31.12.06

NÃO HÁ COMO UM ANO DEPOIS DO OUTRO



"Pensem quais podem ser as razões básicas para o desespero.
Cada um de vocês terá as suas. Proponho-vos as minhas:
a volubilidade do amor, a fragilidade do nosso corpo,
a opressiva mesquinhez que domina a vida social,
a trágica solidão em que no fundo todos vivemos,
os reveses da amizade,
a monotonia e a insensibilidade que andam associadas ao costume de viver."

Enrique Vila-Matas, Paris nunca se acaba

Não há como um dia depois do outro. Por acaso de calendário, o dia de hoje fecha um mês e fecha um ano. Há muitos anos que já não existem anos diferentes. Não adianta olhar para trás. O passado está pejado de cruzes. As dos nossos mortos, as dos nossos "ideais", as dos nossos desejos, as dos nossos amantes - bonita expressão a de Hervé Guibert, "o mausoléu dos amantes" -, as das nossas múltiplas vidas. Todo o homem é um ser complexo e só os pobres de espírito podem supor que tudo corre como numa auto-estrada no meio do deserto, sem trânsito e sem outra paisagem que não o sol e o céu azul. Proust escreveu que era preciso guardar um pouco de céu azul na nossa vida, logo esse nervoso genial que se fechou num quarto para remoer "o tempo perdido". Não, não adianta olhar para trás. Aos quarenta e seis está-se mais perto dos cinquenta do que dos vinte, dos trinta ou mesmo dos quarenta. Provavelmente houve um tempo para tudo da mesma forma que haverá agora um tempo para um outro tudo. Nas magníficas páginas iniciais do seu "Saint Genet - comédien et martyr", Sartre adverte que, sermos ainda o que vamos deixar de ser e sermos já o que seremos, é a mais solene e trágica das nossas condições. Olho para o futuro com a esperança do "progressista" que não sou. Não há como um ano depois do outro.

COMISSÃO DE HONRA


Foi com as pessoas - sim, os bloggers são pessoas - que listo a seguir que "perdi" o melhor tempo do ano. Numa altura em que algumas amizades ficaram para trás, outras emergiram graças a esta arte menor do blogue. O Pedro Correia, a quem "roubei" a lista para a adaptar, é uma delas. O Eduardo Pitta, outra. O Tomás Vasques, a Isabel, o revisitado João Villalobos, o desaparecido blogger João Pedro George, a Constança Cunha e Sá - com quem partilhei um inesquecível almoço de sete horas - o Francisco José Viegas, o Jorge Ferreira, revisto, correcto e aumentado após uns anitos de afastamento, o Luís Naves, o Francisco Almeida Leite, o Duarte Calvão e o nosso "sistémico" Paulo Gorjão. José Medeiros Ferreira é, por assim dizer, muito da casa, e a Joana Amaral Dias foi uma simpática surpresa. O José Adelino Maltez e o José Pacheco Pereira ajudam-me a pensar esta insondável questão que é Portugal. O João, de outra geração, é um novo amigo. E o Pedro, alguém que me estreou na comida japonesa, depois de ele se ter estreado numa aventura político-cultural que começou em Março deste ano. O Henrique Silveira vem de mais longe e de um tempo encerrado, o São Carlos, e o Eurico de Barros vem do Semanário de Vitor Cunha Rego, ambos já desaparecidos. Os bloggers que se seguem são conhecidos daqui, do telefone e do e-mail. Como escrevi noutra ocasião, o Portugal dos Pequeninos existe porque me dá gozo e porque há por aí centenas de leitores anónimos e de bloggers que têm sido a minha mais fiel companhia silenciosa, sejam eles detractores ou "apoiantes", seja eu devoto ou carrasco. A minha "comissão de honra" é esta. Continuemos.
Bernardo Pires de Lima
Bruno Ventana
Carla Carvalho
Carla Hilário Quevedo
Carlos Romão
Carlos Abreu Amorim
Carlos Manuel Castro
Clara Carneiro
Cristóvão do Vale
David Justino
JM Ferreira de Almeida
Margarida Corrêa de Aguiar
Pinho Cardão
Suzana Toscano
Ví­tor Reis
João Alves
Eduardo Nogueira Pinto
Fátima Pinto Ferreira
Fátima Rolo Duarte
Fernanda Câncio
Filipe Nunes Vicente
Francisco Costa Afonso
Francisco Mendes da Silva
Francisco Trigo de Abreu
Gabriel Silva
Ivan Nunes
Helena Matos
Henrique Burnay
Henrique Fialho
Henrique Raposo
João Caetano Dias
José Gomes André
João Miguel Amaro Correia
João Morgado Fernandes
João Paulo Sousa
João Sousa André
João Vacas
José Manuel Fonseca
José Nunes
José Pimentel Teixeira
José Teófilo Duarte
Luís Carmelo
Luís Grave Rodrigues
Luís Januário
Luís M. Jorge
Luís Novaes Tito
Manuel Anastácio
Masson
Miguel Abrantes
Miguel Castelo-Branco
Nuno Barata Almeida Sousa
Nuno Mota Pinto
Paulo Cunha Porto
Paulo Pedroso
Paulo Pinto Mascarenhas
Paulo Querido
Paulo Tunhas
Pedro Lomba
Pedro Marques Lopes
Pedro Picoito
Rodrigo Adão da Fonseca
Rodrigo Moita de Deus
Rui Castro
Rui Costa Pinto
Rui Pena Pires
Sérgio Coimbra
Sofia Loureiro dos Santos
Sofia Vieira
Tiago Barbosa Ribeiro
Tiago Geraldo
Valter Hugo Mãe
Vasco Lobo Xavier
Vital Moreira
Vitor Cunha

DO ANO QUE PASSA - 6

No meio dos folguedos idiotas, passou despercebida a pequena tragédia da Nazaré. Pequena para quem está de fora e enorme para quem assistiu, impotente, à morte dos seus a meia dúzia de metros da areia. São infelizmente precisas imagens horríveis deste género para nos lembrarem o esterco em que vivemos. Não há powerpoint ou promessas de "modernidade" que nos redimam. O serviço de bombeiros e de protecção civil, a polícia marítima e todo esse aparato de autoridade que se exibe em presunçosas conferências de imprensa, levaram duas horas a chegar. Para morrerem estupidamente, bastou àqueles homens um instante da força maligna da natureza e a fatalidade de terem nascido portugueses. Há quantos anos não faz este país outra coisa senão morrer na praia?

30.12.06

DO ANO QUE PASSA - 5

O enforcamento de Saddam Hussein, depois de um julgamento indigno desse nome, é, ao contrário do que Bush imagina, um ponto de partida. É grave que o líder do mundo ocidental se regozije com um acto bárbaro ao arrepio de algo que levou anos e anos para se tornar uma conquista civilizacional: a eliminação da pena de morte. O Iraque transita assim para 2007 como uma enorme gangrena que ameaça alastrar. A morte do ditador é apenas mais um rastilho, porventura o mais impressivo, para desaustinar o mundo árabe e os famosos terroristas que Bush julgava surpreender no Iraque. Pior era impossível.

