30.9.04

UMA CENOURA ...

....é a "tolerância de ponto", vulgo "ponte", dada aos mal-amados funcionários públicos na próxima segunda-feira. Deve ser a primeira "cenoura" de muitas. Para além do mais dá jeito. Os professores da "lista" também são funcionários públicos.

CARMO SEABRA É DA FENPROF?

Teria valido a pena alguém do governo, ou dos partidos que o apoiam, ter perdido cinco minutos a explicar a Carmo Seabra o que é que significa desempenhar uma função política em democracia. A pesporrência e a sobranceria com que aparece em público só reforçam a imagem cada vez mais nítida de um clamoroso erro de casting. Carmo Seabra não só não sabe livrar-se dos sarilhos, como revela uma inexcedível capacidade para os atrair. Os últimos desenvolvimentos nas listas de colocação dos professores provam-no à saciedade. Como se não bastassem os antecedentes, a ministra garantiu que agora estava tudo no sítio certo. Em menos de 24 horas, percebeu-se que pouca coisa estava no sítio certo, a começar por ela. A sua insegurança e a sua fragilidade limitam-se a dar corda aos sindicatos que perversamente esmiuçam qualquer anomalia, transformando-a num verdadeiro caos. O que é grave é a circunstância de as anomalias serem a regra e o método. A ministra, aliás, comporta-se como uma extraordinária organizadora do caos. Com o ar de quem anda às compras na feira de Carcavelos, Carmo Seabra diz que tira "consequências políticas" disto, designadamente uma, e passo a citar: "dá muito trabalho ser ministra da Educação". Quanto ao resto, "não me apetece responder" (sic). Será que Carmo Seabra, afinal, é um "submarino" da FENPROF?.

LER





Não propriamente para fugir à modorra, já que se trata de um grande escritor - desculpem-me os puristas da paróquia -, recomendo a leitura do último John Le Carré, Absolute Friends, e a releitura de The Honourable Schoolboy, porventura a sua opus maior. No meio de tanta indigência doméstica, a prosa de Le Carré é um bálsamo recorrente, mesmo ou sobretudo a "mais antiga".

29.9.04

FAHRENHEIT 150

O Dr. Portas teve outro dia novo grande momento de glória. Para além dos pescadores, dos pensionistas, dos reformados e dos vendedores de mercados, o PP também apostou fortemente nos ex-combatentes. Ao ponto de conseguir uma secretaria de Estado com esta designação, embora ocupada por pequenos lugares-tenentes do PSD. Porém, quando toca a dar, nem que seja um balão, é Portas quem sempre e só aparece. Aliás, os ministros PP especializaram-se na "técnica do balão popular". Consiste em encher de ar de anúncios, promessas e "medidas" a imaginação sempre carente do cidadão distraído e do jornalista "massagista". Uma imagem nas televisões e duas ou três colunas laudatórias num jornal fazem o resto. Como qualquer "balão", chega uma hora em que ele naturalmente se esvazia. Para os nossos animados ministros "populares", isso não tem qualquer importância. O gesto foi e é há-de ser sempre tudo. Justamente os ex-combatentes tiveram agora, ou vão ter, o seu "direito ao balão". Por 150 euros anuais, cerca de dois contos e quinhentos por mês, Portas acha que já pagou bem a dignidade destes homens bem como a sua "promessa". O populismo não mata, mas engorda-se. E Portas, afinal, também tem direito ao seu "Fahrenheit 150".

28.9.04

O ASSALTO II

O governo vai aparentemente baixar em cerca de 30% as remunerações do pessoal hospitalar afecto aos "Hospitais SA". Com uma cajadada, mata dois coelhos. Passam a ser celebrados contratos individuais de trabalho em vez do tradicional vínculo à função pública. Entre outras coisas, isto facilita tanto os despedimentos como as contratações. O que é uma vantagem para os "privados" a quem, na realidade, se destina a "experiência" do Dr. Pereira. Já podem negociar no famoso "mercado" o preço de um médico entretanto sonegado ao serviço público de saúde. Por sinal aquele que é pago directamente pelos contribuintes. Com este generoso governo, quem é que não vai querer ser "privado" quando for grande?

A VIDA MATERIAL

Por razões profissionais, estive numa repartição de finanças de Lisboa. A actual sofisticação terminológica de "serviço de finanças" não mudou em nada a substância do exercício. É vulgar "dizer mal" das "finanças" já que a menção lembra invariavelmente "imposto". Acontece que também é importante, de vez em quando, ver o "outro lado". Este "serviço de finanças" que visitei é o mais "pesado" de Lisboa. Situa-se em Alvalade, numa rua ironicamente chamada "do Centro Cultural". Dizem-me que se trata de um arrendamento de um edifício que pertenceu ao Montepio Geral e que custa cerca de vinte e cinco mil euros mensais aos pagadores de impostos. Visto de fora, até não parece mau. Uma vez lá dentro, percebe-se que aquilo podia ser tudo menos um local de trabalho e um serviço de atendimento ao público. Com três andares, a estrutura tem os tectos rebaixados e falsos - talvez por se pensar que o "contribuinte médio" e o "funcionário público" são mesmo médios de altura - e constitui uma perversa fornalha. Os funcionários explicaram-me que, de inverno, usam roupas de verão porque a temperatura ambiente é naturalmente quente. O ar condicionado é uma metáfora inútil enfiada nas paredes e no chão, dado que não funciona. Os aparelhos colocados junto das janelas mal dão para arrefecer a água que tem que ser consumida aos litros pelos funcionários. O ar é praticamente irrespirável. Pedi para ver o "livro das reclamações". A falta de condições é tão evidente que o "cliente"/contribuinte prefere denunciar as "condições de trabalho" primitivas dos funcionários que os atendem da maneira que podem. Só um "sentido de serviço" arrancado não sei bem a que profundezas das almas daquelas criaturas permite aguentar tamanho opróbrio. Sinceramente, é possível continuar com as bravatas demagógicas da "produtividade", da "melhoria de desempenho" e dos "indicadores" quando não se consegue instalar decentemente umas dezenas de pessoas nos respectivos postos de trabalho? Para quê continuar a acenar aos distraídos e aos ingénuos com a "reforma do Estado" se, numa coisa simples como ter um lugar equilibrado para trabalhar e atender gente, quase se sufoca todo o santo ano, ao ponto dos de fora lamentarem os de dentro? Isto é que é "modernizar a administração pública ao serviço dos cidadãos"? Ou os "cidadãos" que servem na administração pública são menos "cidadãos"? Este episódio da vida material é apenas mais um retrato da mesma miséria e da velha falácia. A única diferença é que agora lhe chamam "tempo novo".

27.9.04

A CARAVANA

Ao horror do crime sucede o horror da novela mediática. A eleição do secretário-geral do PS passa nos intervalos das poças de sangue. O vampirismo da massa ignara junta-se ao arrivismo das reportagens repetidas à náusea. Esta exploração da nossa profunda miséria instintual e cultural, aliada à económica, equivale à indigência dos ambientes em que o crime tem lugar. É, aliás, uma subtil manobra de propaganda e uma forma assaz retorcida de "fazer política". O primarismo gosta de se ver e de ser visto na televisão. Enquanto os cães ladram, a caravana passa.

26.9.04

PORTAS BAIXAS

Num post intitulado "Jornalismo de recados", no Abrupto, José Pacheco Pereira volta ao problema da "mensagem" vs. "massagem" que tantas vezes se confunde nas pobres cabeças de alguns pobres jornalistas vulneráveis a "recados" e a "centrais". Fá-lo a propósito das recentes intervenções, nos jornais, do anterior ministro da Educação, David Justino. É bonito defender-se os amigos e JPP é amigo de Justino. Acontece que Justino se defendeu da pior das maneiras de uma trapalhada iniciada sob sua inteira responsabilidade política. Mesmo que fosse por maldade ou encomenda, o título escolhido para a entrevista ao Expresso é elucidativo do propósito: "não gostaria de estar na pele da ministra". Será que é moda política chutar ao lado, para cima e para baixo, fazendo de conta que só se está no governo para ver passar os comboios? À semelhança dos "contadores de histórias" visados no texto de JPP, também David Justino, que já tinha saído pela "porta baixa", com este tipo de comentários, arrisca-se a ser companhia dos outros na "baixíssima".

SÃO CARLOS: O IMPASSE

Li no Crítico que o governo se preparava para "cortar" substancialmente o orçamento do Teatro Nacional de São Carlos, prejudicando essencialmente a afectação destinada às produções. Se isto corresponder à realidade, significa que a actual tutela sediada na Ajuda continua a inverter as prioridades. O Teatro tem funcionado nos últimos anos numa ilógica e irrealista "fuga para a frente", acumulando deficiências organizativas e de gestão que vão sendo convenientemente varridas para debaixo do tapete para que a "função" possa ter lugar. Quem percebe o Teatro sabe que, por detrás da fachada e do palco, se esconde uma instituição autofágica que não conhece verdadeiramente um rumo. Nada disto seria grave se não fossem os dinheiros públicos a sustentar tamanha bizarria. Para o ano, se não erro, termina a vigência do protocolo de mecenato com o BCP, que deverá pensar duas vezes antes de o renovar. A última tentativa séria para resolver o "problema São Carlos" foi protagonizada por Manuel Maria Carrilho. Acabou com a inútil e sôfrega Fundação de São Carlos, saneou financeiramente a instituição e dotou-a com uma lei orgânica suficientemente flexível para governar a casa. O que se seguiu, limitou-se a empurrar um pouco mais o Teatro para o inverosímil. E com Pedro Roseta e Amaral Lopes, o irrealismo tomou definitivamente conta do Teatro. Pinamonti, o director, já devia ter percebido que o tempo de ir à Praça do Comércio e vir de lá com mais umas centenas de milhares de euros, acabou definitivamente há três anos. Por outro lado, a tenaz do ministério das finanças, sem critério que diferencie os organismos de produção cultural e virada apenas para um segmento da despesa, consentindo o seu aumento justamente onde ela não devia aumentar, também não leva a nenhum lado. Curiosamente não vejo ninguém questionar a irracionalidade da "política" e das despesas de pessoal, quando se sabe que quem paga essa factura é a "produção artística" e o público, afinal aquilo que justifica que o palco se abra. Ignoro se Maria João Bustorff e Teresa Caeiro possuem "um pensamento" acerca do nosso único teatro de ópera. A pura técnica contabilística já não chega e sobretudo não serve quando é mal direccionada. Eu continuo a pensar que o encerramento provisório do Teatro, para o reformular de alto a baixo, seria a solução menos má. Tudo o mais são expedientes que mantêm convenientemente o impasse.
Adenda: Depois de escrito este post, verifico que o Augusto M. Seabra também se lembrou do São Carlos no seu artigo de hoje no Público.

