é um momento precioso para, pelo menos os cidadãos de Lisboa, manifestarem o seu desprezo por esta golpada gorada de que Adelaide Rocha - a delegada do PS no governo civil - foi mero instrumento. Para este efeito, não existe esquerda nem direita, muito menos a "esquerda de lapela" do dr. Costa. Venham, pois, os independentes.

Adenda: Helena Roseta precisa libertar-se da canga da Ordem profissional que dirige. Basta-lhe por os olhos nesse "modelo" arquitectónico que é o senhor candidato a vice-presidente da CML na lista do dr. Costa, Manuel Salgado. Por que é que ele e Carrilho se desentenderam em 2005? O que é que Salgado pretendia e que Carrilho não estava disposto a dar e a que Costa, pelos vistos, é indiferente? Em suma, o que é que o Salgado tem?

18.5.07

O TEMPO DAS CEREJAS


Comprei hoje as primeiras na Rua assassina do Arsenal. Durante o tempo delas, não se come outra coisa. É curto o tempo das cerejas.


Quand nous en serons au temps des cerises
Et gai rossignol et merle moqueur
Seront tous en fête
Les belles auront la folie en tête
Et les amoureux du soleil au cœur
Quand nous chanterons le temps des cerises
Sifflera bien mieux le merle moqueur

Mais il est bien court le temps des cerises
Où l'on s'en va deux cueillir en rêvant
Des pendants d'oreilles
Cerises d'amour aux robes pareilles
Tombant sous la feuille en gouttes de sang
Mais il est bien court le temps des cerises
Pendants de corail qu'on cueille en rêvant

Quand vous en serez au temps des cerises
Si vous avez peur des chagrins d'amour
Evitez les belles
Moi qui ne crains pas les peines cruelles
Je ne vivrai pas sans souffrir un jour
Quand vous en serez au temps des cerises
Vous aurez aussi des chagrins d'amour

J'aimerai toujours le temps des cerises
C'est de ce temps-là que je garde au cœur
Une plaie ouverte
Et Dame Fortune, en m'étant offerte
Ne saura jamais calmer ma douleur
J'aimerai toujours le temps des cerises
Et le souvenir que je garde au cœur

Jean-Baptiste Clément

RAZÃO AUTO-CRÍTICA

Em trinta e três anos, temos sidos governados - de facto e "intelectualmente" - pelos mandarins que não se limitaram a ler o "pequeno livro" na sanita. Nunca JPP teve tanta razão auto-crítica. O "pequeno livro vermelho" não nos fez maoistas, mas visto à distância revela bem como para se "ser" alguma coisa, são necessários objectos, figuras, imagens, ícones, totens. Aqui foi um livro pequeno e vermelho com citações.

BANDARILHAR

Isto é o que apetece fazer à nossa classe política. Antes eles que os pobres animais.

AFORISMO

Sócrates deve gostar tanto de António Costa como eu gosto deles os dois.

POIS ESTAVAM

Os mesmos.

A FALÊNCIA

O sr. Nobre Guedes, o dos sobreiros, é o candidato do CDS/PP a Lisboa. Irrelevante. Quanto ao resto, Pulido Valente diz o que importa dizer. "A falência moral e material dos dois grandes partidos, que é a falência do regime, abriu a porta à confusão. Perante este PSD e este PS, quem não se acha no direito, e até no dever, de se instalar na câmara?"

O ROMANCE ANTI-LAURENTINO



Li, não necessariamente por esta ordem e quando devia ler, Maurice, Confissões de uma Máscara e as memórias de Beckford em Portugal. Maurice deu um filme, uns anos depois, uma daquelas estopadas do sr. Ivory com um Hugh Grant já a despontar para o cabotinismo habitual. Portugal, que não tem tradição de coisa alguma, também não tem "tradição" neste género de literatura, se é que é forçoso falar de genéro quando se escreve sobre relações entre pessoas do mesmo sexo. E. M. Forster só largou o seu Maurice às feras depois de morto. Mishima foi o que se sabe e sabe-se como tratou da sua cabeça, ele, o mais ocidental dos escritores japoneses. Beckford era um curioso e, como curioso, achou curiosa, sem a poupar, a sociedade portuguesa daquele século. Por cá, poucas linhas se recomendam. Guilherme de Melo, no princípio dos anos oitenta - também a partir das suas memórias moçambicanas - escreveu A Sombra dos Dias no qual, em centenas de páginas, nunca ousou nomear "a coisa". Tudo se diluia em miosótis e em pétalas, designações manifestamente infelizes para qualquer parte do corpo humano. Há uns anos chegou Frederico Lourenço e a sua muito celebrada escrita-maricas, cheia de seguidores. Também não nomeia coisa alguma. Envolve-se em erudição clássica e numas vaguíssimas memórias de colégios ingleses em que o tocar é sempre debroado como no crochet. Safa-se a poesia contemporânea, pouquíssima, silenciosa. Cidade Proibida, de Eduardo Pitta, vem, depois do livro de contos Persona, agora reeditado, dar um nome às coisas. Sem violência verbal inusitada, sem maneirismos amaricados, sem escândalo - sim, não esperem que do livro escorra o que quer que seja apesar do autor não designar por pénis um órgão em função -, Pitta, naquele que é o seu primeiro romance, não nos captura por causa de uma trama. A "história", aliás, é relativamente simples para tantas "referências". Perdemo-nos por entre famílias e cidades, nossas e ultramarinas. Por entre as pequenas biografias de personagens fugazes. São escassas as páginas para tantas "histórias" pessoais que ficam pelo caminho. Quase a terminar, a mais densa, se quisermos, é a de uma professora universitária de 55 anos, cujo passado não a recomenda para a "felicidade", e que é corrida da academia sul-africana por causa do envolvimento com um aluno de 20, um híbrido de zulu com grego. O protagonista de Cidade Proibida é a impossibilidade, malgré tantas vidas aparentemente bem sucedidas. O avô mal resolvido da carreira diplomática, o tio low middle class do amante inglês, amante do sobrinho e de muitas mulheres, a cunhada incluída, esposas mal fodidas, etc., etc., tudo ressuma impossibilidade. Martim, o betinho jovem executivo e o seu "rapaz" inglês, Rupert, que acabou a dar aulas no Instituto Britânico de Lisboa, vivem uma "história" trivial entre dois homens, cheia de cornos no armário e com um gato mantido prudentemente à distância. Como em Persona, Pitta é enxuto e, quando quer, cruel. De tal maneira que, num romance supostamente queer, são as mulheres as figuras de recorte mais interessante. Maurice amava um fellow student que acabou casado com uma rapariga insignificante. A impossibilidade foi transposta pela janela quando o rapaz que distribuía as bolas no cricket- se não erro - subiu as escadas até ao quarto do menino rico. Na hora certa, Maurice, como lhe competia, trocou o incerto - o amor - pelo certo, a paixão e o sexo. Martim, no fim, com a cumplicidade de uma tia prevenida, também assenta numa avença com o porteiro do prédio, um despreocupado de vinte anos a quem o facto de a cidade ser proibida, não incomoda. A mim, leitor, também não.