O ANO QUE PASSA - 4


Dos primeiros vinte e dois dias do ano que passa, fica a derrota de Mário Soares e a vitória de Cavaco Silva. Desta já me ocupei aqui. Fiquei com a sensação, depois de correr algumas livrarias, que o livro de Filipe Santos Costa, A Última Campanha, tinha sido comprado a resmas por alguém. Talvez o PS, talvez o visado e a sua Fundação, não sei. Foi graças à amizade e à gentileza de um dos principais protagonistas desse livro que o pude ler, em apenas duas noites, devidamente emprestado e pronto a ser devolvido. Lido com alguma atenção - e já que é do futuro, tal como o ex-"pai da pátria", que me interessa falar - o texto de Santos Costa permite algumas conclusões interessantes. A primeira, é que Soares nunca foi acompanhado no seu atabalhoado regresso pelo PS. É claro que houve ministros, secretários de Estado e o "aparelho" dos drs. Coelho e Perestrello a puxar pelo impuxável. Só que, já nessa altura, a prioridade de Sócrates era a preciosa estabilidade da sua maioria e do seu executivo. Cada vez que uma luminária do governo aparecia ao lado de Soares a falar em "estabilidade", Cavaco ganhava mais uns votos. As declarações e os silêncios dos profissionais do PS na campanha, feitos on e off ao autor do livro, mostram a enorme cautela daqueles em "explicar" a ligação do partido e do governo com o desastre anunciado. Leiam-se os depoimentos do "socrático" Marcos Perestrello e do "socrático convertido" José Manuel dos Santos. E percebam-se os afastamentos e a prudência analítica de um inesperado António Campos, de um "realista" e livre Medeiros Ferreira ou de um António Pedro Vasconcellos. Alfredo Barroso já tinha perdido o passo no métier e no PS quando se enfiou e desenfiou na campanha. Vitor Ramalho fazia ora o papel do cego, ora o papel principal na tragédia - foi o primeiro a querer Soares e o primeiro a querer que ele desistisse - e Vasco Vieira de Almeida, advogado de negócios e uma nulidade política, foi sempre o mandatário errado. Mega Ferreira não conta. Nessa altura já tinha o CCB "prometido". Em suma, Soares, sem dar por isso, e logo a seguir ao único momento verdadeiramente apoteótico da candidatura - o seu anúncio histérico no Altis -, passou a gerir sozinho um "saco de gatos" de que Sócrates se afastou prudentemente já a pensar na "cooperação estratégica" e no PS albanês que construiu a seguir. Deixou lá os "homens das pontes" como rendimento mínimo garantido. O resto eram amizades que não podiam dizer "não" e uns tolinhos de circunstância agarrados a "teorias da conspiração". Em segundo lugar, e como consequência disto, Sócrates e os seus acólitos mais próximos, muitos deles sem nenhuma tradição partidária, desfizeram-se do PS fundado por Soares em 2006, acto consumado num congresso recente. Na sua irresponsabilidade "poética", o bardo Alegre ajudou à festa e presentemente não interessa nada. A derrota de Soares sossegou e "socratizou" definitivamente um partido agastado pelas autárquicas e pelas "reformas" incompreendidas. Soares nunca percebeu que a "estabilidade" de que eles falavam e que berravam nos comícios, não passava por ele. Sócrates e Soares, segundo crónicas e íntimos comuns, dão-se muito bem e o "primeiro" telefona-lhe muitas vezes e ouve-o amiúde. Não custa nada ser cínico. Em terceiro e último lugar, olhando para diante, a derrota de Soares só aproveitou a uma pessoa, ao primeiro-ministro. Este foi o ano da sua "popularidade" absoluta nos estudos de opinião, tal como em 86/87, Cavaco, então chefe do governo, "cresceu" de uma situação minoritária para duas maiorias seguidas, após a derrota do seu candidato presidencial, Freitas do Amaral. Soares presidente "ajudou" e o Presidente Cavaco está a "ajudar". O precipitado elogio presidencial de 2006 ao alegado "reformismo governativo", pode vir a estatelar-se aos pés de Cavaco Silva mais brevemente do que ele imagina. O PS não pode correr o risco de afrontar até ao fim a classe média que o sustenta eleitoralmente e de andar a receber os elogios hipócritas das "esquerdas e das direitas dos interesses" que se andam a servir de um governo que faz por elas o "trabalho sujo". O recente episódio do "regulador" das energias, com a escolha de um homem de Pina Moura para o cargo, é só mais um frete que Cavaco, espera-se, deve ter registado. "Eu debati essa estratégia de colagem ao governo e ao PS nas primeiras reuniões, mas depois calei-me. Acho que já não valia a pena". Palavras de Medeiros Ferreira ao autor do livro que deu o mote a este escrito. É claro que já não valia a pena. O tempo se encarregará, feliz ou infelizmente, de lhe dar razão.

29.12.06

O "PC"

A melhor resposta ao delírio "PC" - "politicamente correcto" - da Fernanda Câncio no Diário de Notícias de hoje (sem link) é este texto de Henrique Raposo: "(...) O PC não é uma doutrina que ilumina o futuro. Ninguém grita “eu sou PC!” (paga-se um sumptuoso jantar a quem ousar gritar “tenho orgulho em ser PC!”). Não é uma ideologia colectiva. É, isso sim, uma crença privada. Mas, atenção, é uma crença privada partilhada, em silêncio, por milhões. É um manual de comportamento e de policiamento [...] E, por ser privada, é uma crença emocional. Como afirma Browne, representa a abolição da razão pública [...]".

DO ANO QUE PASSA - 3

Do ano que passa fica uma ideia horrível de violência e outra desconfiada da justiça. O caso Gisberta, as crianças espancadas e assassinadas às mãos de pais, mães, padrastos, madrastas, amantes e a puta que os pariu, são evidências de uma sociedade amoral, acéfala e profundamente ignorante. Básica, mesmo. Existe uma imensa indignidade social e cultural a que se seguem decisões jurídicas incompreensíveis para o chamado e inexistente "sentimento jurídico colectivo". O desfazamento da "realidade" por parte de muitas decisões judiciais é assustadora. Nunca se falou tanto de justiça e nunca tanta injustiça teve lugar. Os "protagonistas" passaram o ano a pavonear-se nas televisões, nos jornais, nos colóquios, todos a tratar das vidas deles. Na política, não houve cão nem gato que não não tivesse botado sentença sobre a matéria. Pura retórica, puras bravatas, puro formalismo inconsequente. Além de insensatos, somos perigosos e não nos apercebemos disso.

DO ANO QUE PASSA -2

Desde o ano passado que me tenho farto de escrever aqui sobre o actual Papa e antigo cardeal Joseph Ratzinger. Saíram, entretanto, em 2006, dois livros traduzidos que talvez ajudem os incréus a perceber melhor o pensamento deste intelectual europeu. Deus e o Mundo continua o "diálogo" do final dos anos noventa com o mesmo jornalista alemão de O Sal da Terra e a Universidade Católica editou um Fé, Religião e Tolerância que reúne ensaios vários do teólogo e professor universitário. Para já, e como Pacheco Pereira sempre é Pacheco Pereira, é de ler este exelente escrito, que continua para a semana, sobre o dito intelectual europeu. Pode ser que por ser JPP, insuspeito quanto à parte religiosa da coisa, talvez aprendam alguma coisa com esta versão anotada do artigo que li ontem ,em papel, no Público.

DO ANO QUE PASSA -1


Desta vez interessa-me mais o futuro do que o passado. Porém, há coisas que me ficaram do ano que passa e que não resisto a anotar. Não sendo "crítico" nem "jornalista cultural, mas apenas mero leitor, se me desse para o "balanço literário do ano" faria apenas duas ou três observações. Uma primeira para o João Pedro George. Em má hora entregou o Esplanar a Carlos Leone, uma sumidade institucional que deixou o blogue no estado em que ele se encontra: nenhum. Foi o João quem coligiu textos seus daqui e dali e deu à estampa um livrinho atípico nestas matérias, Não é Fácil Dizer Bem, cujo título tenho aproveitado indecentemente. Salvo na parte final em que lhe deu para delirar, o João desmontou com graça a pseudo-seriedade de alguns literatos e candidatos a literatos nossos contemporâneos. Não é uma "tese" nem nada parecido. É um exercício divertido e bem escrito contra a mediocridade consensual, de capela e de estranhas cumplicidades que persiste no "meio literário português. Dele também, Couves & Alforrecas, uma diatribe paciente sobre o "estilo" da "marca registada", a mítica e intocável Margarida Rebelo Pinto, escritora e colunista de costumes. Só o facto de ter lido, de fio a pavio, a insigne "obra literária" da senhora e de ter enfrentado o respeitinho em tribunal, já lhe valia uma venera. Ainda no campo da subliteratura nacional, destaco a profusão de "novos" autores portugueses, muitos deles oriundos do jornalismo, que nos presentearam com diversos "romances", "romances históricos" e "biografias romanceadas". Não retive um nome ou um título, à excepção - porque me cruzei várias vezes com ele a dar autógrafos entre Lisboa e o Algarve - de José Rodrigues dos Santos, o "rei da síntese", cuja presença nos escaparates das livrarias e dos supermercados é intensa. Tão intensa como o tamanho dos calhamaços que tem dado à estampa. Para "rei da síntese", não está nada mal. É esta gente que entra mais facilmente na cabeça e na vontade de ler do português médio. Estão bem uns para os outros. Finalmente, não dei por nada de extravagante na poesia ou na "ensaística". Ou se dei, não me lembro. Só li o ensaio de Vasco Pulido Valente sobre Paiva Couceiro e o Círculo de Leitores não me deixou comprar em avulso o "D. Maria II", o "D.Pedro V" e o "D. Carlos", respectivamente de Maria de Fátima Bonifácio, de Maria Filomena Mónica e de Rui Ramos. Ficam para a próxima.

28.12.06

LER OS OUTROS

Três "Corta-Fitas" - é o que dá ser um dos melhores blogues colectivos, arrisco mesmo o melhor -, o Luís Naves, a Isabel Teixeira da Mota e o Pedro Correia, respectivamente, "Colecção de Crónicas III", "Palavras no vácuo" e "Um mal nunca vem só". O primeiro porque me traz de volta a paixão pelo deserto em termos perfeitamente certeiros ("Em Morocco, Marlene Dietrich viaja sem bilhete de volta, só o de ida, porque em busca destas cidades perdidas andam personagens à deriva, peregrinos que não voltarão jamais do seu destino fatal."), a segunda porque evidencia a estupidez burocrática no seu maligno esplendor e no absoluto grau zero do seu sem sentido, e o Pedro porque denuncia uma reles manobra de propaganda do pior gosto.