FRANÇOISE SAGAN




Desapareceu na passada sexta-feira a escritora Françoise Sagan. A sua abrupta erupção nas letras francesas fez-se em 1954, aos 19 anos, com o livro "Bom Dia Tristeza". O artigo "A elegância, o humor e a leveza", de Josyane Savigneau, a conhecida biógrafa de Marguerite Yourcenar, é uma bonita homenagem que o Le Monde presta a Sagan.

25.9.04

O LUGAR DO MORTO

Santana Lopes também quer o seu "fortezinho" na linha de Cascais para o "lazer" e para os "fins de semana". Segundo o Expresso, foi bem explícito na discriminação das respectivas comodidades. Parece que lhe vai calhar o Forte de Santo António onde Salazar passava os verões pagando do seu bolso ao Exército. Não consigo imaginar quantas voltas dará na sua campa rasa do Vimieiro. Foi lá que se estatelou na famosa cadeira. Lopes, pelo contrário, não precisa de nenhuma cadeira de lona para se estatelar. Basta-lhe abrir a boca e jorrar a primeira ideia que lhe vier à cabeça.

O NOME DA ROSA





Como vários "observadores" e "comentadores" salientaram, o debate provocado pela campanha pela liderança do PS foi útil ao partido e ao país. Se tomarmos por referência a última consulta popular, as eleições europeias, o PS não perdeu o seu glamour e é esperável que estas movimentações o tenham espevitado um pouco mais. "Tudo isto que nos rodeia" a partir da maioria e do governo é tão mau e tão penoso de suportar que o PS pode bruscamente voltar a ser importante. Apesar do meu cepticismo militante e permanente, agora partidariamente "independente", reconheço que o que vai ter de se seguir a esta calamidade passará necessariamente pelo Partido Socialista. O PSD, enquanto insistir na aliança espúria com o PP, reforçando a componente "PPD" e o jargão "neoliberal", não interessa ao glorioso "povo do centro", o tal que dá vitórias e derrotas. A "política democrática" que eu persigo e que expliquei no início deste blogue, por referência ao filósofo Richard Rorty, não se revê na actual perturbação a que alguns chamam "governo". E também não aceita a liderança "ideológica" exercida a partir da maioria por um pequeno partido populista com uma legitimidade eleitoral inexpressiva. É sintomático que, na única vez em que a "coligação" se submeteu a votos, tenha perdido. E os "estudos de opinião", seja para o que for, estabilizam essa tendência constantemente perdedora em que o mais penalizado, a médio prazo, acaba por ser o PSD. Dito isto, falta dar um nome à rosa. Os militantes socialistas escolhem, entre ontem e hoje, o seu secretário-geral e, por consequência, um candidato a chefe do governo. Sem sofismas, eu espero que esse candidato seja José Sócrates. Não é perfeito, não é um "purista" e não é sobretudo um ingénuo, graças a Deus. Em certo sentido, o debate interno também o "melhorou" e obrigou-o a perder o carácter "instantâneo" inicial. Não estamos em tempos de reclamar génios ou esmagadoras figuras. Já não se fabricam. Se eu pudesse escolher abstractamente, tipo "três em um", seleccionava a voz de Manuel Alegre, o voluntarismo de João Soares e o pragmatismo frio de José Sócrates. Em concreto, fico-me pelo último.


P.S: Gostava que esse pragmatismo não desviasse Sócrates do essencial. Por exemplo, Manuel Maria Carrilho deve continuar a ser uma séria hipótese vencedora para a Câmara Municipal de Lisboa. Outros putativos candidatos estão muito bem nos postos para que foram eleitos.

24.9.04

O ASSALTO

Lá mais para trás tentei apreciar o propósito dos famigerados "hospitais SA". O meu amigo Zé António (Mendes Ribeiro), o criador de tão elevada empresa, trocou a dada altura o ministério da saúde por um grupo financeiro privado, sem respeitar um período de nojo. Amigos, amigos, negócios à parte. Mendes Ribeiro preparou no Estado, e por conta do Estado, um "prato pronto-a-servir" aos "privados", um dos quais ele presentemente representa. Sabe-se agora a que vêm esse grupo e outros. O assalto já começou.

À PROCURA DE UM AUTOR

Não sei quantos ministros e um primeiro-ministro fizeram hoje uma apresentação de luxo da "nova lei do arrendamento". Pergunto-me o que é que os mais desvalidos ou preocupados inquilinos e proprietários terão pensado ou aprendido com tamanha manobra de propaganda provinciana. Estava ali, naquele hotel, a essência deste governo: um desiquilibrado conjunto de enfatuados à procura de um autor.

O PANTEÃO NACIONAL




A "democracia portuguesa" sabe honrar os seus maiores servidores. A Dra. Celeste Cardona, alguém que no eixo Lisboa-Burundi é seguramente reconhecida como um génio da política de justiça, viu os seus vastos méritos amplamente recompensados no púlpito da Caixa Geral de Depósitos. Esta veneranda instituição financeira que em condições normais não passaria honradamente disso mesmo, tem visto a dita "democracia" ornamentá-la com alguns dos seus ex-dedicados serventuários políticos. Pode até afirmar-se que o recorrente "arco constitucional democrático" se sublima simbolicamente na CGD. Só faltava o PP, uma injustiça em boa hora reparada por esta maioria, através da fantástica Dra. Cardona. À semelhança da CGD, outras instituições com idêntica filiação pública, acolhem no seu seio estes ex-mártires da sua causa, a supostamente "pública". E nós todos, agradecidos, limitamo-nos silenciosamente a pagar. Pelos exemplos, dir-se-ia que, afinal, a "classe política" vale mais pela sua vida póstuma do que pela que leva no "activo". Deste modo a "democracia portuguesa", propriedade exclusiva do "arco" partidário agora alargado ao PP, tem na CGD, e para sua perpétua tranquilidade, um panteão.

23.9.04

LÁZARO

Por toda a semana assistimos ao breve ressuscitar do Dr. Sampaio do seu pesado sono presidencial. Entre visitas a hospitais e a centros de saúde destinadas a dissipar "nevoeiros" e "espumas" (sic), Sampaio esboçou um ou outro propósito de "resistência" à valsa da "taxa moderadora" tocada por mero acaso por Santana Lopes. Com o seu ar de actor de filme mudo, o ministro da saúde, respeitador dos novos costumes, achou muito bem que fossem revistas as ditas taxas na linha do "pensamento" do seu primeiro-ministro. Riu-se e abanou graciosamente a cabeça quando lhe perguntaram se isso não colidia com a opinião do presidente. E assim ficou. Numa visão optimista das coisas, que não é definitivamente a minha, talvez Sampaio tenha começado, muito ao de leve, a perceber no que é que está metido. O medo que demonstrou em Julho perante a avassaladora dupla Santana/Portas tolheu-lhe irreparavelmente o mandato político. Só lhe resta, porventura como mera consolação, distribuir uns conselhos e enunciar umas vagas intenções "moderadoras". Qual Lázaro, Sampaio lá vai seguindo como pode o conselho da mãe de Sartre, em As Palavras: deslizem mortais, não façam peso.

NOTÍCIAS DO CABARET DA COXA

Uma. Segundo Rui Unas, que apresenta o Cabaret da Coxa na SIC Radical, Santana Lopes teria "pedido" ao respectivo director que não fosse afixado no cenário do programa, como estaria previsto, o seu retrato. Juntar-se-ia a figuras mundialmente famosas e aplaudidas, como Jesus Cristo ou a Virgem Maria. Fica-se sem saber se Lopes não quis figurar nesta galeria por modéstia, vaidade ou meramente por pura inveja.
Duas. Os pequenos homens do PSD/Porto, em cujo torpe firmamento brilha um tal Marco António, encartado "santanista", admoestaram Marcelo Rebelo de Sousa pelos "ataques" dominicais ao governo de que eles são simultaneamente guardiões e tapete. Outras criaturas intelectualmente mais sustentadas mas igualmente apreciadoras do género, também têm chamado a atenção - naturalmente a quem de "direito" - para a heresia marcelista. Quem será o primeiro a atrever-se a fazer um "pedido"?
Três. Ao receber a administração da GALP, Álvaro Barreto manifestou, como fez questão de salientar, "pessoalmente a opinião" que a refinaria de Matosinhos não devia fechar. Falta ouvir "a opinião" de Mexia e de Nobre Guedes, cujo recém deslumbramento pelo "verde" é, no mínimo, suspeito. Quanto à "opinião" de Santana Lopes, temos de esperar pela próxima, se Deus quiser. Afinal eles opinam ou governam?