AS COMISSÕES

Para quando uma vassourada a sério nas ditas "comissões de protecção de menores" em vez dos habituais "inquéritos"? É preciso mais "inquéritos" para perceber que aquilo não presta? E que a "passagem da culpa a outro que não ao mesmo" é uma vergonha para o famoso "sistema que não consegue proteger os menores do primitivismo e da miséria moral e material dos seus progenitores?

PASTELARIA CISTER - 2


Voltei à Pastelaria Cister. Dois dedos de conversa com Medeiros Ferreira, alguém que, há mais de vinte e tal anos, faz parte da minha paisagem política. Os essencialistas das esquerdas e das direitas provavelmente não entenderão esta - posso chamar-lhe assim - cumplicidade. E não a entendem porque a política, aos poucos, foi desaparecendo. A última tentativa de a trazer à tona ocorreu há exactamente um ano, com as presidenciais e com Soares. Acontece que esse já não era um momento para a "grande política" e Soares entrou tarde e mal para um combate que, em rigor, já não lhe pertencia. Para já, entrámos numa fase "eucaliptal" da política nacional, protagonizada por dois homens que estão condenados a enfrentar-se lá mais para diante: Sócrates e Cavaco. Se isso não acontecesse, o mainstream da democracia estaria em causa. Não existe uma democracia madura na paz "pseudo-reformista" dos cemitérios. A classe média que apoiou Sócrates, o PS e Cavaco - por esta ordem - sentirá duramente na pele os efeitos do "endireitamento" das coisas, mais conhecido por "esforço nacional", o qual não é sustentado por nenhum pensamento político excessivamente elaborado, mas antes por um tacticismo pragmático e uma crendice de circunstância que não irão longe. Espremam-se bem espremidas todas as "reformas" - o anúncio delas - e veja-se o que sobra. A acção reformadora nunca foi apolítica, branca, assente em "técnicos", apesar de muita propaganda jornalística "fazer crer" o contrário. Por exemplo, um jornal prestigiado elege a reforma da administração pública como o evento do ano. Que mal lhes pergunte, que reforma em concreto? Qual delas? 2006 representou a tomada da nuvem por Juno, bem iluminada, aliás, por muito media deslumbrado ou bem orientado. 2oo7 ensaiará os primeiros passsos do regresso à política. Por mim, tenciono ir mais vezes à Cister.

Nota: Na foto, o último livro de José Medeiros Ferreira, Cinco Regimes na Política Internacional, Editorial Presença, 2006, sobre as relações externas e a diplomacia de Portugal do fim da monarquia à "opção europeia"

27.12.06

NÃO É FÁCIL DIZER BEM - 12


Não é mesmo nada fácil, Carla. Estão aí para trás onze posts que o comprovam. Não tenho jeito para Augusto Gil, o da "balada". Fiquei vacinado quando o decorei, em menino e moço, na primária. E ainda recitei em público um poemazinho medonho, não sei de quem, intitulado "Ser bom", que levou a minha mãe a derramar umas honestas lágrimas pelo talento declamatório do rebento. E era, enquanto o "sistema" o permitiu, um menino de quadro de honra. Ainda figurei no do Pedro V, imediatamente antes da Revolução florida. Depois veio o Mauro de Vasconcelos, o O'Neill, o Garrett, o Eça, o Pessoa, a história da literatura do Saraiva e do Lopes. Os livros de J.B.Priestley, Pinter e outros, emprestados a partir de um quinto andar da Avenida da República, já derrubado. O direito, o acto falhado para a história ou coisa parecida, e uma passagem fugidia pela Nova, no curso do hoje professor doutor Abel Barros Baptista. Apenas duas cadeiras e o José Ribeiro da Fonte. Sempre os livros atrás e menos as sebentas. Um ano repetido e eu mudado. O amor pelo caminho, logo aos vinte e poucos. A força de um muro permanente entre mim e o "outro". Crescer e viver à sombra desse muro inexpugnável. Para sempre, diria o Vergílio Ferreira. Chego aqui cansado, aos quarenta e seis, com estes versos de Herberto Helder (nem sequer é dos meus preferidos), lidos pela primeira vez no irrepetível verão de 83: "chega a mão a escrever negro/e, conforme vai escrevendo/mais negra se torna." Percebe agora?

OS DIAS DE AMANHÃ - 2

As taxas de juro activas vão aumentar em 2007, já para a semana. Muitos portugueses estão a pagar à banca o empréstimo para a compra de casa própria e é justamente a prestação desse empréstimo que forçosamente subirá. Também aumentam a electricidade, os combustíveis, os fármacos, os internamentos públicos. Em suma, a "vida", a outra, aumenta na segunda-feira. Por estes dias, ninguém se tem dado ao trabalho de pensar nos dias de amanhã. Depois não se queixem.

LER OS OUTROS

Afinal, existem formas de vida sensata no Glória Fácil.

SERVIÇO PÚBLICO

O senhor engenheiro terá lido isto antes ou depois da sua mensagem optimista? Parece que somos o grande exemplo europeu do que NÃO se deve fazer em matéria de finanças públicas. Sempre servimos, afinal, para alguma coisa.

OUVIR OS OUTROS

No Crítico, do lado direito da página, pode escutar-se uma "transmissão da Antena II a partir do Teatro Nacional de São Castos". É uma blague que contém, entre outras pérolas, Natália de Andrade. Esperemos que, em 2007, a blague não se torne numa triste realidade às mãos do dr. Vieira de Carvalho e sus muchachos e muchachas.

VERME


Um pessoa minha "amiga" enviou-me há pouco uma "sms" onde escreve que andou a ler uma biografia do nosso D. Carlos (não sei se a de Rui Ramos) e concluiu, e passo a citar, "que se não fosse a importância decadente que dá [dou] à merda, até tinha [eu] semelhanças com o dito" e que "[eu] podia evitar essa sua [minha] degradação já que a si [a mim] ninguém lhe dá um tiro." Daqui concluo que: a) perco demasiado tempo com coisas e gente que o não merece; b) que, apesar de republicano, talvez me possa rever nalguns traços desse grande assassinado da Rua do Arsenal (quem sabe, o gosto por Paris, sem as putas), designadamente por termos sido ambos de Lanceiros e eu ainda poder vir a levar um tiro; c) estou a degradar-me. Já que estou a "degradar-me", peço emprestado ao Filipe Nunes Vicente (quando for em breve a Coimbra compenso-o) este poema doutro "decadente", o Teixeira de Pascoaes, de quem ando a ler o "São Paulo", prosa altamente recomendável a todos os degradados deste nosso pequeno mundo.

"UMA PROFISSÃO ESSENCIAL: A do "Verme", de Pascoaes:


" Eu vivo no interior das negras sepulturas.
Só eu sei conhecer as grandes amarguras
Dos que pedem à terra a paz e o esquecimento...
Na sua antiga dor encontro um alimento...
E nas suas lágrimas sombrias e geladas,
Como nos lagos ou nas fontes prateadas,
Às vezes mato a sede... E o mau ar que respiro
Tem o amargo sabor dum último suspiro...
Por isso conheço a dor do homem..."

A ILUSÃO

Ao primeiro-ministro convinha-lhe, na sua austeridade soturna, meditar nisto. Em vez da "confiança" e dos "sinais encorajadores", Sócrates devia ter confrontado a raça que pastoreia com a realidade. Só que a realidade empurra a ilusão e só vagamente entra na cabeça das pessoas. A avaliar por isto, o "consumo privado" está aos melhores níveis da melhor Europa. Daqui a uma semana, quando todos os forrobodós passarem, a realidade, qual serpente venenosa, descerá pelas chaminés como nunca um qualquer pai natal desceu. A um Sócrates virtual corresponde um país irreal e vice-versa. Se calhar está tudo bem assim e não podia ser de outra maneira.

BARBÁRIE CIVILIZACIONAL - 2

Alguns anónimos comentadores ficaram muito indignados por isto. Acusaram-me, até, de falta de sensibilidade. Se bem percebi, consideram "natural" que uma menina de doze anos seja mãe em consequência de ter começado a praticar "educação sexual" antes mesmo de a escola lha ensinar, como mandam os bons costumes democráticos. Ela aprendeu por si, com os seus dois "namorados", à semelhança do que acontece com qualquer adolescente, seja ele da Lapa ou da Amadora. E não me pareceu que nenhum dos namorados fosse propriamente um menino como ela. Ora, em linguagem chã, isto é pedofilia e da grossa. Ou estes beneméritos imaginam que a dita só existe quando intervêm pilas e rabinhos? No caso da menina de doze anos, o crime praticado sobre ela com o seu consentimento é semi-público, ou seja, depende de queixa para prosseguir a acção penal. Ela e os seus - a avó foi mãe aos 16, a mãe dela, aos 14, e ela aos 12 - bem como os "teóricos" da coisa, acham que está tudo muito bem assim. Problema deles? Não. Problema nosso, do nosso primitivismo, e da sociedade de novos monstros que andamos alegremente a construir. Se isto é uma civilização, então não sei o que é uma civilização.

26.12.06

LER OS OUTROS

O Filipe Nunes Vicente sobre a incorrecção política pós-natalícia de Rui Rio.

O IRMÃO

O sr. Ramos Horta - uma criatura que foi amplamente subsidiada pelo estado português, logo, por todos nós, cada vez que se ia exibir a Nova Iorque ou a outro lado qualquer -, uma criatura que Ana Gomes acarinha, esta criatura que é primeiro-ministro dessa ficção política que é Timor Leste para cima do qual o regime se baba, dirigiu-se directamente ao sr. Bin Laden, numa entrevista, a quem chamou de "meu irmão". Não se esqueçam, pois, de lhe chamar, ao sr. Horta, irmão.

BARBÁRIE CIVILIZACIONAL

Na TVI passa uma reportagem sobre adolescentes grávidas. Fala uma menina de doze - 12 - anos com uma filha. Pergunta a jornalista: "sabes quem é o pai"? Responde a menina: "Não tenho a certeza porque andava com dois ao mesmo tempo. Como um não quer assumir ser o pai, fica o outro." Pergunta a jornalista: "Mas não tens a certeza que seja esse o pai?". Responde a menina: "Não, mas fica este. Mas vou fazer os testes". Doze anos, mãe. Todos os intervenientes - a mãe da menina, psicólogas, médicos e o profeta Daniel Sampaio que imagina andar a impingir a "educação sexual" das meninas e dos meninos na escola - vêem a coisa com a maior complacência e irresponsabilidade. Qual é mesmo o exemplo, senhor engenheiro? A Finlândia ou o Burundi?

BARBÁRIE "DEMOCRÁTICA"

A sentença de morte de Saddam Hussein, confirmada por uma coisa chamada "supremo tribunal de justiça" do Iraque, é mais um golpe na possibilidade de levar a sério o regime e a trapalhada instaurada naquele país pelos EUA de W. Bush. O julgamento do ditador é uma farsa que envergonha o direito tal como o conhecemos. É também a prova de que não existe qualquer esperança de "democratização", de que esta não é importável e de que a pena de morte - um primitivismo jurídico e ético que subsiste em tantos estados norte-americanos como o que é chefiado por outro Bush - coloca de lado qualquer hipótese de conciliação "ocidental" com esta gente. Só um burgesso inconsciente como W. Bush se podia regozijar com esta barbaridade que, a seu tempo, rebentará em cima dele e, tragicamente, em cima de nós.

Adenda: Ler "O tribunal suicida", de José Medeiros Ferreira

20.13, O PURGATÓRIO


Venho do filme de Joaquim Leitão, 20,13. Tem a estrutura da tragédia, com coro, música, unidade de espaço e de tempo a preceito. A coisa resume-se à noite da consoada, passada num aquartelamento do exército português em plena guerra colonial. Moçambique, 1969. Num helicóptero chega inesperadamente a mulher do comandante, o capitão Correia (na foto). Já lá está outra mulher, a do alferes médico, um casal sem sentido. A segunda figura do quartel é o alferes Gaio, um "revoltado" da metrópole a cumprir o serviço obrigatório. O capitão lembra o oficial japonês de Merry Christmas, Mr. Lawrence ou o capitão do barco em Querelle. Honra, dever, orgulho, patriotismo, um casamento falhado com uma filha-família e um affair de caserna com o cabo enfermeiro. A mulher perturbada do alferes médico tem aparentemente uma fixação pelo capitão atormentado e não hesita em matar para que isso fique claro. Para proteger um assassínio, outro assassínio e a imolação final do capitão que procura deliberadamente a morte numa acção militar. Tudo termina pelo fogo, pelos tiros e pela arma branca. O alferes Gaio sabe a verdade por uma carta que lhe deixou o capitão. A hierarquia militar deseja heróis, mortos em combate, e não "larilas". A carta e a história de Gaio desaparecem num pequeno lume ateado num cinzeiro. O tenente-coronel profere a frase decisiva do filme: "no exército português não há maricas nem oficiais que matam soldados". Há uma "história" na guerra colonial portuguesa que ficou por fazer e que esta frase singular e "oficial" resume. Apenas a ficção - uma tão corajosa quanto medíocre, de Guilherme de Melo ("A sombra dos dias", da Bertrand) e outra mais cruel e "realista" de Eduardo Pitta ("Persona" - ficções, da Angelus Novus, particularmente "Pesadelo", a páginas 27 e seguintes) - tocou este pathos, já que o regime sempre se recusou a aceitar "escândalos", mandando para o "mato" ou para a "metrópole" os casos mais bicudos. Fizeram-se inquéritos e mais inquéritos que ficaram apenas na memória dos seus principais protagonistas. A ditadura tinha destas subtilezas: podia fazer-se tudo desde que não se soubesse. O filme de Joaquim Leitão tem a configuração da tragédia clássica precisamente porque existe um reconhecimento, uma descoberta fatal, um "ágon", uma catástrofe. Toda aquela gente está condenada. Os soldados, à morte em campo aberto, os protagonistas (regime colonial incluído), à impossibilidade de lidar com a verdade. Um capitão de boas famílias e do exército colonial português não pode amar um cabo enfermeiro, tal como a mulher de outro homem não pode amar um homem casado e tal como o regime não pode aceitar a realidade. Por isso matam e se matam. A renúncia final ao mundo da mulher culpada é a única redenção consentida.

O LIVRO


Não é o livro do ano porque foi publicado anteriormente, mas é seguramente um dos grandes livros traduzidos este ano. Lá mais para o 31, ia escrever sobre ele, apesar de, na altura em que o li, ter feito menção. Sucede que o Henrique Raposo tirou-me praticamente as palavras do computador. Está escrito. No entanto, duvido que o interlocutor escolhido pelo Henrique perceba.

LER OS OUTROS

No Diário de Notícias, este oportuno artigo de José Sasportes especialmente destinado aos "iluminados" neo-realistas que ocupam presentemente o Palácio da Ajuda. A um, sobretudo. A aplicar-se o PRACE ao Ministério da Cultura, que se aplique a sério, extinguindo a tutela.

NUNCA MAIS


"E quando eu me lembrava de que no dia seguinte o mar se repetiria para mim, eu ficava séria de tanta ventura e aventura. Meu pai acreditava que não se devia tomar logo banho de água doce: o mar devia ficar na nossa pele por algumas horas. Era contra a minha vontade que eu tomava um chuveiro que me deixava límpida e sem o mar. A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Como sentir com a frescura da inocência o sol vermelho se levantar? Nunca mais? Nunca mais. Nunca."

Clarice Lispector, surpreendida pelo Eduardo Pitta

ABRIR UM LUGAR -2

O montinho da alarvidade de ontem aumentou ligeiramente. Vale a pena?

25.12.06

A MENSAGEM


O senhor primeiro-ministro está "confiante" no "passo a passo" que anda a dar. Todos os seus "indicadores" melhoraram, a sua "confiança" aumentou, as "expectativas" aumentaram. Isto graças ao "esforço" que ele anda a pedir a "todos" e a que, pelos vistos, "todos" devem obedecer sem hesitação. "Trabalho árduo" é a receita do senhor engenheiro, a mesma que Salazar proclamou quando ascendeu ao lugar hoje ocupado por Sócrates. Não existe comparação possível. Salazar saneou e equilibrou as finanças, apostou numa economia rural pouco mais que primitiva e, porventura com receio da "classe operária", desprezou a industrialização do país e cerceou as liberdades a fim de sossegar as gentes depois dos desmandos da I República. Até certo ponto da história, foi um estadista notável. Todavia, e contrariamente ao que dizia, decidido até onde ir, acabou por ir mais além. O regime - ele- tornou-se esdrúxulo. Um dos grandes portugueses do século terminava como uma caricatura de si mesmo, convencido de que ainda era o que já tinha deixado de ser. Sócrates não é nada disto. Em Salazar havia persistência, método, consistência e censura. Em Sócrates existe teimosia, power point, superficialidade autoritária e exploração das virtualidades mediáticas e tecnocráticas da democracia. Salazar era alérgico à "política" e, em certo sentido, construiu o seu poder contra ela, tornando-se, apesar e por causa disso, num dos maiores políticos portugueses de sempre. Sócrates, sendo um típico produto da política partidária e caciqueira - ele é uma circunstância feliz sobretudo para si próprio - acabou por anular o PS e secar praticamente tudo à sua volta em nome da "salvação" do partido e do país. Se falhar, como acabará por falhar, será a vez de o país o secar a ele.