LER OS OUTROS

No Bloguítica, "Os Sem Abrigo". Pode ser complementado com as páginas da Visão dedicadas ao "ataque à classe média" ou com as notícias acerca das "relações" da empresa "Compta" (a das listas ) com certa classe político-empresarial ou empresarial-política, o que vai dar ao mesmo. E depois admiram-se quando, por exemplo na Alemanha, os partidos neo-nazis reforçam a sua representação parlamentar regional. A seguir igualmente as "entrevistas" do Anarquista Constipado.

O CÓDIGO DA PARÓQUIA




A soberba saloia de alguns "escritores" portugueses manifestou-se este fim-de-semana na revista Actual do Expresso. O jornal dedicou um mini-dossiê ao livro de Dan Brown, O Código Da Vinci (Bertrand Editora). Não faço ideia em que edição é que o livro já vai, porém registo que, pelo menos na praia, em cada grupo de, digamos, cinco pessoas que liam um livro, três seguramente estavam a ler a obra de Brown. Esta vulgaridade "incomoda" os nosso literatos "intimistas". A amabilidade de um amigo, entusiasmado com a sua leitura, fez-me ler, de empréstimo e em três ou quatro dias, o tão procurado tomo. Presumo que o seu sucesso, a nível mundial, terá a ver com a circunstãncia de o livro combinar uma trama policial com uma série de "referências" culturais e espirituais, umas mais fantasiosas do que outras, mas todas destinadas a desenvolver o chamado "guessing instinct" do leitor, algo de que falava o filósofo americano Charles Peirce. O livro vive dessa intensa cavalgada percorrida através de pequenos capítulos cujas linhas finais "obrigam" a que a avidez curiosa do leitor passe imediatamente para o seguinte, praticamente sem parar. Não há, por isso, qualquer "densidade psicológica" nos principais personagens, criaturas que Brown torna puros reféns da sua "história" e do seu "suspense". Pelo meio há momentos em que a coisa "empastela" um bocado, particularmente quando se anda em torno das decifrações dos "sinais" que vão sendo deixados pelo caminho. E, em certo sentido, as páginas finais não deixam de ser um tanto ou quanto decepcionantes. Nada disto,porém, justifica o desdém altivo que os "escritores portugueses", inquiridos pelo Expresso, revelaram. Num país em que os índices de leitura são o que são e a "literatura portuguesa" é o que é, a circunstância de milhares de pessoas lerem este livro é, à partida, positiva. A imensa vaidade destes nossos "intelectuais" impede-os de reconhecer uma simples evidência. A obra de Dan Brown é uma mera fantasia histórico-espiritualista e pictórica, quase um "livro policial", em muitos aspectos irónico e amusant, que se lê de um fôlego. Pouco me interessa saber se há pormenores verdadeiros ou mentirosos na trama, a partir do momento em que parto para aquela leitura com o simples propósito de me divertir e não necessariamente de me "cultivar". As mediocridades brilhantes que constituem grande parte do nosso "universo" dito literário, não compreendem isto. Vivem, como sempre viveram, sobre um outro código, o seu pequeno código da paróquia.

22.9.04

POPULISMO É...

...o Dr. Nobre Guedes, o novo salvador ecológico da nação e campeão na modalidade virtual "anti-interesses", vir dizer, a partir da Madeira, que vai "mudar em seis meses o ambiente e o ordenamento do território em Portugal" e que tem, por consequência, "todos os meios para mudar Portugal".

QUEM DIRIA...

Le couple franco-allemand est plus nécessaire que jamais et moins suffisant que jamais. Il est irremplaçable. Ceux qui protestent quelquefois contre la coordination franco-allemande oublient quelles seraient les conséquences s'il n'y avait pas cette coordination. Nem Chirac nem Schroeder proferiram estas palavras e Zapatero, outro dia, já tinha dito que "a velha europa estava mais nova do que nunca". Pois bem. Este excerto, retirado ao Le Monde, pertence a uma entrevista com José Manuel Barroso, o futuro presidente da Comissão Europeia. Mais vale tarde do que nunca. Quem diria...

TEMPO NOVO?

Derrotada pelo "sistema", Carmo Seabra foi forçada a recorrer ao velho método da colocação manual dos professores. Segundo ela, um "grupo de trabalho a constituir" tratará da função até ao dia 30 de Setembro. Quem assistiu ao anúncio pela televisões, ao qual naturalmente não faltou o "ponto" do governo, Morais Sarmento, percebeu com facilidade que a ministra, apesar do esforço, não controla politicamente o seu sector. Sarmento também percebeu e teve de falar. Daqui em diante, cada vez que Carmo Seabra propuser ou anunciar uma medida, ninguém a levará suficientemente a sério. É isto o "tempo novo"?




P.S: Uma palavra de apreço pelas intervenções, sobre esta matéria, de Maria de Fátima Bonifácio na RTP e na SIC Notícias.

RAMBO-CALMO

Depois do "euro-calmo" e do "aborto-calmo", Paulo Portas descobriu, na Madeira, uma nova "linha" para o PP, por interposto Nobre Guedes: o "Rambo-calmo".

21.9.04

POPULISMO É...

...anunciar uma "medida" do tipo "compre o passe social que desconta no IRS".

AINDA BEM QUE NÃO SOU SÓ EU

Ler "Pirâmide Invertida" no Bloguítica.

QUASE

Na televisão, num debate sobre a "educação", Carmo Seabra assumiu descontraidamente que o ano escolar começou da pior maneira. No mesmo programa, o director de uma escola de Bruxelas considerou que era "inconcebível" passar-se numa escola belga uma novela idêntica à que está aqui em curso quanto à "colocação dos professores". Carmo Seabra acha que não se pode andar sempre a mexer no "sistema", particularmente neste belo "sistema" que David Justino lhe deixou. O que é preciso é "aperfeiçoar". Francamente não sei como é que Carmo Seabra pode aperfeiçoar uma coisa que não existe. Para o fim do programa, a ministra, ainda mais descontraída, informou que a "lista" estava finalmente a ser "carregada" na internet. Esteve. Uma hora. Às três da manhã foi de novo retirada por causa de mais um "erro informático". Ao contrário do que é esperável, a ministra virou "técnica" e dirigiu pessoalmente estas complicadas operações. A directora responsável, depois de ver escarrapachado num jornal que ia ser demitida, naturalmente nunca mais apareceu no ministério. Carmo Seabra, cuja responsabilidade é política e não técnica, com este gesto voluntarista, ficou amarrada ao destino da sua "lista". Em 24 horas, a "lista" esteve "quase" a sair em vários momentos. Até chegou a "sair" mas voltou a desaparecer. Carmo Seabra herdou uma armadilha e não se apercebeu disso a tempo. Lentamente o "sistema" de ensino público desacredita-se e eu pergunto se tal não é deliberado. Por tudo isto, Carmo Seabra está prestes a ser uma quase ministra da Educação.

20.9.04

A LAGARTIXA

Santana Lopes. Cada vez mais nota-se uma opção governativa inicial destinada a resolver bloqueios e impasses que duravam há anos. Nessa opção, o PM escolheu o caminho mais pragmático: começar pelo mais difícil, para terminar o ano em velocidade de cruzeiro e arrancar 2005 com a viragem e a imagem que a maioria e o Governo anterior já tinham dificuldade em fazer e sustentar. Intuitivo como ninguém, Santana impôe o estilo de falar directamente aos portugueses, quando quer, evitando a redoma de vidro em que se torna a residência de S. Bento. E puxa pelos ministros, não os deixando abrandar, divagar ou "marinar". Esta prosa sabuja e surrealista pertence a Luís Delgado, recentemente promovido a "presidente da comissão executiva da Lusomundo Media" e conhecido "comentador" da SIC e do DN, de onde este naco foi retirado. Por este andar e com este estilo "Becel anti-colesterol", Delgado ainda acaba em secretário de Estado ou em ministro. Já vimos coisas piores. Mesmo que isso aconteça, é como diz o outro: "quem nasceu para lagartixa, nunca chega a jacaré".

A BANDEIRA

Depois de uma manifestação contras as touradas, em Lisboa, uns zelosos agentes da PSP detiveram um miúdo de 17 anos. Aparentemente o rapaz estaria a queimar um exemplar da bandeira nacional, bem à vista dos referidos agentes. O tratamento que deve ser dado ao "estandarte" nacional não inclui a imolação pelo fogo, apesar de a dita bandeira já estar "queimada" há muito tempo. Ainda recentemente, por causa do Euro 2004, os indígenas foram incentivados a dar todos os usos possíveis à bandeira e a colocá-la nos sítios mais extravagantes que lhes ocorresse. Suspeito até que alguns patriotas mais entusiasmados tivessem usado roupa interior com as cores verde e rubra, com laivos amarelados. É junto ao que nos é mais precisoso que devemos mostrar todo o nosso amor pátrio, nem que seja na intimidade de uma cueca. Como a SIC fez questão de recordar, a primeira-dama não escapou a este frenesim. Quando a selecção nacional se julgou perto do Olimpo, a senhora apareceu nos jogos ornamentada com uma t-shirt que era uma bandeira e com uma bandeira que era uma t-shirt. Nessa altura, Jorge Sampaio ainda não tinha terminado o seu mandato político e, na qualidade de "símbolo nacional", não pareceu muito incomodado com o facto. Provavelmente o rapaz irá "responder", como se costuma dizer, por este extraordinário delito anti-patriótico. Como me considero um cidadão do mundo que, por manifesta infelicidade, acabou por nascer aqui, este "incidente" impressiona-me tanto como as bandeirinhas nas janelas, nos carros ou como peça de vestuário da D. Maria José Ritta. Não sei do que é que as "autoridades" estavam à espera depois da banalização popularucha da bandeira feita por todo o verão, em apelos sucessivos e ridículos vindos das criaturas mais improváveis. O rapazinho de 17 anos é apenas filho da consentida insanidade geral em que vivemos, divertindo-se à sua maneira. Não sejamos, pois, hipócritas.