LER OS OUTROS

"Daqui a uns anos, inclusive, o mundo estará cheio de nostálgicos da liberdade. Gente que terá saudade do tempo em que podia festejar o Natal sem ser acusada de estar a insultar os muçulmanos e os ateus; gente que podia publicar cartoons e rir dos outros - que é uma actividade meritória. Haverá nostálgicos do tempo em que podiam fumar um cigarro ou um charuto, comer costeletas de novilho com osso, andar de minissaia sem ser apedrejada, ler um livro sem levantar suspeitas - enfim, sem ser controlado de alguma maneira por Entidades Reguladoras ou por chips electrónicos que armazenam cada passo que damos, cada fronteira que atravessamos, cada doença de que nos queixámos."

Francisco José Viegas, in Jornal de Notícias, na íntegra aqui

ABRIR UM LUGAR


Perguntava o Papa, na benção Urbi et Orbi, se faz algum sentido um "salvador" neste milénio onde tudo parece ter sido já alcançado, onde toda a gente parece "realizada" e "feliz", onde o "progresso" - o tecnológico, o do "choque" do senhor engenheiro - impera. Faz. E faz na exactíssima medida em que o "progresso" infantilizou o homem e diminuiu a percepção do sentido da vida. A foto acima reproduz o que restou da noite em que Deus se fez menino para nós e para ficar entre nós. Foi tirada perto de casa, mas pode ser visto em qualquer rua, qualquer avenida, hoje desertas. Terminada a "festa", as pessoas regressam ao vazio porque nem o leitão, nem o bacalhau, nem a boneca, nem a consola, nem a televisão, nem o carrinho comandado à distância evitam o inevitável. À ilusão segue-se a desilusão depois da alegria fingida do próximo fim-de-semana. Extinto o natal enquanto pura troca comercial e pseudo-afectiva, chega a "loucura" do fim do ano. Aqui ou em países exóticos, a chegada de um novo ano, em vez de ser vista como esperança e assumida com fé, derrete-se nos copos, nas "festas", na extravagância ocasional e sem sentido. Sim, a presença do Salvador entre nós faz cada vez mais sentido. Lembra-nos como Ele nasceu, viveu e morreu na maior simplicidade e sofrimento porque, desde o primeiro instante, "não havia lugar para Ele". Enquanto não abrirmos esse lugar para Ele, em vez de abrirmos presentes, valemos tanto como os pacotes da fotografia, dejectos de uns fugazes momentos de alegria rapidamente deitados fora.

24.12.06

PARA OS OUTROS...

PARA OS AMIGOS...


Diferentemente da Miss Pearls, não dou prendas. J'embrasse pas. Todavia, e olhando aos destinatários das que ela encomendou, faço minhas as suas palavras, devidamente adaptadas: "a todos os leitores, aos bloggers que passam por aqui, aos amigos que fiz, a quem está por de trás de um blog e que não conheço, a todos que deixam comentários, que muitas vezes me fazem rir, com quem aprendo, [com quem desaprendo e elimino], este blog (também) é vosso. Um Feliz Natal. Obrigada[o]."

OS DIAS DE AMANHÃ - 2

"Recusam-se a pensar. Mesmo a apenas três dias do natal, o momento em que Deus se fez homem na palha de uma gruta, a maioria das pessoas precipita-se atrás de tudo o que pensa ser diversão, entretenimento, consumo, modismo. Vão acabar exaustos, atordoados de tanta correria. É como se estourassem de inconsciência, na periferia de si próprios e de um mundo de cujo mistério nem sequer querem ouvir falar. São multidões de solitários. Fogem de qualquer luta, afrouxam-se em submissões, aceitam não ser donos deles mesmos. Nem sequer sabem que estão sós porque a solidão desliza sobre eles sem deixar vestígios como a água na pena dos cisnes. Todos nós somos convidados para entrar num castelo, diariamente, vá lá saber-se por quem. Pode o castelo estar cheio de esplendores e de multidão ruidosa que não deixará de acabar em sepulcro, mais depressa do que seria de esperar, se não desconfiarmos dessa exaltação de fraquezas e se, quando ficarmos sem fôlego, não soubermos que esse é o momento de nos reencontrarmos, reconquistando a dignidade e a personalidade. O castelo é um inferno onde cada instante é um milagre. Agarrar esses instantes, que formam o tempo, escapar da ladainha dos que mergulharam no ruído, viver como um desafio, ter a honra de não se submeter a quem não merece submissão e de depender do amor de quem merece essa dependência, é o que deveria ser - se pensássemos. Mas só quando se está cansado de nunca estar só é possível vencer a violência da solidão e pensar no que vale a pena. As coisas são o que são."

"(...) A maioria mostra-se incapaz de compreender que, não sendo o tempo a passar mas ela própria, não lhe resta alternativa: ou regressa a Cristo ou ele não será mais do que um objecto que a não pode salvar (...) Ele, se nós soubermos receber Cristo, permite escapar aos tranquilizantes que nos adormecem e aos estimulantes que nos dão corda, substitui e dá grandeza à banalidade do quotidiano, essa máquina onde tudo já foi dito e redito. Dizia Alain, tão insuspeito, que o natal não é uma noite nem um fim - é uma aurora e um começo. Mas só é assim se nos recordarmos a todo o instante que Jesus nasceu e viveu na maior pobreza material e na maior riqueza do coração."

"(...) A fé é, antes de tudo o mais, Jesus Cristo nascido na palha de uma pobre gruta. Não pode, por isso, deixar de ser a inspiradora de um radicalismo evangélico que obriga o homem a ir ao fundo das coisas e a não se resignar perante as injustiças, por mais que a mansidão lhe tenha sido ensinada".

"(...) O Advento passou ao lado da maioria de nós, mergulhado no consumismo e no oportunismo. O Natal não passará despercebido. Passará apenas".

"(...) O Natal é o sorriso de Deus num mundo que teima em prosseguir com teofanias desnecessárias e egoísmos aterradores. Sem esse sorriso a vida seria apocalíptica. O tempo seria apenas uma espera sem sentido, a miséria seria aceitada e aceitável e a opressão tolerável e tolerada. Mas há um sorriso e há forças para lutar por um reino de homens e mulheres livres."


por VICTOR CUNHA REGO

OS DIAS DE AMANHÃ - 1


A prosa que vai seguir-se é da autoria do Victor Cunha Rego. Já contei que, por alturas de fim de curso, o João Amaral (por indicação do hoje cónego João Seabra - riam-se lá um bocadinho, grandes servidores laico-republicanos da democracia) me colocou a escrever no "cultura&espectáculos" do Semanário. O jornal estava então sediado na Avenida Duque de Loulé. A redacção era no 1º andar. Durante o tempo em que andei por lá - normalmente para "fechar" páginas - surgia-me, do corredor ou no corredor, e de vez em quando, essa figura misteriosa do director. Sabia que o director, por volta do meio dia, ia até à Igreja do Sagrado Coração de Jesus, à Rua Camilo Castelo Branco, e que não largava o Cioran. Outro mistério. Vindo das aventuras de onde veio, esse raríssimo português - como lhe chamou Vasco Pulido Valente - era dotado de uma fina ironia e de uma amargura intelectual que muitos nunca souberam compreender. Cunha Rego era, ele sim, um jornalista de causas. Foi-o no Brasil, no exílio, e foi aqui. Nunca, aliás, foi outra coisa a vida inteira. A sua escrita é uma lição permanente para todos os pseudo-jornalistas que enchem as televisões e as páginas dos jornais com a sua soberba ignorância e o seu atrevimento anão. As escolas de comunicação social produzem anualmente resmas de idiotas e de parvinhas dispostos a tudo para "aparecerem". Não têm, nem terão jamais uma "biografia". Cunha Rego combateu Salazar com o mesmo fervor com que defendeu Soares, com que o ajudou a derrubar quando foi preciso, como "apoiou" a "direita" e como "voltou" a Soares contra Cavaco perto do fim. Victor já acreditava em Deus quando o conheci. Provavelmente sempre acreditou. Nunca, da sua pena, brotou uma prosa deselegante ou "bárbara". Pelo contrário. A sua lucidez permanente e angustiada deixou-nos pequenas maravilhas em apenas dois ou três parágrafos. A Quasi, em breve, vai editar algumas delas que se juntam ao livro Os dias de amanhã, da Contexto. Já não peço aos seus actuais camaradas de profissão que por aí pululam em textos entre o histérico e cómico que escrevam como ele. Seria uma impossibilidade intelectual. Pelo menos, leiam-no e aprendam qualquer coisinha.

DAR NA FACE

Existe, porém, um aspecto em que eu não acompanho Cristo e sei que Ele me perdoa. Não dou a outra face. Mais depressa esbofeteio, seguindo outro ensinamento de Jesus: "não é a paz que vos trago mas sim a espada". Até agora, eu tinha o Franco-Atirador (Luís M. Jorge) por uma pessoa e não por uma coisa, um vendilhão modernaço do Templo. Acontece que deparou-se-me esta prosa "à doutor Mengele" progressista. Até eu, que não possuo nem tenciono possuir o dom da paternidade e, muito menos, o da maternidade, acho extraordinário como se podem escrever baboseiras deste calibre, devidamente aplaudidas por outras e outros "mengelezinhos" de trazer por casa. Que a solenidade do dia me absolva. Não quero que "vá passear", Luís. É mesmo vá-se foder.