19.9.04

PRIMEIRO ESTRANHA-SE, DEPOIS ENTRANHA-SE

"Pois é. É tão fácil levá-los. No Abrupto. Ou mais uma prova do "bom funcionamento" da "central".

DE QUE É QUE ELES FALAM?

Esta semana a "central" funcionou em pleno. Começou com Bagão Félix, em dose dupla e familiar, passou pela menos feliz Carmo Seabra - muito "desfocada"- e acabou com o próprio Santana Lopes que se despediu dos telespectadores com um comovente "até para a semana, se Deus quiser". Guedes e Barreto? Uma dupla para a vida, assevera. "Educação" ? Onde a ministra diz branco, Lopes vê preto. Deve ser do "tempo novo". Quanto a Bagão, pode ser que sim, mas também pode ser que não. Está escrito nas contas, como no passado estava escrito nas estrelas. Lopes jura a pés juntos que é tudo "combinado com ele", que ele está a "par" de tudo e que este governo tem, finalmente, "uma maneira diferente" de ver as coisas. De que é que eles falam?

STEFAN ZWEIG NUMA OUTRA EUROPA



Com a vénia devida ao El País e ao DNA, segue-se o artigo de Agosto de Mario Vargas Llosa. Fala-nos do escritor austríaco Stefan Zweig, de Salzburgo e de tempos sombrios. Ainda hoje nos questionamos - George Steiner, aliás, não faz outra coisa em toda a sua obra - como é que, numa civilização tão "elevada" e luminosa, as mais tenebrosas trevas floresceram. De alguma forma elas sempre lá estiveram e, eventualmente, permanecem como que na tranquilidade perversa de um limbo.

LA MONTÃNA DE LOS CAPUCHINOS

por Mario Vargas Llosa

Más todavía que desde la elevada fortaleza de Hohensalzburg, símbolo y asiento del poder de los Príncipes-arzobispos que durante siglos gobernaron Salzburgo, la armonía y la belleza de la ciudad barroca donde nació Mozart se aprecia mejor desde las laderas de la Kapuzinerberg, una elevación boscosa coronada por un convento de capuchinos construido en el siglo XVI que domina toda la ciudad antigua y las graciosas vueltas y revueltas del Salzach, el río que la atraviesa. La única vivienda que hay en ese bosque es un hermoso pabellón de caza, erigido por un arzobispo en el siglo XVII, que el escritor Stefan Zweig (1881-1942) compró en 1918 y donde vivió hasta febrero de 1934, los años más fecundos y exitosos de su vida literaria. No queda rastro de él en esa casa, salvo acaso el frondoso y aromado jardín, al que el verano ha llenado de flores y de avispas rumorosas. Sus actuales propietarios, dos hermanos, uno empresario y el otro pintor, no parecen saber gran cosa del ilustre hombre de letras al que en aquellos dieciséis años que pasó aquí venían a visitar grandes artistas e intelectuales de toda Europa. Aquella Salzburgo a la que vino a instalarse Stefan Zweig al terminar la primera guerra mundial era pequeñita y miserable –Austria quedó mutilada y arruinada en la contienda- y esta casa estaba llena de goteras, paredes sin pintar y cañerías agujereadas. Para resistir el frío, aquél escribía las biografías, los ensayos históricos y los relatos que devoraban los lectores de medio mundo, sepultado en su cama y con guantes de lana y un gorro de dormir embutido hasta las orejas. Desde la ciudad hasta aquí era preciso subir una escalera de cien peldaños que la nieve, en el invierno, convertía en un tobogán.Pero la belleza y la tranquilidad del lugar justificaban cualquier engorro y, además, atraían a las musas, porque los libros de Zweig de aquellos años –Amok, Carta de una desconocida, los dedicados a Hölderlin, Kleist y Nietzsche y Momentos estelares de la humanidad, entre otros- fueron tan re-editados y traducidos que hicieron de su autor un hombre muy próspero. Zweig aprovechó para invertir esos ingresos en su pasión de coleccionista y el antiguo pabellón de caza se llenó de manuscritos literarios, de partituras, de incunables y ediciones príncipe.En 1920, el director teatral Max Reinhardt y el poeta y dramaturgo Hugo von Hofmannsthal organizaron, en la plaza de la Catedral de Salzburgo, unas representaciones teatrales al aire libre que desde el primer momento tuvieron una gran acogida. Así nació el festival que, en pocos años, convertiría, según Zweig, a Salzburgo “en la capital artística no sólo de Europa, sino del mundo” a la que en el verano acudían “reyes y príncipes, millonarios americanos y estrellas de cine, amantes de la música, escritores y esnobs, a aplaudir aquellos extraordinarios espectáculos”. Ochenta y cuatro años más tarde, el Festival de Salzburgo, dedicado a Mozart, sigue siendo uno de los más prestigiosos y convierte, desde mediados de julio hasta el último día de agosto, a esta ciudad en un enclave civilizado donde la buena música, el buen teatro, excelentes exposiciones, las inquietudes culturales y la alegría parecen ocupar toda la vida. El festival tenía fama de conservador y de envarado en materias artísticas cuando lo dirigía Herbert von Karajan, pero su sucesor, Gérard Mortier, le inyectó un formidable aliento renovador y moderno que, en la actualidad, incluso los que fueron los más ruidosos críticos de su gestión, recuerdan con nostalgia. No ha bajado de categoría con la partida del director belga, pero sí ha perdido el aire juvenil y polémico que Mortier supo insuflarle sin por ello romper con su vocación clásica.El autor ausente...Salvo por un sendero extraviado entre pinares, que lleva su nombre, nada recuerda en Salzburgo a Stefan Sweig. En las guías no se lo menciona, o, apenas, a la carrera y de puntillas, y no hay placa alguna en la casa que habitó, como si la ciudad se sintiera incómoda con el recuerdo de aquel ilustre vecino que, entre 1918 y 1934, fue una de las mayores celebridades que Salzburgo exhibía a los ojos del mundo. ¿Por qué? Porque el autor de El mundo de ayer está íntimamente ligado a un pasado del que esta hermosa ciudad, del que este bellísimo país que es Austria, cuya prosperidad y civilizados modos de vida dejan envidiosos y admirados a los forasteros, se las ha arreglado para olvidar, abolir y reemplazar, como esos emperadores incas que subían al poder con una corte de historiadores cuya función era reconstruir la historia de manera que ésta alcanzara siempre su apogeo con el inca reinante.Desde la montaña de los capuchinos, además del río y la ciudad barroca de las cincuenta iglesias, se divisa una empalizada de piedra que hiende las nubes y cuyo nombre suena como un escalofrío: Berchtesgaden. En su remota cumbre está la casa que Martin Bormann le regaló a Hitler al cumplir éste medio siglo de vida y donde el Fuhrer acostumbraba pasar sus vacaciones. Desde las ventanas de su dormitorio, Stefan Zweig podía divisar aquel nido de águilas donde, en aquellos años, sin que el diligente polígrafo lo sospechara, el caudillo nazi estaba sentando las bases de la tragedia que acabaría con su obra, con su vida y con la de por lo menos veinte millones de europeos.Según confesión propia, los primeros años del nazismo, pese a haber transcurrido a las puertas mismas de Salzburgo, en la vecina Múnich, fueron para él nada más que unas mataperradas de palurdos iletrados que cruzaban la frontera alemana y organizaban marchas y mítines de cuatro gatos donde cantaban canciones patrióticas y vociferaban insultos antisemitas que los vecinos austriacos observaban desde lejos, como payasadas sin importancia. Zweig detestaba la política y, como no se metía con ella, tenía la ingenuidad de creer que ella tampoco se metería nunca con él. De pronto, descubrió que era judío. Lo descubrió en los ojos de su mejor amigo, un intelectual destacado, con el que conversaba, discutía, intercambiaba libros e ideas, y pasaba horas en las tabernas bebiendo sendos porrones de cerveza. El judaísmo debía ser algo muy vago y lejano para este austriaco laico, para este intelectual totalmente integrado a la cultura occidental, para este europeo al que la religión sólo interesaba como objeto de estudio o fuente de placeres estéticos. Y, sin embargo, un buen día, aquel amigo dejó de saludarlo en la calle y, peor todavía, le hizo saber que sólo podían continuar su amistad de manera clandestina, porque para un ario como él se había vuelto demasiado riesgoso frecuentar a un judío.La maldición de su vidaEl estupor de Stefan Zweig fue el mismo que, en esa ciudad prodigiosamente culta y creativa que era en aquellos años Viena, debió de sobrecoger a Karl Popper, a Sigmund Freud, a decenas de músicos, filósofos, economistas, artistas, escritores, arquitectos austriacos, integrados desde hacía generaciones al que creían su país, su sociedad, su cultura, que de la noche a la mañana dejaban de ser lo que eran y pasaban a ser parias, apestados, acosados, perseguidos. Es decir, judíos. Cuando cuatro policías austriacos se presentaron a la casa de la montaña de los capuchinos, en febrero de 1934, con una orden de registro porque se suponía que el propietario escondía armas para una conspiración subversiva, Stefan Zweig comprendió que había llegado la hora de partir. Empaquetó lo que pudo y, sin hacer saber a nadie que huía, escapó a Inglaterra, de donde luego seguiría huyendo, esta vez allende los mares, a Petrópolis, en Brasil, donde en 1942, luego de una tranquila velada en la que jugaron una partida de ajedrez, él y su joven esposa Lotte se suicidaron tomándose una fuerte dosis de Veronal.¿Lamentó en esos años del destierro, mientras veía derrumbarse a su alrededor toda aquella civilización europea refinada y tolerante, a la que había dedicado tantas alabanzas en las figuras que, según él, mejor la encarnaban, un Erasmo, un Montaigne, un Balzac, haber escrito el libreto para la ópera La mujer silenciosa, del proyecto Richard Strauss, niño mimado de los nazis, que se estrenó en Dresden bajo el Tercer Reich? Probablemente, no. Hasta el final, y pese a las atrocidades que vio a su alrededor y padeció en carne propia, Stefan Zweig creyó que cultura y política eran esferas independientes que no debían mezclarse, y que un escritor y un artista, para alcanzar la excelencia estética, debían mantenerse rigurosamente alejados de esa cosa mediocre, vulgar y sucia que es el quehacer político. El colaboró con el eximio compositor de Der Rosenkavalier que se dejó halagar y utilizar por los nazis, no porque compartiera sus criminales prejuicios y fanatismos, sino porque pensaba que era la única manera de preservar pequeños islotes de civilización y cultura en medio de la barbarie política reinante. El país que lo desconoció y expulsó ha hecho de esta ingenua convicción una exitosa filosofía. Cuando se piensa en el nazismo se piensa en Alemania, no en Austria, donde hubo tantos partidarios de Hitler como entre los propios alemanes. Sin embargo, jugando hábilmente la carta del neutralismo, y echando un velo de amnesia y silencio sobre ese pasado comprometedor, Austria ha prosperado, se ha democratizado, y aparece en la historia contemporánea como una de las víctimas más sufridas, y de ninguna manera una cómplice, de las hordas pardas. ¿Es sano o enfermizo pensar en estas cosas cuando se está en Salzburgo gozando de este hermoso día soleado y con una entrada en el bolsillo para oír esta noche en la Grosses Festspielhaus a la Filarmónica de Berlín, con sir Simon Rattle, interpretando las Variaciones de Schönberg y la Novena de Beethoven? Mejor aspirar la fragancia del aire purísimo, distraerse con la geometría de las abejas que evolucionan entre las flores y decirse, embelesado con el espectáculo del río, las torres, los campanarios, los palacios, los conventos, que esto es la felicidad y que aquí encontró inspiración un famoso polígrafo, que Salzburgo se merece a Mozart y Mozart a Salzburgo, y que Berchtesgaden no es más que un alpino pico a cuyos pies está el lago König, donde van a besarse todos los enamorados.


18.9.04

PEDRO E OS LOBOS (act.)

1. A propósito do episódio Mira Amaral, um amigo chamava-me ontem a atenção para um estudo duma instituição universitária acerca das cerca de três centenas de criaturas que, de há mais de uma década para cá, circulam intermitentemente entre altos cargos gestionários - na administração pública, no sector empresarial estatal ou privado - e o poder político. Em torno destas 300 almas existe uma cumplicidade transpartidária, perfeitamente institucionalizada, que tem raízes subterrâneas inacessíveis ao comum dos mortais. Por exemplo, o Santo Nome de Deus é muito invocado, e nada em vão, para justificar pertenças e comunidade de interesses muito para além da inscrição em partidos diferentes. Ao pé destes sólidos e insólitos associativismos, velhos e novos, a Maçonaria é cada vez mais uma agremiação filantrópica de meninos do coro. Os antigos "monopolistas", tão caros ao regime do Dr. Salazar, foram substituídos por estas novas "aves de rapina" que o "pacote democrático" engendrou voluntaria e involuntariamente. Não é por acaso que Bagão Félix, ao comentar publicamente o assunto Mira Amaral, se revelou "incomodado" perante a brutalidade da evidência. O "quase obsceno" que murmurou é sinónimo da falsa credulidade do poder político perante este vampirismo crónico gerado ironicamente no seu seio e por ele alimentado. Quem diz Mira Amaral, pode dizer Pina Moura, Couto dos Santos, Murteira Nabo ou Álvaro Barreto e por aí fora. O ad hominem é o que aqui menos pesa. Toda esta obscura ou conhecida gente ronda agora Santana Lopes, como no passado rondou quem mandava, e assim será no futuro. Um dia ele acabará por sair, como saem todos. Os outros vieram para ficar.
2. Neste contexto, acho uma certa piada ao endeusamento de que Nobre Guedes anda a ser objecto por causa do inquérito à GALP. Guedes é claramente daquelas pessoas que "só dá um chouriço a quem lhe der um porco". O fatinho "verde", ataviado à pressa, assenta-lhe mal. Conseguiu, graças à distracção dos vizinhos do lado, vestir uma pele de cordeiro e passar por herói "anti-interesses". A "sua" "central de informação", com a ajuda de alguns ingénuos, encarrega-se do resto.

17.9.04

LER OS OUTROS

Na Bloguítica, "Roller Coaster", e no Abrupto, "Obsessão". Por causa da "temporada", desta vez no bom sentido, no Crítico, "Festival de Órgão de Lisboa". Agora arrumadinho por "temas", "O Dicionário Não Ilustrado" no Opiniondesmaker.

A TEMPORADA

Pelo que vejo e ouço, o "parque cultural" da tutela do ministério da Cultura continua moribundo e soturno. O fantasma Roseta paira sobre o leque da actual titular, a bem parecida Dra. Maria João Bustorff. Os dois secretários de Estado arrastam-se no conveniente anonimato. Não se sabe sequer se Amaral Lopes já consegiu chegar a Évora para onde foi desterrado com os seus "bens culturais". A poliédrica Casa da Música do Porto não tem aparentemente remédio e o o Dr. Monteiro, o ano passado "salvador", acaba de pedir a honrada demissão.Os teatros nacionais tardam em acordar da habitual letargia, onde as únicas pessoas com talento e imaginação, o Ricardo Pais e o António Lagarto, vão fazendo o que podem. No São Carlos prolonga-se doentiamente a vulgaridade embotada dos últimos anos e não se apresenta um programa nem se fecha o teatro para o pensar convenientemente, como se devia fazer. A temporada continua sombria.

MARIA CALLAS



Numa das biografias da Callas, Tito Gobbi, esse extraordinário barítono e amigo da cantora, contava que, para o fim, o seu medo da solidão era de tal ordem que Callas adiava o mais que podia o regresso a casa quando se encontravam. Qualquer pretexto servia. Bastava um gelado para continuarem a dar uma "voltinha". Maria Callas, cujo desaparecimento ocorreu a 16 de Setembro de 1977, constitui seguramente um dos maiores fenómenos musicais do século XX. Nada ficou na mesma no mundo operático depois da sua passagem. Com um timbre particular - os puristas dizem mesmo que nem sequer era "bonito" -, Callas ressuscitou papéis há muito esquecidos e difíceis de trabalhar, tornando essas versões incontornáveis. Até aos anos 60, altura em que a sua voz começou a seguir uma direcção imprevista, quaisquer gravações da Callas são amplamente recomendáveis. Com a diluição da figura do "grande intérprete" nas produções e nas encenações dos dias de hoje, é mais complicado perceber o que significava esta genialidade pura. Callas passou por cá uma única vez para cantar La Traviata no São Carlos, no tempo do cada vez mais saudoso José Figueiredo. Os últimos anos foram passados entre o recolhimento e uma patética tournée mundial com Di Stefano, em que ambos eram já uma pálida imagem do que haviam sido. Os comprimidos, esses falsos amigos, eram o resto da companhia. Em Paris, a 16 de Setembro de 1977, Maria Callas, numa súbita vertigem, entrava definitivamente na eternidade que a consagrou e puniu.

16.9.04

O LABIRINTO

A irmã do Padre João Seabra começa mal a sua missão patriótica. A paródia da "colocação dos professores" é digna do melhor Almodovar. Para efeitos oficiais e de cobertura televisiva, o ano lectivo começa hoje. Não custa nada abrir uns portões e umas portas de salas de aula, meter lá para dentro a rapaziada e sorrir. É assim que os anos escolares são inaugurados. Por detrás desta encenação grotesca, o panorama é invariavelmente o mesmo. Parece, aliás, que desta vez é um bocadinho pior. Não percebo como é que se pode pretender dar lições à administração pública e apoucá-la perante a sociedade portuguesa, quando os principais "responsáveis" por ela não conseguem pôr de pé um "método". Os antecessores da Dra. Carmo Seabra saíram indemnes como entraram. Os que os antecederam também. Aparentemente ninguém faz uma mínima ideia do que fazer. Entretanto o registo da "qualificação", que tanto preocupa a segunda versão desta gasta maioria, vai cedendo perante o conformismo banalizado e a balbúrdia. A culpa é sempre do "sistema", seja lá ele qual for, mesmo quando não há nenhum. Este original "caminho para a escola", que se repete fastidiosamente todos os anos, transformou-se simplesmente num sórdido labirinto onde não se conhece qualquer saída.

15.9.04

SINAIS DE DECADÊNCIA (act.)