A UMAS HORAS

Na Praça de São Pedro, Bento XVI recordou que estávamos a umas escassas horas do Natal. No último domingo de Advento, o Papa lembrou que o verdadeiro protagonista desta noite e desta madrugada é Jesus e que é preciso abrir espaço para Ele. As derradeiras horas do Advento são normalmente passadas nas filas das pastelarias, nos corredores dos centros comerciais e nos lares onde as "famílias" vão recolher os seus velhinhos para os enganarem umas horas com a sua "solidariedade". Às crianças está reservado o pior do dia e da noite. Alucinadas pelas promessas das "prendas" - que desejaram e que já viram -, perdem o significado ou, no mínimo, o encanto do Mistério desta noite. O meu Natal de menino era uma manhã seguinte com umas coisinhas depositadas miraculosamente no fogão, o substituto urbano da chaminé. Era um perú, oferecido por um médico amigo, meio aparvalhado numa varanda e, depois, na cozinha até ser degolado e depenado a preceito. Era uma sala de jantar onde o animal era degustado pela "família", nesse dia esticada às avós, aos tios e aos primos. Se não era nesta casa onde agora escrevo, era noutra. Entretanto os protagonistas desses natais foram crescendo, foram-se separando e foram morrendo. À medida que isso acontece, percebemos melhor a necessidade da presença do Filho do Homem, da "parusia". Todavia Ele esteve sempre aí, desde a primeira hora, e nós não tínhamos dado por Ele. É o Único que verdadeiramente nunca nos abandona, primeira e derradeira esperança do homem no seu mundo perdido para sempre.

23.12.06

POST...

... politicamente incorrecto do Pedro Correia. O menino a que ele alude nasce amanhã em todos os continentes - porventura em muitas manjedouras, caixas de cartão ou num espaço improvisado e precário -, um mistério renovado todos os anos desde há mais de dois mil para cá. O escândalo da manjedoura, impensável neste mundo de IKEA's, CASA's e IBIS, não é compatível com a frivolidade consumista que despreza o Advento da mesma forma que, na Páscoa, esquece o significado do Ressuscitado depois do outro escândalo fundamental, o da cruz. Ninguém está sozinho no Natal desde que abra com sinceridade o seu coração a Cristo. Esta é a única e a verdadeira comemoração. O resto é folclore e hipocrisia.

LIVROS

Deve ser o melhor livro deste final de ano. De Joan Didion, O ano do pensamento mágico, numa tradução da Gótica. Dei por ele no segundo livro de memórias de Gore Vidal, Point to Point Navigation. Aliás, não estaria na hora de uma editora portuguesa se aventurar na tradução de alguns ensaios de Vidal, aquilo que ele fez de melhor uma vida inteira? Ofereço-me já para traduzir.

SOBRE A CULTURA E O ESTADO...

... de João Miranda, este post e mais este. "É triste que "subsídio" se tenha tornado sinónimo de "arte".

DOS DESALMADOS

Tem razão o José Medeiros Ferreira: não existem estados de alma entre órgãos políticos eleitos para diferentes propósitos. Os delíquios trocados ontem no Palácio de Belém, particularmente os mimos paternalistas e medrosos de um 1º ministro sem alma, só dão razão a Agustina. A alma é um vício.

SUBSOLO

Enquanto "eminências" deste calibre - podia ser Jorge Coelho, tanto faz - mandarem no regime e no seu subsolo, não vamos a lado nenhum.

QUE DEUS LHES PERDOE


A Associação República e Laicidade (ARL), uma espécie de pide dos costumes democráticos, andou para aí a vociferar contra crucifixos e aplaudiu umas parvoíces decididas em Espanha contra a simbologia natalícia em escolas. É curioso ver como a Espanha está em vias de passar de catolicíssima ao oposto, certamente por causa da má consciência e dos eternos mal resolvidos que são a praga dos nossos dias. Ainda não perceberam que há coisas no mundo e nas pessoas que não se alteram por decreto ou por vassouradas do primeiro aprendiz de jacobino primitivo que subsiste nas trevas. A ARL, como boa polícia, está sempre atenta a qualquer movimento suspeito de colocar em causa os "valores" que defende, as mini-causas que persegue e os "direitos" daqueles que, dia e noite, não fazem outra coisa senão pensar na melhor maneira de acabar com a nefanda tradição ocidental, fundada no império romano e, depois, na Igreja Católica. Para a ARL o que importa é não ofender esta gente e os seus "direitos" nem que para isso se faça tábua-rasa da história. Aliás, a eloquência com que a ARL abre a sua página - com uma citação desse exemplo de tolerância e de moderação que foi Afonso Costa - é esclarecedora do propósito. Não aprenderam nem esqueceram nada. Que Deus lhes perdoe.

22.12.06

SÓ PARA POBRES ADEPTOS

Aqui, "os pobres adeptos do não", na expressão de Fernanda Câncio - a "prefeita para a congregação da fé no aborto" - encontram um impresso que podem assinar pelas razões que lá se explicam. Como "pobre adepto do não", assino.

LER OS OUTROS

Do Tomás Vasques, "Memórias", para quem é lisboeta e ama a cidade nas suas luzes e sombras. Ou Cascais, "o fim do mundo", por Rodrigo Cabrita. Também os "carneirinhos domesticados e alegres, contentes por serem "modernos" de Francisco José Viegas. Ou José Lello - um Ana Gomes da pseudo-direita do PS, apenas mais provinciano do que ela, apesar de ter deixado de pintar o cabelo- pelo Paulo Gorjão. O "Zoloft", um bom amigo do homem, lembrado pelo Filipe Nunes Vicente. Finalmente, e sem comentários, a politicamente correctíssima, fresca, gira e hiper-moderna Fernanda Câncio, a querer "contribuir para a canonização acelerada dos pobres adeptos do NÃO." Sempre democrática, esta Fernanda. O que ela não diria se eu lhe chamasse - a ela e a muitos amigos meus igualmente democráticos - pobre de espírito.

CONVERSAS ADVENTÍCIAS

Por princípio não discuto Ratzinger com quem não o tenha lido previamente. Sem ser artigos de revista, naturalmente, por muito in que a revista seja. Sobretudo se for. Boa continuação do Advento, João.

DO SURREAL AO REAL


Disseram-me ao almoço que, uma vez aberto o testamento de Mário Cesariny de Vasconcelos, verificou-se que o dinheiro é para ir todinho - e não é tão pouco como isso - para a Casa Pia da dra. Catalina. Não é surrealismo. É puro realismo post-mortem.

"ESPANHA, ESPANHA, ESPANHA"

Mais trapalhão do que o habitual - refiro-me à "forma" que é só o que interessa - Sócrates demonstrou ontem no Parlamento que é abatível. Politicamente, claro. Faz-me lembrar eminências que foram minhas colegas em direito e que hoje ornamentam faculdades da mesma especialidade e lustrosos escritórios de advogados, e que, nas "orais", contavam pelos dedos as respostas em alíneas, vomitadas tal qual vinham na "sebenta", falhando às vezes uma ou duas. E a criatura voltava aos dedos e ao registo decorado até acertar. Assim vai Sócrates até ao dia em que nem os dedos nem a memória poderão mais esconder a sua essência. Há coisas, porém, em que ele acerta. Aquela prognose do "Espanha, Espanha, Espanha" para o negócio malandrinho e para a "competitividade" da nossa funesta economia, já está a dar literalmente frutos. A Opel seguiu o conselho do senhor engenheiro, deixando mil e tal trabalhadores sem ver o padeiro e foi instalar-se em Saragoça. Está na hora do senhor engenheiro rever as suas "prioridades", se é que tem alguma.

LER OS OUTROS

"No princípio da semana, por exemplo, um rapazinho fanático, porta-voz da Deco, exigia que o Estado obrigasse por lei qualquer restaurante (ou qualquer hotel) a admitir crianças. Segundo a lunática lógica da criatura, o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, obrigava a essa medida de justiça. Não lhe ocorreu que o princípio da igualdade não se aplica, sem qualificação, a crianças. Como não lhe ocorreu que se propunha limitar a liberdade do próximo. A ideia de que há restaurantes que oferecem cerimónia e sossego e pessoas que gostam de cerimónia e sossego só lhe inspira desprezo. Se o consumidor que a Deco defende quer jantar entre correrias, choradeira e berros, o Estado não deve permitir outra maneira de viver. O resto não interessa. Pouco a pouco, os "direitos do homem", pervertidos por pequenos grupos de pressão, que o Estado muitas vezes sustenta (para não ir mais longe, somos nós quem paga a Deco), vão servindo para criar uma sociedade minuciosamente vigiada. Não existe a menor diferença entre a actual ortodoxia "bem-pensante" e o jacobinismo ou o comunismo clássico. É a velha ambição de criar um homem racional e perfeito pela força política. Não por acaso os "marxistas" de ontem prosperam neste novo mundo. A tolerância sempre foi ou já se transformou em intolerância e há lugar para milhões de polícias."

Vasco Pulido Valente, in Público

21.12.06

DESTEMPEROS

Nem mais. O que vale ao CDS/PP é que o país não lhe presta a menor atenção. Nem à dra. Ana Gomes e à sua "aviação" problemática.

O MONITOR E O CATEDRÁTICO

"Pedro Santana Lopes não serve para governar nada", disse à RTP esse grande governante nacional que foi e poderá ainda vir a ser - seja lá quem mande, basta-lhe que mande - o prof. dr. Freitas do Amaral. A "forma" como explicou a sua chegada ao governo Sócrates podia ser posta em banda desenhada, devidamente explicada às criancinhas. A única "revelação" interessante respeita a Pedro Silva Pereira e ao poder que este possui num partido ao qual só aderiu há quatro ou cinco anos. Prestem mais atenção a este monitor e menos ao catedrático.

O PRINCÍPIO DO FIM

Desde que o nome de Maria José Morgado foi anunciado como "prefeita para a congregação do combate à corrrupção desportiva", não têm parado as "notícias" sobre os seus movimentos, aparentemente com a respectiva aquiescência. De casa ao metro, do metro à PGR, dos processos que "desenterra", enfim, tudo em que ela mexe e como se mexe, vem à tona. Isto não é um mau princípio. É um péssimo princípio. É o princípio do fim.

MORTAL IMORTALIDADE



"Of all the gin joints, in all the towns, in all the world, she had to walk into mine."

"Rick" (Humphrey Bogart) em Casablanca

LER OS OUTROS


O PIOR

Tal como enunciei o acontecimento e a criatura do ano, também devo esclarecer o que tenho por pior. E aproveito a pantomina em curso no Parlamento, mais conhecida por "debate mensal" (um evento circense destinado a promover a figura do primeiro-ministro, seja ele quem for), para o fazer. Sócrates escolheu - por aqui vê-se logo a natureza da coisa, o "1º" é que "escolhe" - o ensino superior, uma trapalhada tesa gerida pelo inefável engº Gago, uma eterna promessa científica da nação. As universidades são apenas um exemplo daquilo que quero exprimir. O pior acontecimento do ano foi o governo e o seu cortejo fúnebre de acólitos, de assessores e de cristãos-novos, sendo esta última categoria infinitamente mais perigosa do que as outras duas. Um governo que surpreende em cada português e em cada coisa que mexe um inimigo, não pode ser um bom governo. Em 2007, e apesar do controlo e do auto-controlo que se pratica presentemente nos media, a verdade virá amargamente à tona como o azeite na água. Como é que eles dizem...coragem, não é? Os cemitérios estão cheios de corajosos. É por isso que gosto de os visitar.

FELICIDADE E FRACASSO


Só não concordo com a parte de me levar a sério e, muito menos, de levar quem quer que seja ou o que quer que seja a sério, João. De resto, tem razão. Falhei como ser humano. Sou amargo, incomoda-me a felicidade alheia sobretudo quando praticada em família, tenho inveja dos casalinhos cúmplices por mais primitivos que sejam, rejeito a dádiva desinteressada ou interesseira a uma causa, a um líder, a um partido, irritam-me as "namoradinhas de Portugal" que as televisões me impingem, dispenso o "Gato Fedorento/PT", não gosto de ser governado por ninguém, não percebo o jazz, recuso o Estado a que isto chegou, enfim, João, sou um triste que não consegue produzir um daqueles sorrisos instantâneos como os da sra. dra. Maria de Belém ou embrulhar o Advento num postalinho de natal ou num pacote colorido apelidado de "prenda". O momento verdadeiramente jubilatório do ano, imagine, foi, como não podia deixar de ser, passado fora daqui, em Roma. Uns belos dias de outono, solares, enredado entre ruínas e igrejas, igrejas e ruínas, por entre o esplendor de um tempo que passou. E, finalmente, o Santo Padre na célebre janelinha a recitar o Angelus. Com Ratzinger - outro infeliz, outro triste - tenho estado a apreender o fundamental, isto é, a não dar tanta importância ao visível, ao tangível (à "felicidade") e a prestar mais atenção àquilo que verdadeiramente me ajuda a viver. Não dei propriamente em beato - isso seria "felicidade" a mais - mas, a cada dia que passa, percebo a necessidade de Cristo na minha vida. Essa é - veja lá a tristeza da coisa - a minha certeza. Nunca nada do "homem" é outra, bem sedimentada no ano que felizmente está a acabar. Se eu fosse ler o "The Economist" para saciar por instantes a minha amargura, ficava rigorosamente no mesmo ponto de partida onde vegeto há muitos anos. Assim, fico-me pela palavra do Papa, a de que a esperança de Deus é maior que o meu fracasso.

20.12.06

CAVACO



O facto e a personagem do ano nacional são, para mim, a eleição presidencial de 22 de Janeiro e Cavaco Silva. Com persistência, paciência e método, Cavaco esperou dez anos por aquele dia. Ganhou absolutamente contra cinco candidatos, um dos quais ex-PR prestigiado, os quais perderam absolutamente e em apenas uma volta eleitoral. Toda a campanha e a pré-campanha foram desenvolvidas contra ele e por causa dele. Cavaco esteve sempre acima desse tricot miserável e foi o único que fez uma campanha real. Estes primeiros meses de mandato têm sido demasiado "sistémicos", muito "sociais, pouco "culturais" e quase nada "políticos". Em suma, Jorge Sampaio em soft e não redondo. O decurso do tempo, no entanto, se encarregará de lhe demonstrar para que servem os seus poderes. Tem sido para com o outro pólo do poder - José Sócrates - um leal cooperante e, não duvido, em muitas áreas um "ajudante" e um explicador. Naturalmente não lhe perdoará se falhar, como acabará por acontecer. A sua "agenda" não deve passar por dar a mão aos "ex-seus" nem por lhes dificultar a vida. É, aliás, de muito mau gosto o PP passar a vida a lembrar os seus votinhos quando, como toda a gente sabe, os dá a qualquer um e em qualquer altura, qual muleta negra, como se viu na aprovação da lei das finanças locais. Sócrates evidenciou, no gesto da carta para o TC, ao que vem e para o que está. Está, como dizia Salazar, como se nunca fosse deixar de estar. É precisamente aí que se engana, apesar de conseguir enganar muita "direita" embevecida. Na altura devida bastará a Cavaco que exerça o mando que lhe foi conferido democraticamente para o presente torpor abanar. A história e o tempo reconhecerão o seu mérito e a sua indesmentível integridade ao serviço da nação, mesmo que eu não vá concordar sempre com ele. O ano é, pois, dele.

19.12.06

ARDANT


Enquanto Mário Vieira de Carvalho - o secretário de Estado da Cultura - e os seus serventuários prosseguem nos bastidores a metódica tarefa de destruição de uma ideia cosmopolita para o nosso único teatro de ópera sem que, em compensação, tenham uma sequer, o Teatro Nacional de São Carlos conta, durante três noites, com a presença de Fanny Ardant, a voz recitante na ópera-oratória Oedipus Rex, de Stravinsky (versão de concerto) e na Genesis Suite (estreia), uma obra compósita, datada de 1945, sobre os primeiros onze capítulos do Livro do Génesis.

A NATUREZA DELE

A lei é da Assembleia da República, mas foi o chefe incontestado do governo e do PS quem escreveu a cartinha ao Tribunal Constitucional, devidamente ornamentada por eminentes parecedistas. Alguma dúvida sobre a natureza do pretty boy?

"NUNCA, JAMAIS, EM TEMPO ALGUM"

Tardava eu estar de acordo com António Costa. "Nunca, jamais, em tempo algum", respondeu ele à hipótese de as forças policiais disporem de direito à greve. Todavia, a formulação ressuma uma rispidez autoritária talvez imprópria de um homem de profunda cultura democrática como A. Costa, formado nas melhores escolas republicanas, laicas e socialistas. Se o ministro não a tivesse e fosse de um outro partido à sua "direita", que diriam os prosélitos habituais de tamanha eloquência absolutamente maioritária?