Primeiro. Numa entrevista recente, o Dr. Morais Sarmento, que é uma espécie de "ponto" da governança, considerou o Dr. Jorge Sampaio como "parceiro". Em condições normais e entre pessoal político "normal", Sampaio poderia ser tudo menos um compagnon de route deste estado de coisas. A sua ânsia infantil da "estabilidade" permite estes enlevos serôdios e nada sadios. Vamos assistir a um final de mandato assaz penoso. Se é bem feito para ele, é péssimo para nós. Nada está onde devia estar. Nenhum deles morde a língua?
Segundo. Um estudo internacional concluiu que, na realidade, somos mesmo feios, porcos e maus. Estamos nos picos em matéria de pobreza e, entre parceiros europeus, apresentamos índices de criminalidade notáveis. A nossa sociedade, pelos vistos, anda por aí a segregar novos monstros. Será que o Dr. Lopes consegue perceber o que é o "tempo novo" de que ele tanto fala?
Terceiro. Um ministro número nove ou dez desautoriza o ministro número quatro ou cinco. O ministro número quatro ou cinco faz de conta que não é nada com ele. O ministro número dois desautoriza-os e ralha com o número nove ou dez. O primeiro ministro desautoriza-se quando consente que eles se desautorizem uns aos outros sem pestanejar. Afinal quantos "conselhos de administração" estão representados no governo?
Quarto. O "Estado a que isto chegou" vai acabar com o serviço militar obrigatório. Passa a ser coisa de "profissionais" e de "voluntários". A Marinha já tinha ajoelhado, outro dia, a 12 milhas da costa. Faltava o Exército e a Força Aérea. A passagem da "sociedade civil" pelas "forças armadas", em democracia, é um bom "serviço cívico" e ajuda a compreender a noção de cidadania. Sampaio, o "parceiro", prefere ser o "comandante supremo" de mais uma vulgar corporação?
Quinto. A falta de vergonha, para dizer o mínimo, não cala esses dois pequenos vermes socialistas de Matosinhos. Os brandos costumes internos valeram mais do que a necessidade da purga. O próximo líder começaria bem se os expulsasse sem hesitações. Um deles até já cantarola que "tem obras para outros mandatos". Esta cacicagem "democrática" é simplesmente repugnante, está em todo o lado e tem todas as cores. Porém, como sobrevive um "aparelho", qualquer "aparelho", sem cepa desta?

14.9.04

A MATERIAL GIRL



Ontem, ao fim da tarde, segui numa direcção inesperada. Arrumei o carro bem longe da zona central do Parque Expo e caminhei até às bilheteiras do Pavilhão Atlântico. À volta do Pavilhão havia filas por todo o lado e ainda faltavam mais de três horas para o concerto. A generosidade de um segurança permitiu-me alcançar as bilheteiras e dei por mim a pagar um preço exorbitante para ver a Madonna. Nunca tinha posto os pés no dito Pavilhão e, de facto, a enchente foi imponente e diversa. Apesar de estar bem acomodado e com uma bela vista sobre o palco, fui forçado a passar a maior parte do tempo em pé, a bambolear-me, à semelhança do que toda a gente estava a fazer. Pouco antes do concerto começar, Santana Lopes fez a sua entrada num camarote atrás de mim. Foi recebido com uma monumental vaia que se repetiu. Pode ser que o incidente o tivesse levado a reflectir na frase com que encerra o espectáculo: re-invent yourself. Costumava ser uma sua especialidade. Mas Santana não me interessava. A Madonna, essa, é, por assim dizer, uma "rapariga do meu tempo". Esperta como uma rata, a criatura sabe o que faz e vende muito bem aquele produto. Aquilo ali é puro espectáculo, minuciosamente preparado e desempenhado com o maior profissionalismo. Se Roland Barthes fosse vivo, podia acrescentar a rapariga às suas "Mitologias". Chamou-se a esta poderosa encenação a "re-invention world tour". É claro que, apesar das actuais tendências místicas da cantora, aliás bem presentes no espectáculo, nada de particular foi verdadeiramente "reinventado". A multidão naturalmente delirou e mostrou-se crazy por ela. Madonna devolveu bem o cumprimento e garantiu que é mesmo uma material girl. Ela tem razão. E eu estranhamente gostei.

13.9.04

LER OS OUTROS

Na Bloguítica, "o caos como método governativo".

DESILUSÕES E RUÍNAS

Manuel de Arriaga, 1º PR




Dentro de três dias, a Pátria, seguramente reconhecida, vai transladar o Dr. Manuel Arriaga dos Prazeres para o Panteão Nacional. A que se deve tão notável mudança? A referida notabilidade, para quem não se lembre, foi o primeiro presidente da República Portuguesa nos idos de 1911. Nasceu nos Açores, foi advogado, professor liceal, deputado e poeta. Os "republicanos", entre outras coisas, gostavam de exibir estes "vultos" supostamente dados a transportes líricos como prova da sua superioridade intelectual e política. Contudo, e segundo os "radicais", Arriaga estava demasiado conotado com os "moderados". Viam nele, mais do que o PR, um chefe de facção. Por isso, nunca podia ter sido a "salvaguarda" constitucional e institucional de um regime que era dominado essencialmente pelos "democráticos". Nem tal lhe estava na "massa do sangue". Deste modo limitava-se a tentar cumprir o seu papel ornamental, o que, aliás, nem ele nem ninguém pretendia que ultrapassasse. Quanto ao resto, a história registou o fundamental. E o fundamental é muito pouco. As palavras de Vasco Pulido Valente em O Poder e o Povo - A Revolução de 1910, resumem-no. "Em nenhum momento da sua longa vida excedera (ou haveria de exceder) uma mediocridade honesta. A seu favor contava-se apenas um passado de pioneiro, assaz diletante, e quase quatro décadas de fiel serviço ao Partido [Republicano]. Mas agora estava velho e cansado e a cada passo mostrava que não percebia nem se adaptava às duras realidades do mundo republicano. Sobrevivente de mais simples e tranquilos tempos, autor de um livro chamado Harmonias Sociais, entrou para a presidência em estado de inocência política e saiu para morrer, deixando atrás de si só desilusões e ruínas". Reconhecendo-se porventura nesta infeliz criatura, Jorge Sampaio presidirá à transladação. Com a costumada pompa e circunstância e a presença dos principais corifeus da Nação, o actual regime pretenderá, talvez por instantes, rever-se no Dr. Manuel de Arriaga e na sua patética impotência. Deve ter razão. Não é mesmo de "desilusões e ruínas" que falamos quase sempre?

12.9.04

LER OS OUTROS

The Dying Animal, um blogue que retoma o título de uma obra de Philip Roth, um autor muito apreciado por estas bandas.

FICÇÃO

Por falar em "moral" e "bons costumes", o mesmo Expresso que publica o antológico "cartoon" de António que reproduzo em baixo, também inclui um anúncio da editora Almedina com as últimas "novidades" jurídico-literárias. Não posso deixar de chamar a atenção para uma. Um tal presumo que "licenciado", "mestre" ou mesmo "doutor" Jorge Alberto Duarte Pinheiro escreveu um livro/tese com 828 páginas (!) e com este título extraordinário: O Núcleo Intangível da Comunhão Conjugal - os deveres conjugais sexuais. Só neste país e com esta "academia" é que alguém consegue dissertar em tantas páginas sobre um tema tão profundo e de tão relevante interesse social. Nos bairros periféricos das grandes cidades esta questão da "comunhão conjugal" e dos "deveres conjugais sexuais" tem claramente sucesso garantido. Por outro lado, visto pelo lado dos "bons", trata-se de uma bela prenda que se pode sempre oferecer a casais do "jet-set" e às imensas "tias" e "tios" que são o nosso melhor exemplo de felicidade e de fidelidade conjugais. Nem que escrevesse mil páginas, este preclaro jurista jamais atingiria o tal "núcleo intangível da comunhão conjugal". Pela simples razão de que ele não existe, da mesma forma que não existe qualquer tipo de "norma" que possa definir o que seja a "comunhão conjugal" ou sexual. As relações entre duas pessoas, sejam elas um homem e uma mulher ou "same sexers", não incluem propriamente direitos e deveres como um vulgar contrato de arrendamento. E não há coisa mais "atingível" no mundo do que uma relação, sobretudo sob a forma de "casamento". Há por aí muito casamento que não passa de uma excelente ou medíocre obra de ficção. Porque a vida "íntima" de muito boa gente também o é. E esta gorda "tese", se quisermos ser "objectivos", apenas vale como tal, como pura ficção.

11.9.04

BARCO DA MORAL & DOS BONS COSTUMES




Copyright: António, edição de 11 de Setembro de 2004 do Expresso


Nota: No filme de Rainer Werner Fassbinder, Querelle, baseado na obra Querelle de Brest de Jean Genet, Jeanne Moreau interpreta o papel de Madame Lysiane, uma espécie de "coro" unipessoal recolhido à tragédia grega. Passa o filme a entoar uma canção cujos versos pertencem à "Ballad of Reading Gaol" de Oscar Wilde e que rezam assim:



Yet each man kills the thing he loves
By each let this be heard,
Some do it with a bitter look,
Some with a flattering word,
The coward does it with a kiss,
The brave man with a sword!

Some kill their love when they are young,
And some when they are old;
Some strangle with the hands of Lust,
Some with the hands of Gold:
The kindest use a knife, because
The dead so soon grow cold.

Some love too little, some too long,
Some sell, and others buy;
Some do the deed with many tears,
And some without a sigh:
For each man kills the thing he loves,
Yet each man does not die.

10.9.04

QUEM É QUE MANDA?

Em conferência de imprensa certamente promovida por uma "central" diferente, Nobre Guedes, que por mero acaso é companheiro de governo do Dr. Mexia, independente transversal mais inclinado ao "santanismo" (já tinha sido "pina mourista"), arrasou a gestão da GALP por causa das condições de segurança das refinarias. Acontece que o Dr. Mexia, que até há coisa de 50 dias era o "patrão" da GALP Energia, não só não prestou qualquer atenção ao que disse o seu ilustre colega, como falou da GALP como algo que lhe era absolutamente estranho. O PP já tinha "comandado" o assunto do "barco" com o brilhantismo que se conhece. Agora veio Nobre Guedes dar cabo do "prestígio" gestionário de Mexia, alguém que, no governo, tem a cobiçada pasta das obras públicas e dos transportes. Afinal, nesta improvisação organizada, quem é que manda?