A PARECERÍSTICA

O senhor primeiro-ministro, em nome do governo, mandou para o Tribunal Constitucional cinco pareceres de cinco ilustres juristas a defenderam os dois artiguinhos da lei das finanças locais que Cavaco Silva pediu ao TC para apreciar. Entre eles está Saldanha Sanches que, de salvador putativo dos portugueses contra o regime, passou a ser um dos seus melhores samaritanos, justamente pela via "parecerística", pública e privada. Não foi por acaso que, nos Prós & Contras dedicado ao assunto, ele emparelhava com o dr. António Costa. Queixava-se toda a gente dos milhões que os governos PSD/CDS entregavam aos grandes escritórios de advogados e aos professores catedráticos de direito. Está na hora de começar a fazer contas a estes. Ou o parecer dos outros (normalmente os mesmos) valem menos que os pareceres destes? Acho que qualquer um de nós gostaria de saber quanto nos custa esta "parecerística" avulsa destinada a confirmar ou a infirmar o que o "legislador" lhe interessa confirmar ou infirmar. Não existem nos organismos públicos juristas com qualidade, idoneidade e isenção suficentes para o efeito ou o efeito resulta apenas da "importância de se chamar" fulano-de-tal?

O DR. PINHO E O ENGENHEIRO

O dr. Manuel Pinho, que normalmente "não dá uma para a caixa", decidiu exonerar "às pressas" o engenheiro da entidade das energias que, por sua vez, já tinha pedido a demissão. Este gesto - dos poucos a que Pinho se atreveu - visou exclusivamente evitar que o dito engenheiro comparecesse no Parlamento para prestar esclarecimentos ainda como presidente da entidade. Alguém mandou Pinho fazer isto, já que não parece que o homem tenha fibra política para fazer o que quer que seja. O engenheiro até pode ter ou deixar de ter razão. Não é isso que interessa. O que me interessa relevar é que, afinal, as entidades reguladoras podem ser "reguladas" por cima, por quem manda. Agora esta, outro dia a da comunicação social, a seguir outra qualquer. Se as entidades reguladoras são meras farsas ao dispor do primeiro mandarim, por que não se acaba com elas?

18.12.06

FADO

Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré.

O SEGREDO DO AUTÊNTICO NATAL


"Per trasformare il mondo, Dio ha scelto un’umile fanciulla di un villaggio della Galilea, Maria di Nazaret, e l’ha interpellata con questo saluto: "Rallégrati, piena di grazia, il Signore è con te". In quelle parole sta il segreto dell’autentico Natale. Dio le ripete alla Chiesa, a ciascuno di noi: Rallegratevi, il Signore è vicino! Con l’aiuto di Maria, offriamo noi stessi, con umiltà e coraggio, perché il mondo accolga Cristo, che è la sorgente della vera gioia."

Bento XVI, Angelus de 17 de Dezembro, no III Domingo de Advento

OBRIGADINHO

Tivesse a algaraviada - a que ocorreu dentro da tropa por causa da nomeação dos novos chefes militares do Exército e da Força Aérea - tido lugar nos "tempos" do dr. Santana e amanhã teríamos os jornais, as televisões e os blogues a "bater no ceguinho". Agora deixou de haver "ceguinho" para sovar e estamos todos muito contentes, obrigadinho.

O ESPÍRITO NATALÍCIO...

... tomou conta do José Pacheco Pereira. Só posso falar por mim e aqui. Mme. Ségolène, até prova e sorriso em contrário, ainda não me deu um átomo de um motivo político para, se eu fosse francês, votar nela. O factor género não me apoquenta um milímetro. Até lamento que, por cá, as coisas estejam sempre ao nível de uma Roseta, de uma Ana Gomes, de uma Odete Santos, de uma Lopes da Costa ou de uma Drago, e não de uma Leonor Beleza, de uma Paula Teixeira da Cruz ou de uma Maria Carrilho, por exemplo. Carolina Salgado é um epifenómeno que desaparecerá tão depressa como apareceu, embora leve mais tempo por causa das companhias do passado e do negócio que parece estar a correr bem. A ela e à Dom Quixote. Não façamos da moça uma Bovary. Apesar da frivolidade em comum, ainda lhe falta qualquer coisa para chegar aos pergaminhos da funesta mulher do boticário.

A DÚVIDA


O João Morgado Fernandes, se procurar esclarecer-se numa qualquer secção do PS onde ainda existam militantes com, pelo menos, vinte e tal anos de militância e não apenas dois ou cinco, eles talvez o possam elucidar. Se a dúvida persistir, telefone ao dr. Silva Pereira que ele explica-lhe, como se você tivesse cinco anos (é assim que ele se "explica"), o que é a "democracia" em vinte minutos. Em alternativa, pode sempre pedir ao gabinete do secretário-geral que lhe exiba a coisa em powerpoint, com música de fundo. Talvez Wagner, talvez Parsifal.

ACTOS DE CONTRIÇÃO

Primeiro. O sr. engº Vasconcelos, que presidia à entidade reguladora das energias, afinal, jura ele, não vai receber o que os "estatutos" da dita conferem aos ex, já que entrou antes da presente estatuição. Segundo. Desisto de colocar o Portugal dos Pequeninos em livro face à iminência da verdadeira opus magnum de Carolina Salgado, já prometido pela nova escritora portuguesa. Terceiro. Agora vou-me confessar.

17.12.06

O VERDADEIRO GATO FEDORENTO...

... descoberto pelo ilustre prof. Arroja.

RIVOLI

A CM do Porto entregou ao sr. La Féria a gestão do Teatro Rivoli. A sra. D. Ana Silva, da "Plateia" (?) protestou, falou de uma "rede" qualquer com dez anos, de subsídios e de bilhetes a 20 euros. A referida D. Ana achará que, entre ela e o sr. La Féria, o público hesita?

AS PRIORIDADES DO SNS


A RTP tem estado a transmitir um programa que se destina a recolher fundos para o extraordinário serviço de pediatria do IPO. Ou seja, está a fazer, ainda que simbolicamente e para variar, serviço público para um serviço público notável, o Instituto Português de Oncologia. Isto é bestialmente reaccionário e populista, mas não resisto a deixar a pergunta: para o SNS - para Correia de Campos, para o governo que gere os impostos - é prioritário o IPO ou "adaptar" hospitais públicos para a "liberalização" do aborto?

LER OS OUTROS

Para além do habitual bom gosto literário - e não só - eis porque o Almocreve subsiste como um dos grandes bloggers nacionais. É mais um espírito livre.

PANEM ET CIRCENSES


Depois de um fim de semana "Carolina", seguem-se um fim de semana "Veiga" - um senhor que viu os seus móveis regressarem a casa, com direito a cobertura de todas as televisões - e mais uma semana "Carolina" que começa já amanhã num tribunal qualquer. Entretanto, Carolina já opina sobre Maria José Morgado, o Benfica meteu três golos e o sr. Bento, do Sporting, deu mais uma inesquecível conferência de imprensa onde se percebe que já aderiu à TLEBS. Como diziam os antigos, panem et circenses.

O "ESFORÇO NACIONAL"

Este cavalheiro que se demitiu esta semana - queria à viva força aumentar o preço da electricidade em 2007 por causa do bendito "mercado" - vai, durante dois anos, continuar a consumir mensalmente cerca de doze mil euros aos pagadores de impostos. A culpa não é dele. É dos "estatutos da "entidade reguladora dos serviços energéticos". Então aqui não há um nadinha de "esforço nacional", essa referência mítica da propaganda socialista que anda para aí a paralisar tudo e a tramar sobretudo os que não têm sequer quatro dígitos de ordenado?

PENSAR O IMPENSÁVEL?


1."Este governo está à beira de pensar o impensável: dá sinais de acreditar em que a liberdade dos cidadãos é incompatível com o poder. O seu."

António Barreto, in Público (sem link, mas é para ler todo)

2. "(...) O PS (...) goza dum peculiar estado de impunidade que leva a que se aceite este estilo pesporrento como um facto não só normal como inevitável. Tão inevitável quanto os croquetes num cocktail. Conseguir criar esta sensação de inevitabilidade é talvez o melhor seguro de vida dum político. Os portugueses não pensavam necessariamente bem de Salazar, mas acreditavam que ele sabia e escolhia o que era melhor para Portugal. De alguma forma Sócrates tenta repetir este esquema: não quer que o amem, mas sim que o considerem indispensável."

Helena Matos, in Público de sábado, 16 de Dezembro

16.12.06

NÃO É FÁCIL DIZER BEM - 11


Juro que não tenho nada de pessoal, tangível ou transmissível contra Frederico Lourenço, o tradutor-maravilha dos clássicos e autor de uma "trilogia" sobre gente mal fornicada que faz parte da mesinha de cabeceira de qualquer gay envergonhado que se preze. Acontece que, de quinze em quinze dias ou de mês a mês, nunca percebi bem, Lourenço abrilhanta uma página no suplemento "6ª" do DN, intitulada "arcadia", que é imperdível. Esta semana começa assim: "à subtileza da fragrância exalada pelas rosas debaixo da janela teria faltado outro universo de pujança para justificar comparações legítimas com os goivos de Charles Ryder". E acaba assim: "e debaixo da minha janela, as rosas, a que já aludi; as tais que o pendor literário do meu olhar metamorfoseia em goivos". Perante tamanha evanescência, valerá a pena ler o que está no meio? Ou, no limite, ler Frederico Lourenço?