O ÓBVIO E O OBTUSO

Numa daquelas "notas de rodapé" que acompanham os telejornais e que normalmente estão cheias de erros ortográficos, li ontem que os portugueses estavam mais "optimistas". Quem serão estes "portugueses"? Sejam lá quem forem, e como não enxergo razão para tamanha alegria, sou forçado a concluir que, afinal, eles estão apenas um pouco mais idiotas.

9.9.04

AS ÁRVORES E A FLORESTA

A "central de informação" voltou a dar um ar da sua graça. Há menos de uma semana, em Évora, por entre migas e queijos alentejanos, um soturno Santana Lopes anunciava penúrias para os próximos tempos. Em apenas cinco dias, já no Brasil, foi um "encantado" Santana Lopes quem comentou uma espúria e falsa retoma encontrada pelo INE no primeiro semestre deste ano, induzida, muito naturalmente, pela defunta bola de Junho. Devagarinho a "central" lá vai plantando as suas árvores para não deixar ver a floresta.

AS TREVAS



Do lado de lá do Atlântico, Santana Lopes vem-me falar em "orgulho nacional". Eu, confesso, tenho muito pouco desse "orgulho" e convivo excelentemente com isso. Quatro sinais dos últimos dias vieram, aliás, confirmar a minha convicção. O primeiro veio de Coimbra, pela mão de uma juíza (um "jurista", sempre um jurista). Já aqui disse o que pensava do "barco do aborto". Aquele colorido folclórico não me impressiona. O que me maça é a ignorância do "direito comunitário" revelada pela magistrada quando deu razão ao Dr. Portas. Alguém, um dia, fará o favor de lhe explicar o que é o direito à livre circulação de pessoas e bens dentro do espaço da União Europeia, qualquer coisa que muito bom e benemérito português, pelos vistos, ainda não entendeu. O segundo sinal, ainda relacionado com isto, veio de uma tal "associação maternidade e vida" que solicitou a intervenção da PGR contra a dirigente das "Women on waves". Esta senhora, ao que consta, terá explicado em directo, na televisão, como é que se pode interromper a gravidez. Vai daí, esta benemérita "associação" quer vê-la arguida e, de preferência, detida por ter convocado o "mal" diante de toda a gente. Em terceiro lugar, leio que o director do Teatro São Luiz recebeu umas cartas ameaçadoras, certamente remetidas por outros beneméritos, por causa da peça "Evangelho segundo Jesus Cristo", baseada na obra homónima de Saramago que ali vai ser representada. Também estou à vontade porque não gosto de Saramago. Finalmente ocorreram uns protestos espúrios por se ter celebrado um rito funerário maçónico na Basílica da Estrela. O mui católico e cristão cónego da dita Basílica, disse-o, não teria autorizado se tivesse sabido. Farto de saber estava ele, porém, certamente alguma advertência de outros beneméritos o terá chamado tardiamente "à razão". Uma das coisas bonitas que tem a iniciação maçónica é o momento em que ao candidato de olhos vendados, depois de ter sido sujeito a uma série de provas, é concedida a "luz". Licht, mehr Licht, como clamava o poeta. Para os beneméritos do meu texto é escusado pedir a "luz". Eles imaginam o país e o mundo à sua patética imagem e semelhança e, pior do que isso, querem e exigem doutrina geral. Seja feita a nossa vontade, é o seu lema, sempre com três hipócritas pancadinhas no peito. São certamente dos que transpiram "orgulho nacional" por todos os poros. E transpiram tanto que até cheiram mal, já que vivem e respiram nas "profundezas". São, desde tempos imemoriais, os mesmos filhos das trevas, agora apenas revistos, corrigidos e aumentados.

8.9.04

LENI RIEFENSTAHL



Passa hoje um ano sobre o desaparecimento da cineasta, fotógrafa e aventureira Leni Riefenstahl. Morreu com 101 anos e aos setenta e dois tinha descoberto o prazer do mergulho para melhor poder captar a "magia" do mundo submarino. Até ao fim, Leni foi uma figura controversa, mesmo quando se dedicou à pesquisa e à fotografia em África ou ao estudo dos Nuba. A sua história fica marcada indelevelmente pelo seu encontro com Hitler, no período de formação do III Reich. Juntamente com Albert Speer, o jovem arquitecto que ajudou o Führer na concepção grandiosa e totalitária da estética nazi, Leni realizou os mais famosos filmes/documentários sobre a "magnificência" da "nova Alemanha" de Adolf Hitler. "O Triunfo da Vontade" e as "Olimpíadas" de 1936, em Berlim, são os melhores testemunhos filmográficos dos momentos da ascensão do regime e da encenação fantástica que o acompanhava. Os alemães deram-se bem com esta nova ordem absoluta, pelo menos até começarem os desmandos da guerra. Hitler não emergiu do acaso. Como extraordinário oportunista e visionário que era, soube "cavalgar" o descontentamento da sociedade alemã dos anos 20, humilhada pela derrota na I Guerra Mundial e insatisfeita com a "democracia burguesa" que lhe sucedeu. Prometeu ao seu povo "um homem novo", coisa que os políticos "democratas" que apareceram depois um pouco por todo o mundo também adoram promover. Leni Riefenstahl e muitos outros ajudaram Hitler a "compôr" a imagem da futura "Germania", o nome que o Führer queria dar a uma Alemanha cujas fronteiras começavam no extremo norte da Europa e terminavam nos Urais. Sabe-se como este "sonho" acabou. A "guerra total" e a obsessão anti-semita arrasaram a ambição do antigo cabo austríaco e arrastaram a "nação do espírito" para o abismo e para a destruição. À eterna questão das suas relações com Adolf Hitler, Leni respondia assim:

"Passaram estes anos todos a perguntar-me se eu tinha sido namorada de Hitler.
Durante todos esses anos dei sempre a mesma resposta: não, foram só falsos rumores, eu apenas fiz documentários para ele".


Imagem do filme "O Triunfo da Vontade"



A última paixão de Leni, África:
o estudo e a fotografia dos Nuba


7.9.04

A ÁGUA

Lê-se no Portugal Diário que "Portugal tem quase um milhão de analfabetos e é o país da Europa com maior percentagem de pessoas que não sabem ler nem escrever". "Em 2001 o número de analfabetos estava nos nove por cento, sendo Portugal também o país da OCDE que tem maior taxa de abandono escolar: apenas 20 por cento dos portugueses atinge o ensino secundário, ficando-se a grande maioria pela escolaridade obrigatória, de acordo com o último relatório da instituição", ainda segundo aquela fonte. Isto quando "os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que nove em cada 100 portugueses não sabem ler nem escrever". Face a esta realidade, não é díficil entender que a chamada" agenda política" está invertida pelos seus divertidos e irresponsáveis agentes. Do Estado à sociedade dita "civil", dos partidos às várias igrejas, das escolas às universidades, ninguém presta atenção a esta miséria visceral e instintual, sempre trocada por bagatelas pessoais absolutamente irrelevantes. Um exemplo desta maravilhosa "agenda" foi dado ontem à noite pelos três candidatos à liderança do PS. Invaravelmente só se preocupam com duas coisas: o Eng.º Guterres e o "aparelho". Outro exemplo apareceu em directo, pelas televisões, à hora do almoço. O ministro da Defesa Nacional deste país, onde há 1 milhão de analfabetos, continua a dar troco a uma chalupa holandesa por causa de um conceito de "soberania nacional" que só existe na cabeça dele. Definitivamente nem o Dr. Portas nem os seus secretários de Estado têm mais nada para fazer. Esta nossa infeliz paisagem política lembra-me sempre uma frase de Jack Nicholson num filme que muito aprecio. Estamos para aqui a afundar-nos e só nos vêm falar da água.


P.S: Vem a propósito recordar o post JURISTAS que escrevi há umas semanas atrás. Está neste link.

A JARRA

Jorge Sampaio foi vaiado três vezes no encerramento da Festa do Avante. A semana passada, por causa de um remoque do "comandante supremo", o respeitoso Santana Lopes lançou-lhe uma "indirecta" ao afirmar que não era seu costume discutir em público a agenda das conversas com o presidente. Estes pequenos fait-divers são um sintoma. Sampaio é olhado com a mesma insípida veneração com que se contempla uma jarra Ming numa sala. Sabe-se que ela lá está, não se lhe presta demasiada atenção e evita-se simplesmente que não se parta. A circunstância de Sampaio se ter convertido no único legitimador político do actual "regime", não contando obviamente com os interessados, tornou-o praticamente imaterial. A "esquerda" já não o adula nem se revê nele como a "última esperança". A "direita", apenas cerimoniosa e cínica, limita-se a fingir um vago respeito. À medida que se aproxima o fim formal do seu mandato, Sampaio revela um inexcedível talento para o antecipar de facto. Sabia-se que, diferentemente de Soares, Sampaio era um homem "comum" que dificilmente se consagraria como "grande estadista". Com a passagem do tempo, porém, conseguiu a rara proeza de banalizar ainda mais essa sua essência mediana. Graças a ele, à "esquerda" e à "direita" podemo-nos perguntar: para que é que serve o meu voto na eleição de um PR? Isto significa que, para além dos aspectos meramente pessoais, a "via sampaísta" em exercício acabou por criar uma espécie de angústia institucional para o futuro. Isso nota-se na tentação, já claramente instalada no poder e na oposição, da desvalorização da eleição presidencial de 2006. Na realidade e com um exemplo destes, quem é que se atreve?

6.9.04

UM LIVRO CONTRA A INDIFERENÇA

Françoise Giroud


De Françoise Giroud, Artur ou a Felicidade de Viver (Editorial Inquérito). Trata-se de um livrinho de memórias que se lê de um fôlego. Giroud foi jornalista, resistente, amiga de Mitterrand, membro do governo de Giscard D' Estaing e sobretudo uma perspicaz observadora da vida pública, particularmente na sua terra, a França, esse país de que diz que "nada me proibirá de pensar que a alegria de viver só existe" lá. Como ela escreve, é um livro de muitas vidas e de muitas mortes. Na realidade, trata-se de um pequeno manual de sobrevivência e de vitalidade para os dias insuportáveis. Por ele passam algumas das "grandes figuras" da França do século XX que Françoise Giroud conheceu ou com quem privou directamente. Vale a pena ler.
Afinal, não é um novo Hitler que eu receio para a França, nem o ressurgimento de um fascismo à alemã. Mas, mais modestamente, se me permitem dizê-lo, uma forma moderna do Mal, persuasiva, dissimulada, pouco a pouco invasora, que conseguiria recuperar todos os nossos medos, todas as nossas fraquezas, todas as nossas nostalgias, e que seria uma caricatura do que foi, por exemplo, o fascismo italiano. As primícias surgem por aqui e por ali, de tal forma que faríamos mal em julgá-las anedóticas. A infiltração populista já começou. É preciso ser cego ou então indiferente para não a ver.

5.9.04

LER OS OUTROS

No Jumento, o comentário O Portugal Diário, a pedofilia e a extrema-direita.

IMPROVISAÇÃO ORGANIZADA

O primeiro-ministro arrastou os seus "governantes" para uma reunião descontraída em Évora. Na véspera, os mesmos convivas tinham estado a preparar este conselho de ministros alentejano, segundo a "central de informação", até à madrugada. A razão de tão prolongada dedicação à causa pública estava numa espécie de "teste americano" que Santana Lopes obrigou os pobres dos ministros a preencher em dois ou três dias. O exercício parece que se destinava a inventariar o que eles tinham feito nos cinquenta dias que levam de imolação no altar da Pátria e aquilo que pretendem ou têm a fazer de acordo com a vulgata do "programa do governo". Eles só tinham praticamente que colocar as "cruzinhas" no lugar certo, deixando a Lopes a tarefa da divulgação e a "visibilidade" das medidas e das "obras". O método resume o "estilo". À saída do "conventinho" e com "elegância", Lopes preparou-nos para o pior, culpando, como é costume, o "monstro-Estado" pelos "apertos". A sua intuição política já lhe segredou que, desta vez, a coisa é mesmo "a sério" e difícil. Não admira, pois, que "bata" no Estado por que é ironicamente o primeiro responsável. E que o queira - grande novidade, grande "medida", grande "obra"! -"reformar". Precisamente para não resolver nada de fundamental e para tapar o vazio que abunda, Lopes inventou esta "estranha forma de governar", errático-mediática, assente na única concepção "ideológica" que se lhe conhece: a improvisação organizada. Um dia no Porto, no outro em Évora, agora em conselho "informal", depois em reunião "extraordinária" ao sol ou à chuva, com ou sem gravata, este governo não dará muito mais do que isto.

4.9.04

WHO CARES?




Acompanhei moderadamente as convenções dos Partidos Democrático e Republicano pela televisão. Ontem a CNN fez o favor de repetir o discurso de W. Bush em Nova Iorque e eu dei-me ao trabalho de o ver e escutar. Com o mesmo sorriso idiota de sempre, o presidente repetiu banalidades de efeito garantido e prometeu aos americanos continuar a sua gloriosa política, particularmente a externa, a qual, como é sabido, tem ajudado a levar o mundo tão optimisticamente para o abismo. Enquanto Bush se esforçava na sala, sob o olhar protector da família e de Miss Rice, a perigosa virgem que o conduz pelas labaredas das "relações internacionais" na Casa Branca (devemos sempre desconfiar de alguém que aparentemente não vai para a cama, nem com homens nem com mulheres), nas ruas adjacentes ao Madison Square Garden decorriam manifestações folclóricas para todos os gostos. Menos para um, o da "América profunda" que tem horror aos "intelectuais" e que se acolhe, sem hesitações, no "quentinho" seguro da liberdade "musculada" oferecida por Bush e por Schwarzenegger. Kerry é melhor do que isto? Não é. Baço, de pálidas convicções e perseguido pelo pathos do Vietname, Kerry apenas promete aos americanos vir a ser o "anti-Bush", o que é manifestamente pouco. Para além disso, votou a favor da guerra no Iraque, o que lhe deixa uma reduzida margem de manobra para combater Bush no seu "labirinto" essencial. Por cá, os "comentadores" e os "blogueiros" pró-Bush e pró-guerra mal se atrevem a defendê-lo, preferindo antes apresentar os argumentos dos seus congéneres americanos que passam a vida a contestar a credibilidade de John Kerry. Tudo para esconder a boçalidade contentinha de um perante a fragilidade pusilânime do outro. Com distanciada equanimidade, eu acho que o "pequeno Bush" vai conseguir os seus "4 more years" a partir de Janeiro do próximo ano. O mundo fica menos perigoso do que já está? O terrorismo vai acabar? O bom senso vai prevalecer? Penso que não. Mas, nos dias que correm, quem é que se importa?

3.9.04

CONTINUAR A LER OS OUTROS

Neste caso, o Miguel Sousa Tavares, no Público sem link. O título resume o essencial: Da Corveta à opereta.


(...) Sobra nada do Estado. Forças Armadas utilizadas para defesa das concepções morais e religiosas de alguns ministros. Um primeiro-ministro que, acima de tudo, não quer problemas e que para tudo propôe "pactos de regime" a um regime que já ninguém sabe bem o que é e onde fica. Um Governo onde os "lobbies" de interesses representados se enfrentam abertamente por interpostos ministros, com a imprensa a relatar, como se de um jogo de futebol se tratasse, "1-0 a favor do ministro tal; empate a 1-1; 1-2 a favor deste ministro". Uma oposição que discute quem é mais moderno, mais socialista e quem consegue afugentar mais eleitores. Um Presidente da República que aproveita qualquer coisa como as Jornadas Nacionais sobre a Inseminação Artificial da Amêijoa para se queixar que ninguém lhe dá satisfações, embora ainda seja Presidente e ainda seja "comandante supremo" das Forças Armadas. E uma justiça que já chegou ao ponto de os magistrados terem de levar os processos consigo quando vão de férias, para evitar que os colegas lhes soneguem os processos, as decisões e o protagonismo. Haverá país que resista a tanto?

2.9.04

LER OS OUTROS

1. Num post intitulado O tempora, O mores, o Almocreve arranjou a melhor definição de Jorge Sampaio: um presidente de turno.
2. O artigo do José Pacheco Pereira no Público encerra, por uma vez, o tema da embarcação "abortiva" fundeada bem longe da vista do Dr. Portas:
(...) Na blogosfera, onde a política tem uma maior transparência ideológica, a lógica dos blogues próximos do PP é actuarem de forma espelhar com os do Bloco de Esquerda e vice-versa. O Bloco de Esquerda já percebeu que isso favorece a sua política de implantação, num contexto de apatia dos socialistas, e provoca sistematicamente o PP. O PP, que em matéria de uso da provocação é de uma enorme ingenuidade face aos velhos leninistas do Bloco, responde à letra. O problema é que o PP está no Governo e envolver o Governo de Portugal num conflito de grupúsculos radicais é comprometer o equilíbrio do Estado e ameaçar direitos fundamentais que ele deve garantir. Para além de se saber se houve ilegalidade na acção do Governo, e tudo indica que houve mas demorará tempo até as instâncias jurídicas o esclarecerem, há todo um estilo pouco consentâneo com um Estado democrático, como seja a utilização das forças armadas para fazer uma exibição com fins políticos ou para acções intimidatórias contra seja quem for. Usando-as como braço armado de uma política de grupúsculo à procura de identidade conflitual, muito para além da necessidade e da legalidade, o que se perde é o sentido de Estado e os seus valores: autoridade proporcionada, reserva e discrição na sua aplicação, respeito pela razão democrática e pelos valores da liberdade.

O TÉDIO

O tédio revela-nos uma eternidade que não é a ultrapassagem do tempo, mas a sua ruína; ele é o infinito das almas apodrecidas, falhas de superstições: um absoluto chato onde nada impede as coisas de andar à roda à procura da sua própria queda. A vida cria-se no delírio e desfaz-se no tédio.


E. M. Cioran, Précis de Décomposition

1.9.04

O PAÍS IMPROVÁVEL

Duas televisões, a RTP e a SIC Notícias, gastaram grande parte do serão a debater o indebatível tema do aborto. A minha misantropia não me permite levar a sério nenhum dos representantes das organizações "pró" e "contra", nem tão-pouco os deputados de um e do outro lado. Num dos debates estava Zita Seabra, alguém que já não tem propriamente um lado. É meramente "acidental", na definição que o homónimo blogue dá do vocábulo. Estes "debates" normalmente só servem para realçar o nosso congénito primitivismo. Em condições perfeitamente normais, com uma comunidade e com costumes adultos, Portugal não andaria a perder tempo, no ano quarto do século XXI, com este assunto. E muito menos por causa de uma minúscula embarcação com seis almas lá dentro, fundeada para lá das bordas legais da pátria. Ou das excursões com uma dúzia de patetas que andam para lá a para cá em regatas folclóricas para televisão ver. Ou das comparações do Dr. Portas com o tráfico de drogas e outras maleitas que podem chegar sobre ondas. Até o Dr. Sampaio despertou por instantes da sua habitual letargia para "avisar" que, afinal, sempre é o Comandante Supremo, inclusivé da Marinha. Responda lá: ainda tem pachorra para este país improvável?